Usuários de transporte público voltaram a se manifestar na manhã desta segunda-feira na ES-010
A Prefeitura de Aracruz (norte do Estado), sob liderança do prefeito Dr. Coutinho (Cidadania), e a empresa Expresso Aracruz Ltda avançaram um pouco mais na pauta de reivindicações sobre o transporte público que atende à orla do município, numa reunião realizada na tarde desta segunda-feira (16) com uma comissão de moradores dos bairros Praia do Sauê, Barra do Riacho e Santa Marta.
Ouvindo o pleito da população, estiveram presentes o secretário de Transportes, Almir Viana, o gerente de Trânsito e Transportes da Secretaria, Renato Costa Coutinho, o líder do governo na Câmara, vereador Jean Pedrini (Cidadania), e o diretor da empresa, Ortemio Locatelli.
Os principais encaminhamentos foram pelo envio de uma comissão da prefeitura e da empresa até a Praia do Sauê na próxima sexta-feira (20), e pelo início dos estudos para reformulação da composição do Conselho Municipal de Transporte Coletivo (Comtrat).
A reunião aconteceu em resposta à manifestação iniciada horas antes, de madrugada, na ES-010, na altura da Praia do Sauê, por moradores de diversos bairros da orla da cidade. Nos cartazes erguidos durante o protesto, sobressaíram dizeres como “Fora Expresso” e “Socorro Tribunal de Justiça”.
“A Expresso nunca atendeu a comunidade em relação à qualidade e preço das tarifas. Mas durante a pandemia a empresa reduziu a frota e agora, mesmo com o retorno das atividades de comércio e escola, ela não retomou 100% dos ônibus, piorando a situação”, relata João Victor Padilha, morador de Coqueiral de Aracruz.
Como exemplo, João descreve a rotina dos estudantes de ensino fundamental II, que saem da escola de Coqueiral por volta das 18h10 e têm que esperar até às 19h pelo ônibus. “Eles ficam por quase uma hora, já anoitecendo, desprotegidos, fora da escola”.
Os novos problemas vividos pela população, explica, se somam aos que já foram detalhadamente descritos no relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Transporte Público de Aracruz, que já foi encaminhado à atual gestão municipal e embasou a retomada do pleito da população na reunião com a Secretaria de Transporte, prefeitura e Expresso.
Promessas não cumpridas
O ato na rodovia, por sua vez, foi em protesto ao não cumprimento da promessa feita pela empresa na reunião anterior, no dia nove de agosto, na presença dos 17 vereadores e outros secretários municipais.
Lotação dos coletivos acima do permitido em lei foi uma das irregularidades apuradas pela CPI. Foto: Divulgação
“O dono da empresa tinha se comprometido a retornar, até o dia 15 [domingo] com os cinco horários de ônibus que foram retirados da Praia do Sauê durante a pandemia, mas só nos devolveu um”, relata uma das manifestantes, Sueli dos Reis Abrantes.
A visita da próxima sexta-feira visa levantar elementos para analisar a viabilidade do retorno dos outros quatro horários extintos. Já a reformulação do Comtrat objetiva inserir representantes legítimos dos usuários do transporte coletivo. “A única vaga que seria dos usuários é ocupada pelo Conspar, e por indicação do Executivo”, explica Sueli.
Ainda aguardam encaminhamento prático, conta a moradora, o agendamento de uma reunião com o desembargador Telêmaco Antunes de Abreu Filho, que concedeu uma liminar à Expresso Aracruz, impedindo a prefeitura de rescindir o contrato de concessão.
“O Judiciário precisa derrubar essa liminar. Ele tem que ouvir o povo e cumprir a lei, e não defender empresário”, afirma. “A menos que a empresa ofereça um serviço digno para a população. Para gente, não interessa se é a empresa A ou B. Precisamos de um serviço de qualidade”.
‘A empresa vai quebrar!’
Sueli conta que a prefeitura e a empresa continuam alegando que a pauta dos moradores é impossível de ser atendida. “‘Ah, a empresa vai quebrar!’, eles falam. Mas isso não é problema do usuário. Se não tem competência, que não se estabeleça, ou que providencie as soluções”, expõe.
E nesse sentido, de encontrar soluções, as comunidades voltaram a sugerir que seja feita uma auditoria pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), para indicar como resolver o impasse. “A Universidade tem os profissionais para fazer uma radiografia do sistema de transporte de Aracruz e indicar como melhorar o serviço e reduzir o valor das tarifas. Até então, essa proposta não tinha sido levada a sério, mas parece que agora está, porque o secretário disse que há um convênio entre a Ufes e a Secretaria e que o estudo vai ser feito”, relata.
Judicializações
A retomada do debate sobre o transporte público de Aracruz nesse mês de agosto ocorreu quase um ano depois da finalização do relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Transporte Público de Aracruz, na Câmara Municipal, em outubro de 2020.
