Técnica reproduz o modelo de serrapilheira da floresta e é tema de live com Incaper e sindicato rural
Vem do chão da floresta a inspiração para uma técnica que tem transformado a forma de preparo do solo para cultivos de olerícolas e grãos na região serrana do Espírito Santo. O “plantio direto na palha” é objeto de estudos científicos e experimentos práticos há 13 anos e os principais resultados dessa trajetória de sucesso serão apresentados em uma live que o Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper) e o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santa Maria de Jetibá (STRSMJ) promovem nesta quinta-feira (5) às 19h.
Durante a transmissão, serão apresentados três pôsteres temáticos com tutorial de plantio direto e um guia ilustrado sobre a técnica, com informações para cultivo de 22 espécies de plantas de cobertura do solo. “É uma entrega para a sociedade”, enuncia Maria da Penha Angeletti, pesquisadora do Centro de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação Serrano do Incaper e responsável por trazer a técnica para o Estado, a partir de estudos e visitas feitas no Sul do país em 2006, com interações junto a instituições como a Embrapa Hortaliças, a Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri), a Emater do Paraná e o Instituto Agronômico do Paraná (Iapar).
“Comecei a ver que é possível produzir hortaliças sem ficar mexendo no solo três vezes por ano”, relata. A partir de 2008, com a abertura de uma linha de pesquisa no Incaper, três projetos e um subprojeto foram desenvolvidos, com recursos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (Fapes) e do próprio Incaper, com apoio da Secretaria de Estado da Agricultura (Seag).
As publicações, explica, são uma espécie de prestação de contas à sociedade, em função dos recursos públicos investidos nesses treze anos de criação da linha de pesquisa participativa sobre o tema dentro do instituto, a partir da qual metodologias diferenciadas têm sido aplicadas: experimentos científicos dentro da Fazendo Experimental; experimentos dentro das propriedades dos agricultores familiares de quatro municípios da região serrana; e unidades de observação de experimentos mais empíricos dos próprios agricultores.
O guia e os pôsteres, afirma Penha Angeletti, apresentam um conjunto de espécies de plantas de coberturas capazes de se adaptar a qualquer situação vivenciada pelos agricultores capixabas. “Agora depende das pessoas quererem experimentar, fazer a sua comprovação da verdade que existe nessas tecnologias. E é muita verdade. A gente fica encantada de ver”, declara.
O foco de todo o trabalho é promover a sustentabilidade das florestas dentro das lavouras. E essa sustentabilidade, ressalta, está em grande parte relacionada à serrapilheira, à camada de matéria orgânica que cobre o solo da floresta e é formada a partir da decomposição de folhas e galhos que caem das árvores, além de animais e outros elementos que, sobrepostos ao longo do tempo, criam um ambiente rico em vida, que protege o solo das intempéries, lhe fornece fertilidade, umidade e a aeração necessária para um enraizamento seguro das plantas que se quer cultivar.
Penha conta que o Brasil é “autoridade mundial” no plantio direto, prevalecendo ainda as áreas extensas e com uso intensivo de maquinário, como tratores e outras máquinas de grande porte. Mas o uso na agricultura familiar, observa, cresce cada vez mais.
No Espírito Santo, o epicentro de difusão dessa tecnologia está nos municípios de Santa Maria de Jetibá, Domingos Martins, Laranja da Terra e Afonso Cláudio, onde a sociedade civil se faz parceira essencial, por meio de sindicatos e escolas agrícolas.
50% menos irrigação e zero herbicida
O agricultor familiar Evelson Sanche Muniz, vice-presidente do Sindicato de Santa Maria de Jetibá, é um dos pioneiros na aplicação da técnica no Espírito Santo. Conta que tomou a decisão após uma viagem ao Paraná. Com orientação de Penha Angeletti, decidiu em 2010 implantar o plantio direto numa área degradada em sua propriedade. “Não arei mais aquela área e continuo produzindo. Recomendo para todos os agricultores”, declara.
Repolho, milho, abobrinha…a produção é diversificada e as vantagens são inquestionáveis. “Na virada pra mudar para o plantio direto, a gente sente um pouco de dificuldade. Mas depois da primeira palhada, já consegue diminuir a mão de obra e a água. Na minha planilha, a irrigação reduziu em mais de 50% e o solo melhora a cada dia. Eu cheguei a colher repolho sem tirar um pé de mato!”, destaca, assegurando que o herbicida não é mais necessário. “As plantas espontâneas, o mato, não acontece com tanta força quanto na terra nua”, explica.
