Delegação de Aracruz conta com mais de 100 pessoas nos protestos contra a ofensiva anti-indígena de Bolsonaro
A marcha saiu em direção ao STF às 16h. Segundo a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), 173 povos participaram do ato. A carta pede que a Corte proteja os direitos constitucionais dos povos indígenas, considerando o momento de ameaça diante de uma decisão que pode mudar o futuro do direito à terra para os povos originários.
“Esse é o maior Acampamento Terra Livre desde quando começou [….] Foram feitas 1.300 placas com o nome de todas as terras indígenas demarcadas, as que estão em processo de demarcação, as que foram recusadas e as que nem processo existe ainda. Isso é para manifestar a nossa angústia contra esse governo, pela falta de demarcações de terras no Brasil”, declara o coordenador geral da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), Paulo Tupinikim.
Presente no acampamento e na marcha, a liderança indígena capixaba disse estar emocionado por participar da mobilização com povos de várias partes do Brasil. “Acredito que somente com essa força iremos vencer e superar todos esses retrocessos de nossos direitos”, declarou.
Também na marcha, Renato Tupinikim, da aldeia Caieiras Velha, enfatizou a importância do momento que eles estão vivendo. “Preço nenhum paga ver milhares de parentes, de povos diferentes, suas culturas diferentes, num momento de encontro nacional, de luta, de defesa aos nossos direitos […] É muito maravilhoso esse momento todo aqui em Brasília”, relatou.
Nesta quarta-feira (25), os indígenas farão o acompanhamento do julgamento do Marco Temporal na Praça dos Três Poderes, que é uma das principais pautas do acampamento realizado em Brasília. A Corte irá analisar a ação de reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng, referente à Terra Indígena (TI) Ibirama-Laklãnõ.
O resultado do julgamento pode definir o rumo da demarcação de terras em todo o Brasil, servindo de parâmetro para outras decisões, incluindo as terras indígenas de Aracruz, no norte do Espírito Santo, retomadas em parte da atual Suzano (ex-Aracruz Celulose e ex-Fibria), após décadas de luta dos Tupinikim e Guarani.
Isso porque, com a tese do Marco Temporal, os povos indígenas só teriam direito às terras que já estavam sob sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. No Espírito Santo, a decisão do STF pode afetar terras demarcadas em 1998, 2002 e 2008.
O retrocesso seria mais um ataque ao povo indígena do Estado, que, cercado por empreendimentos, resiste em meio a projetos que impactam suas terras. “Hoje, o nosso maior problema é com a Vale e Samarco e BHP, devido ao rompimento da barragem de Fundão em Mariana, que impactou o nosso rio Piraquê-Açu e as nossas praias”, ressalta Paulo Tupinikim.
Posicionamentos e articulações
O acampamento vai até o próximo sábado (28) e a ideia é promover uma articulação internacional denunciando projetos que afetam a sobrevivência de povos indígenas no Brasil. Na manhã desta terça, representantes da Apib se encontraram com a embaixadora da França no Brasil, Brigitte Collet, para alertar sobre o contexto de ameaça dos povos indígenas no governo Bolsonaro. Nessa segunda (23), as entidades também já tinham se dirigido à Embaixada da Noruega.
Também na segunda, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), organismo da Organização dos Estados Americanos (OEA), e representantes da Organização das Nações Unidas (ONU) se posicionaram contra o Marco Temporal. Francisco Cali Tzay, relator especial da ONU sobre os direitos dos povos indígenas, apelou ao STF que rejeite a tese.
“A aceitação desse argumento resultaria em negação significativa de justiça para muitos povos indígenas que buscam o reconhecimento de seus direitos tradicionais à terra e, de acordo com a Constituição, os povos indígenas têm direito à posse permanente das terras que tradicionalmente ocupam”, disse
Para o relator, a aprovação do Marco Temporal poderia legitimar a violência contra os povos indígenas e aumentar conflitos na floresta amazônica. “A decisão do tribunal não apenas determinará o futuro dessas questões no Brasil nos próximos anos, mas também sinalizará se o país pretende cumprir suas obrigações internacionais de direitos humanos e se respeitará as comunidades indígenas que não foram autorizadas a participar em processos judiciais que revogaram seus direitos à terra”, apontou.