Foi aprovado por unanimidade na Câmara de Cariacica, nesta segunda-feira (2), o Projeto Decreto Legislativo 01/2021, de autoria do vereador André Lopes (PT), que cria a Comenda Lula Rocha. A proposta faz referência ao militante do Movimento Negro e dos Direitos Humanos falecido aos 36 anos, no dia 11 de fevereiro, e tem como objetivo homenagear ativistas de destaque na luta contra a discriminação racial, sempre no dia 21 de março, instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU) como Dia Internacional Contra a Discriminação Racial.
“Estou muito feliz, inclusive, me emocionei durante a votação. Lula foi um cara que além de ter militado comigo, é uma pessoa que a gente não tem como não gostar. Dedicou sua vida a uma causa, e isso está em desuso hoje. Com certeza é uma das minhas principais proposições legislativas nesses cinco anos de mandato”, ressaltou André.
Embora o projeto estabeleça que a comenda será concedida em 21 de março, o vereador disse que pretende, de maneira extraordinária, fazer os trâmites necessários dentro da Casa de Leis para que seja entregue ainda este ano, em 20 de novembro, Dia da Consciência Negra.
Durante a sessão, André Lopes recordou
as ofensas proferidas pelo vereador de Vitória Gilvan da Federal (Patri) contra a memória do ativista, na sessão realizada em 19 de junho e na qual foi rejeitada na Capital a criação da Comenda Lula Rocha, proposta pela vereadora Camila Valadão (Psol). “Algumas proposições causaram muito burburinho. Um cidadão utilizou sua corporação, que é de muito respeito, para manchar a imagem de Lula”, rememorou, destacando que o exemplo de Lula faz crer que “vale a pena continuar lutando por um mundo mais fraterno, mais igual, sem racismo”.
Em sua justificativa de voto, o vereador Sérgio Camilo (PRTB) afirmou ter votado a favor por ser “extremamente contra o racismo”. “Não é porque temos ideologias diferentes, eu sou de direita e o André Lopes defende ideais de esquerda, que seremos diferentes diante de um crime que choca a humanidade, que é o racismo”. Em seguida, André Lopes afirmou que nunca imaginou que Sérgio Camilo votaria contra. “É um político de direita, mas é um democrata, ao contrário do outro [Gilvan da Federal], que quis defender seus ideais de forma truculenta, ofendendo os outros. Isso não leva a nada”, disse.
Outros vereadores também justificaram seus votos. Edson Nogueira (Podemos) declarou que Lula Rocha “dedicou grande parcela de sua vida à população do Espírito Santo e de Cariacica”. Cleidimar Alemão (Pros) afirmou ter sido favorável “por tudo que Lula Rocha representou para Cariacica”. Renato Machado (Avante) destacou que, como negro, recorda “das lutas que Lula fez desde jovem”. E acrescentou: “foi um guerreiro, um lutador”.
Natural de Cariacica e morador de Santana, Lula Rocha chegou a ser candidato a vereador do município onde nasceu e cresceu pelo PCdoB, em 2016. Ele se destacou em diversas lutas, como o combate ao racismo, contra o extermínio da juventude e pelos direitos humanos. Atuou em pastorais sociais e diversos movimentos.
Câmara de Vitória
A criação da Comenda Lula Rocha foi rejeitada em Vitória com a alegação de que era necessário quórum qualificado, ou seja, 3/5 dos votos, e não maioria simples, como, segundo Camila Valadão, constava na pauta. Diante disso, o mandato enviou questionamento à Procuradoria, obtendo parecer favorável. O parecer nº 112/2021 afirma que, no que diz respeito aos projetos de criação ou aos que definem normas para a concessão de honrarias, “viceja no meio jurídico, a regra de que as deliberações sejam tomadas por maioria de votos (maioria simples), levando-se em consideração a presença da maioria dos membros das assembleias (princípio da suficiência da maioria)”.
A Procuradoria-Geral recomenda que a proposta seja aprovada, “tendo em vista a votação favorável, nesta data, da maioria simples dos membros da Câmara Municipal de Vitória”. Deixa claro no documento, ainda, que caso o presidente da Câmara, Davi Esmael (PSD), ou o plenário optem por não seguir o parecer, a Procuradoria-Geral entende “como necessário reconhecer a nulidade da votação”, bem como “proceder a realização de novo escrutínio”.
A proposta apresentada por Camila Valadão altera o inciso I do artigo 1º da Resolução nº 1.912, de 2013. A Comenda Lula Rocha, caso seja criada, será voltada para pessoas que atuam na defesa dos direitos humanos, das juventudes e contra o extermínio da juventude negra.
Os vereadores contrários à proposta foram Gilvan da Federal (Patri), Maurício Leite (Cidadania) e Dalto Neves (PDT). Aloísio Varejão (PSB) não estava no momento da votação, mas ao retornar ao plenário, se posicionou favorável. Entretanto, segundo Davi Esmael, o voto não foi válido, embora Aloísio tenha relatado que isso já havia acontecido na Câmara em outros momentos e o posicionamento do vereador foi computado. André Brandino (PSC) se absteve.
A sessão foi marcada por inúmeras ofensas à memória de Lula Rocha. O vereador Gilvan da Federal o chamou de “vagabundo dessa esquerda imoral”, acusando-o de, em sua trajetória, ter atacado policiais e cristãos.
Manifestação
As agressões motivaram a realização de uma manifestação em frente à Câmara de Vitória, no último dia 22, organizada pela Unidade Negra Capixaba, mas que contou com a participação de militantes de diversas entidades da sociedade civil. Durante o protesto, o militante do Movimento Negro e professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Gustavo Forde, apontou quebra de decoro no comportamento de Gilvan, além de afirmar que o presidente da Câmara, Davi Esmael, foi omisso.
“O Regimento Interno deixa claro que é quebra de decoro ofender e agredir qualquer pessoa dentro do edifício. Por que o presidente nada fez, ficou em silêncio? Isso é racismo institucional. Não é possível que um ato desse seja acompanhado do silêncio do presidente”, disse.
Uma das muitas iniciativas impulsionadas por Lula Rocha que foram recordadas durante a manifestação foi a Marcha Contra o Extermínio da Juventude Negra, realizada todo dia 20 de novembro.