Na Grande Vitória, 2,5 mil hectares de pastagens respondem por 1/3 dos sedimentos que chegam às estações da Cesan
“Plantar árvores reduz custos com tratamento de água”. A afirmação não é novidade há muito anos para os engenheiros, técnicos, agricultores e ambientalistas que ousam pensar fora da caixinha cinza da gestão convencional de águas e solos. Mas chega a público, nesta terça-feira (10), por meio do relatório “Infraestrutura Natural para Água na Região Metropolitana da Grande Vitória”, que fornece números – em reais, hectares e outros indicadores – aplicados à realidade da região metropolitana.
O estudo parte do conceito de “infraestrutura natural” como “conjunto de ecossistemas íntegros, manejados ou restaurados estrategicamente planejados e gerenciados para habilitar ou reabilitar a paisagem a fornecer serviços ambientais essenciais ao desenvolvimento das atividades econômicas e ao bem-estar da comunidade” e busca provar que “a combinação de infraestruturas natural (verde) e convencional (cinza) tem desempenho superior ao gerenciamento da poluição de sedimentos que considere apenas a convencional”.
O relatório é assinado por um grupo variado de entidades, com interesses igualmente diversos na produção mais volumosa de água doce ao redor do mundo. A produção é da WRI Brasil, braço brasileiro da ONG ambientalista internacional, em parceria com a brasileira Fundação O Boticário, as também ONGs ambientalistas internacionais TNC e UICN, além da Fundação Femsa, da Coca Cola, e duas entidades brasileiras: a Capital Natural, do Paraná, e o Ibio, criado em 2002 por nomes do mundo empresarial e corporativo, como Erling Lorentzen (poluidora Aracruz Celulose, hoje Suzano) e Eliezer Batista (poluidora Vale). Nos agradecimentos e prefácio, constam ainda gestores do governo do Estado, especialmente do Programa Reflorestar e da Agência Estadual de Recursos Hídricos (Agerh).
No combinado em questão, chama atenção o detalhamento que conseguiram alcançar, pontuando cada hectare de interesse direto para produção de água, indicando os ajustes necessários nas políticas públicas em curso e dando um status de eficiência e segurança econômica e urgência a uma ideia, o “plantio de água”, que já é praticado a duras penas por agroecologistas em diversos pontos do Estado, e reivindicado por movimentos sociais que denunciam os abusos dessas gigantes industriais contra os povos tradicionais, a água, o solo, o clima, a biodiversidade e a segurança alimentar da sociedade como um todo.
Pois todos esses atores, reunidos, identificaram os 2,5 mil hectares de terras cobertos com pastagens degradadas que produzem um terço dos sedimentos lançados sobre os mananciais das bacias hidrográficas dos rios Jucu e Santa Maria da Vitória, responsável pelo abastecimento da Grande Vitória. Se reflorestados com as técnicas corretas e no tempo adequado (no prazo de um ano, preferencialmente, e no máximo em três), esses 2,5 mil ha gerarão uma economia de R$ 58,5 milhões, em vinte anos, ao sistema de tratamento de água mantido pela Companhia Espírito Santense de Saneamento (Cesan), como aponta o relatório.
A cifra é resultado da diferença entre o valor total economizado com a manutenção do sistema de abastecimento, após a retirada de toneladas de sedimentos que deixarão de ser lançados nos corpos d’água após a restauração florestal das pastagens degradadas, calculado em R$ 92,9 milhões, e o investimento feito no reflorestamento, calculado em R$ 34,1 milhões.
“O projeto apresentaria um valor presente líquido (VPL) de R$ 11,1 milhões, taxa interna de retorno (TIR) de 13,9% e tempo de retorno de 11,6 anos – valores compatíveis com investimentos em infraestrutura convencional”, acrescenta a WRI, destacando ainda que “estes resultados estão em linha com os que foram obtidos em estudos semelhantes feitos no Sistema Cantareira, em São Paulo, e no Guandu, no Rio de Janeiro”.
Menos sedimentos, menos química
O relatório explica que, pelo fato da captação de água na GV ser feita diretamente nos rios, diferentemente das capitais paulista e fluminense, abastecidas a partir de reservatórios construídos, a Cesan necessita utilizar grande quantidade de produtos químicos para os sedimentos carreados pelos rios.
A Barragem dos Imigrantes, que está sendo construída no rio Jucu, pode amenizar a suspensão de sedimentos atual, mas não resolve totalmente a questão, pois, mesmo com a decantação do sedimento no fundo do futuro reservatório, serão necessários gastos significativos anuais com a dragagem desses sedimentos no fundo da represa.
