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O ciclo de silenciamento e violência contra mulheres do campo

Distância dos locais de denúncia é um dos agravantes para as vítimas no Espírito Santo

Idaf

Em 2021, quatro mulheres foram assassinadas na zona rural do Espírito Santo. Os dados, contabilizados pela Comissão Temática de Acompanhamento e Monitoramento da Violência Contra as Mulheres, a partir de notícias veiculadas na mídia, revelam um contexto de apagamento. Distantes dos centros urbanos, as vítimas são obrigadas a conviver com a violência de gênero de forma ainda mais latente, passando por um ciclo de silenciamento e invisibilização.

Os casos foram nas zonas rurais de Colatina, noroeste do Estado, Mimoso do Sul e Muqui, no sul, e Santa Teresa, na região serrana. Edna Martins, coordenadora da comissão temática no Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Mulher do Espírito Santo (Cedimes), afirma que, quando se trata da zona rural, a violência contra a mulher se torna ainda menos vista e enfrentada pelas instituições públicas.

“Primeiro, porque as expressões e concepções de valores morais ainda são bastante conservadoras e, no geral, ainda impera a perspectiva de que esse é um problema privado, isto é, ainda funciona bastante a concepção de que em briga de marido e mulher ninguém deve meter a colher. O machismo se expressa de forma mais dura e presente”, explica.

A hierarquia patriarcal também promove a falta de reconhecimento da mulher que produz e vive no campo como sujeito, afirma Edna. “Além de todo processo patriarcal que incide sobre as mulheres de um modo geral, as do campo, por não terem acesso às políticas públicas e não serem reconhecidas como sujeitos desse território, ainda têm uma autoestima mais baixa”, afirma Edna.

Os modos de moradia e ocupação do território também se tornam um empecilho para que mulheres da zona rural tenham acesso a mais informações e possam solicitar apoio no enfrentamento à violência. “As propriedades rurais e as condições territoriais impedem uma maior comunicação e sociabilidade entre as pessoas do campo e muito mais entre as mulheres. Além disso, elas vivenciam a constante violência institucional por falta de acesso aos serviços”, analisa.

Edna prossegue: “Nós temos muitas localidades no Estado em que as mulheres não têm acesso a transporte. Ou elas pagam um carro para trazer na cidade, ou arrumam um mototáxi, ou caminham quilômetros para chegar na cidade”, destaca.

De acordo com a gerente de Políticas Públicas para Mulheres da Secretaria Estadual de Direitos Humanos (SEDH), Bernadete Baltazar, em 2019, 3,7% dos boletins de ocorrência de violência contra a mulher no Espírito Santo se tratavam de casos na zona rural. Em 2020, o índice passou para 4,2%. Ela alerta, no entanto, para a subnotificação dos dados.

“Na maioria das vezes, existe uma imprecisão na hora do registro. Nem sempre a localidade é registrada como zona rural. É preciso qualificar esses dados, para que se faça um diagnóstico melhor”, ressalta.

Políticas Públicas

No Espírito Santo, desde 2014, foi fundado o Fórum Estadual Permanente de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres do Campo. O órgão foi criado com o objetivo de traçar estratégias de enfrentamento à violência sofrida por mulheres da zona rural e está inserido na Secretaria de Estado de Direitos Humanos (SEDH).

O fórum teve início após o Estado ser contemplado com duas Unidades Móveis Rurais de Atendimento às Mulheres, ônibus equipados com salas de atendimento, conhecidos como ônibus lilás. Em razão da pandemia do coronavírus, o serviço, porém, está paralisado, mas a expectativa é de que volte a funcionar em setembro. “O objetivo era ir às localidades mais distantes e oferecer atendimento psicossocial e jurídico, além de poder monitorar e fiscalizar essas ações”, enfatiza Bernadete.

No último dia 13, a Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados realizou um debate sobre o combate à violência contra a mulher no campo. O encontro contou com a participação da coordenadora da Marcha das Margaridas, Mazé Morais; da representante da Marcha Mundial das Mulheres, Sônia Coelho; e da representante da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Carmen Foro.

Mazé Morais ressaltou a falta de autonomia financeira das mulheres do campo, fator que aumenta a dependência do agressor. “As políticas e programas que apoiavam as mulheres rurais e geravam economia foram sucateadas ou extintas, resultado ainda mais evidente com a pandemia da Covid-19, uma situação ainda de maior vulnerabilidade econômica para nossas mulheres e deixando nossas companheiras mais expostas à violência doméstica”, alertou.

Para além da cidade

Fora dos centros urbanos capixabas, a violência alcança diferentes grupos. Edna Martins aponta que, muitas vezes, esta é a realidade de agricultoras, pescadoras, mulheres indígenas, ribeirinhas e quilombolas.

“Algumas, inclusive, têm um processo de violência muito mais profundo, como por exemplo as mulheres indígenas, negras e quilombolas do campo, porque aí o racismo estrutural também incide sobre esse processo de violência”, ressalta.

Ela reitera que essa é uma realidade invisível até para muitos movimentos sociais do campo que não abordam a questão. “Muitos deles acham que na unidade familiar não tem conflito, não tem um processo de opressão, e aí acabam entrando na perspectiva de olhar a família como um todo, mas na família também existe uma realidade de opressão, de desigualdade, de dominação e de muita violência”, denuncia.

Para Edna, a mudança dessa realidade passa pelo investimento em medidas na esfera federal, estadual e municipal. De acordo com ela, a política nacional de enfrentamento à violência contra a mulher do campo deu alguns passos a partir de 2007, mas, no momento, está totalmente desestruturada.

No Espírito Santo, movimentos voltados para o combate a esse tipo de violência tentam promover diálogos intersetoriais para qualificar os dados dos casos na zona rural, incluindo órgãos como a Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp) e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

“Uma das maiores dificuldades é a nossa gestão pública admitir que também existe violência contra a mulher do campo e investir em políticas públicas que possam mudar essa realidade”, conclui.

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