Conforme informa o Relatório Final da CPI, além da liminar que impede que a prefeitura rescinda o contrato com a Expresso, em atendimento ao agravo de instrumento interposto pela empresa, há também o Processo de Procedimento de Caducidade nº 5189, aberto pelo município de Aracruz a fim de apurar os descumprimentos contratuais por parte da empresa.
Anteriores aos dois, tramita ainda na Justiça a Ação de Execução Fundada e Título Executivo Extrajudicial, impetrada pelo MPES em maio de 2019 (Processo Nº 0003659-39.2019.8.08.0006), como forma de obrigar o integral cumprimento do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que o órgão ministerial celebrou em 2017 com a Prefeitura e a Expresso (Procedimento Administrativo nº 2017.0021.7877-96), bem como estabelecer a cobrança de multa em razão do descumprimento.
O TAC é decorrente do Inquérito Civil aberto em 2015 pelo MPES (nº 2015.0010.5026-88), cujo objeto consistiu em apurar a inadequada prestação de serviços de transporte coletivo municipal de passageiros por parte das empresas atuantes no município.
Contrato deve ser rescindido
A CPI foi aberta em maio de 2019 e, em outubro de 2020, após 34 reuniões, concluiu seu relatório final, assinado pelo relator, vereador Celson Silva Dias (Republicanos), com várias recomendações à prefeitura, além de decidir pelo encaminhamento do documento ao Juízo da Vara de Fazenda Pública de Aracruz, ao Ministério Público Estadual e ao Tribunal de Justiça, a fim de que as informações levantadas pela investigação possam auxiliar esses órgãos de justiça e fiscalização a tomarem decisões no âmbito dos processos já em tramitação, bem como ao Tribunal e ao Ministério Público de Contas, para conhecimento e providências que julgarem necessárias.
A principal conclusão a que os vereadores chegaram é que “a Expresso Aracruz Ltda não possui condições de permanecer como concessionária”, pois “o vasto conjunto probatório [reunido pela CPI] comprova, no nosso entender, sem sombra de dúvidas, que a empresa não cumpre diversas condições estabelecidas em contrato administrativo e não possui condições mínimas continuar como concessionária de serviço público em Aracruz”.
Má conservação dos coletivos também consta no relatório final da CPI. Foto: Divulgação
Resumidamente, os problemas incluem “riscos aos usuários, veículos incendiados, péssimas condições de conservação dos veículos, inúmeros relatos de quebra de veículos e recorrente superlotação e quantitativo de veículos reduzidos. São situações quase que unânimes relatadas por usuários, servidores públicos responsáveis pela fiscalização e até mesmo pelo diretor responsável da empresa na presença desta CPI”.
O relator ressalta ainda que a empresa só tem continuado prosseguir com a prestação do serviço “em razão da decisão de antecipação de tutela no Agravo de Instrumento nº 5000702-61.2020.8.08.0000”, e que há falhas explícitas na fiscalização que o município deveria fazer sobre o contrato de concessão.
Prefeitura omissa
Assim, entre as recomendações ao executivo municipal, na época sob condução do prefeito Jones Cavaglieri (SD), estão: rescisão do contrato de concessão com a Expresso Aracruz; adequação/aditamento do contrato para que passe a obedecer à legislação (Lei municipal nº 3.741/2013) que dispõe como número máximo de passageiros em pé o equivalente a 30% dos assentos; realização de estudos com projetos efetivos e realizáveis que tornem o preço das tarifas pagas pela população mais condizente com sua realidade financeira e com a baixa qualidade dos serviços prestados; e efetiva fiscalização da empresa Cordial Transporte e Turismo LTDA, ou qualquer outra que preste/prestar serviços da mesma natureza, para que seja compelida a cumprir toda as cláusulas contratuais e forneça serviço com padrão de qualidade mais elevado do que o de atualmente.
‘Fiscal de si mesmo’
Sobre a omissão municipal, chama atenção o fato de que um mesmo servidor acumulava, à época das investigações da CPI, as funções de gerente de Trânsito e Transportes na Secretaria Municipal de Transporte e de Fiscal dos Contratos de Concessão com a Expresso Aracruz Ltda e a Cordial Transportes e Turismo Ltda.
“A dedução lógica é bem simples: o servidor mencionado é responsável por executar algumas ações previstas no contrato de concessão enquanto Gerente de Trânsito e Transportes, mas também é responsável por fiscalizar a execução do contrato, inclusive nas ações que eventualmente ele mesmo tenha praticado, ou seja, é como se ele fosse fiscal dele mesmo”, acentua o relatório da CPI.
Segundos manifestantes dessa segunda-feira, a situação de acúmulo de funções continua.