O reflorestamento, concluem as entidades do estudo, é a única maneira de segurar os sedimentos, evitando que as chuvas os carreiem para os rios, eliminando, efetivamente, o problema. “Florestas, por sua vez, absorvem o impacto das chuvas e auxiliam na estruturação do solo (via sistemas radiculares), diminuindo a erosão e, por consequência, a turbidez da água. Elas também melhoram a regulação dos fluxos hídricos, a manutenção do microclima, a proteção de polinizadores, a conservação da biodiversidade e o sequestro de carbono”, sublinha o relatório.
Somente da Barragem, o reflorestamento de 1,6 mil hectares – do total de 2,5 mil identificados nas duas bacias hidrográficas – reduziria a descarga de sedimentos em aproximadamente 1,8 mil toneladas, o equivalente à carga de 40 caminhões-caçamba por ano.
“Os benefícios econômicos totais da economia de custos de tratamento de água, depreciação evitada e custos de dragagem e disposição desses sedimentos seriam de R$ 65,9 milhões em 20 anos, 50% maiores do que os benefícios alcançados em custos de tratamento de água fornecidos apenas pelo reservatório”, compara o relatório.
Programa Reflorestar
O relatório traça ainda um paralelo com a previsão de recursos com reflorestamento do governo do Estado, por meio do Programa Reflorestar, da ordem de R$ 190 milhões na Bacia do Jucu e de R$ 134 milhões no Santa Maria. Os investimentos necessários para a restauração dos 2,5 mil hectares prioritários, responsáveis por um terço dos sedimentos hoje carreados para os rios, equivalem também a um terço desse total, acentua a WRI Brasil.
O pulo do gato para atingir esses objetivos, apresenta de forma sutil o relatório, é conseguir ter a autorização dos proprietários dessas terras onde estão esses 2,5 mil hectares de pastagens degradadas.
Isso porque, se os 2,5 mil hectares forem restaurados aleatoriamente entre as áreas de pastagens degradadas, sem priorização pelo grau de erosão, assinala o relatório, “a restauração não teria capacidade de reter mais do que 5% dos sedimentos produzidos na paisagem”.
O ritmo de implementação da restauração também tem impacto nos resultados, completa. “Se concluído no primeiro ano do projeto (em vez de seguir um cronograma de restauração de três anos), o VPL do projeto seria 20% maior”, compara. No entanto, “acelerar o ritmo de restauração ou visar áreas específicas podem não ser viáveis se os proprietários das áreas não estiverem dispostos a restaurar”.
Uma possibilidade de chegar às áreas pretendidas, expõem, é aumentar o valor pago em forma de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), um dos mecanismos de incentivo financeiro aos proprietários rurais interessados em adequar suas propriedades à legislação ambiental, o que significa restaurar Áreas de Preservação Permanente (APPs) e Reservas Legais (RLs).
“Hoje, o Programa Reflorestar paga entre R$ 267 e R$ 281 por hectare por ano em forma de PSA. No entanto, a partir de entrevistas locais, estimou-se que um proprietário de terras poderia ter uma renda equivalente a R$ 420 por hectare por ano se mantivesse a atividade pecuária. O estudo mostrou que mesmo que os valores pagos pelo Programa Reflorestar fossem aumentados para refletir o custo de oportunidade da pecuária, o investimento em infraestrutura natural se manteria viável e economicamente promissor”, explica o relatório.
Chuvas e secas extremas
O estudo elencou ainda os problemas de seca e enchentes vividas pela população da região metropolitana desde 2014. “Durante quatro anos consecutivos – entre 2014 e 2017 – a média anual de chuvas foi inferior a 65% da média histórica e, em 2015, o pior ano da crise, choveu apenas 730 milímetros quando o esperado era de 1.500 milímetros”.
Entre 2018 e 2020, por sua vez, “a precipitação anual oscilou entre 5% e 10% acima da média, mas ainda assim insuficiente para recuperar os déficits dos anos anteriores. Além disso, as chuvas foram muito mal distribuídas, com 679 dias sem chuva e 48 dias de chuvas fortes (acima de 30 milímetros)”.
Os dados pesquisados no estudo mostram ainda que, “entre 2003 e 2018, o Espírito Santo registrou 154 eventos de desastres naturais, sendo 52% relacionados a secas e 45% a chuvas, em sua maioria deslizamentos de terra e enchentes. As perdas totalizaram US$ 830 milhões somente durante o período 2016-2017”.