Coordenadora de Agroecologia no Incaper, Andressa Alves conta que a técnica do plantio direto é um aprofundamento de princípios antigos da Agroecologia, que muitos agricultores orgânicos e agroecológicos já aplicam intuitivamente.
“A Ana Primavesi [uma das maiores referência em agroecologia no mundo] sempre falou da importância da manutenção da vida no solo. O que a Penha Angeleti fez foi pesquisar isso mais a fundo, trazendo plantas novas e pesquisando sua aplicação nas propriedades dos agricultores capixabas, identificando quais são as melhores formas de plantar e quais plantas se adaptam melhor em cada região”. A ideia, ressalta, “é implantar um sistema que revolva o mínimo possível o solo. E deixar a natureza agir em favor do agricultor”, sintetiza.
Resiliência frente às mudanças climáticas
Em linhas gerais, ensina Penha Angeletti, o que se faz no plantio direto é “formar uma cobertura de solo no mesmo modelo da floresta”. Para isso, o agricultor cultiva, durante dois a três meses por ano, algumas plantas de cobertura do solo. Quando elas alcançam determinada altura, são cortadas, roçadas ou deitadas com tora, de forma a cobrirem o solo onde será feito o plantio das culturas comerciais. “Já temos trabalho no projeto envolvendo beterraba, repolho, brócolis, feijão, milho, abobrinha, repolho roxo, vagem… olerícolas e grãos”, elenca.
Esse preparo do solo para conversão ao sistema de plantio direto deve ser feito em no máximo 10% da área produtiva da propriedade, para reduzir riscos com possíveis perdas no início. O planejamento do preparo deve partir de um diagnóstico das condições do solo: está muito compactado? Muito ácido? Precisa de intervenção química ou adubação? A partir daí, definem-se as plantas de cobertura mais apropriadas. “Uma vez por ano cultiva as plantas de cobertura. É o modelo da floresta”, reafirma.
“No primeiro ano, eu rocei as plantas de cobertura e ficou uma camada; plantei uma cultura econômica em cima e o resíduo da cultura econômica ficou lá. No ano que vem eu tiro de novo dois a três meses para plantas de cobertura. Roço de novo, fica outra camada. Quer dizer, eu estou seguindo o modelo da floresta”, descreve.
As plantas de cobertura, expõe, são o primeiro dos três princípios do plantio direto. O segundo é o uso de máquina somente nas linhas de plantio e nunca nas áreas de preparo e cobertura do solo. “Menos de 25% da sua área vão ser mexidos com máquina, com enxada ou enxadinha, para caracterizar o plantio direto”, sublinha.
O terceiro princípio é a rotação de culturas. “Precisa planejar um jeito de ter plantas de cobertura durante todo o ano e misturando espécies, mudando espécies para ter biodiversidade. Nossas lavouras geralmente são de uma espécie só. Então se eu fizer uma mistura de dez plantas de cobertura, durante um ano eu vou ter onze espécies naquela área. É biodiversidade, é vida, e isso faz toda a diferença pro solo. A vida faz toda a diferença nesse sistema”.
Novamente invocando a sabedoria da natureza, Penha Angeletti explica que a serrapilheira da floresta e as plantas de cobertura do plantio direto promovem a ciclagem e a liberação de nutrientes, que alimentam a vida do solo, criando uma fertilidade natural. “Quando você maquina muito uma área, deixa o solo exposto, a vida do solo morre e a natureza não pode ajudar. Quando começa a proteger dos raios solares, da chuva, começa a criar um ambiente favorável para toda a vida e as plantas respondem muito melhor”.
O processo fica ainda mais evidente em períodos de eventos climáticos extremos, como os de seca acentuada, que têm se tornado cada vez mais comuns em decorrência do aquecimento global. “Numa seca, a planta utiliza a água do solo por muito mais tempo. Diante das irregularidades climáticas que vivemos, o agricultor começa a ter meios de equilibrar essa situação e fazer a gestão da propriedade com mais segurança. A gente não manda no clima, mas pode preparar nossa terra para ter mais resiliência diante das dificuldades climáticas”.