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As mulheres precisam ter mais espaço no Judiciário, defende Fórum

Em meio ao processo de eleição no TJES, Fórum de Mulheres reflete sobre baixa histórica da presença feminina

Leonardo Sá

A presença feminina, mantida historicamente acanhada no Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), é tema de reflexão do Fórum de Mulheres do Espírito Santo (Fomes), em função da abertura do processo de preenchimento de três vagas no PlenoAtualmente, das 25 vagas ocupadas, apenas três são de mulheres, número que não registrou grandes variações ao longo do tempo, reforçando o patriarcado predominante na sociedade capixaba e brasileira.

“´É urgente refletir acerca do conservadorismo presente nas instituições do Poder Judiciário. Conservadorismo embasado no patriarcado, que é uma estrutura de poder em que as mulheres têm papel de submissão em relação ao homem. Muitas vezes, o patriarcado é refletido dentro dessas instituições através de sentenças judiciais, no modo de se relacionar, nas decisões administrativas e na compreensão das leis”, avalia Andressa Souza, representante do Fomes na Câmara Técnica do Pacto Estadual pelo Enfrentamento à Violência contra as Mulheres.


A baixa representatividade feminina no Judiciário, salienta, é uma questão recorrente dentro do Fórum. Recentemente, conta, durante a campanha do Levante Feminista contra o Feminicídio, a entidade realizou uma ação em frente ao TJES, entregando uma carta com propostas para reduzir essa desigualdade de gênero.
“Em todos os lugares que a gente ocupa, questiona alguns aspectos do Judiciário, sobretudo as varas híbridas, que a lei exige e que não existem no Espírito Santo”, destaca, referindo-se a “varas com competência híbrida para resolver questões cíveis e criminais, permitindo que, no mesmo processo que tramita ação acerca da violência doméstica, poderia haver decisão sobre divórcio, guarda e outros temas cíveis”, explica.
“O Judiciário é um lugar de muita opressão e hierarquização, muito rígido. É uma instituição que representa o patriarcado da sociedade e onde as mulheres estão frequentemente em situação de opressão, com a maioria dos chefes homens e uma mentalidade muito machista”, observa a também militante do Fomes Rossana Amorim Pontes, assistente social do TJES atualmente afastada para aposentadoria.
A entrada de um contingente de assistentes sociais em 2010/2011 “quebrou um pouco esse paradigma, trouxe um frescor, mas a gente não pode romantizar essas relações”, pontua. 

“Enquanto profissionais dessa instituição, operamos na realização de direitos dos cidadãos que nos procuram, buscando uma aproximação da população, uma justiça social nessas relações com a instituição, uma relação mais horizontal. Mas ao mesmo tempo, sabemos o lugar que eles nos colocam. E isso tem um custo para gente enquanto trabalhadora. São relações bastante opressoras, que no dia a dia acabam por impactar a saúde mental”, descreve, justificando assim o motivo de seu afastamento do tribunal, quando já havia tempo de trabalho suficiente para a aposentadoria.

“Importante ter mais mulheres nesse espaço”, afirma, em coro com a colega de militância.

Também assistente social, Andressa tem no Judiciário um de seus temas de pesquisa cotidianos e verificou, nas últimas décadas, “um discreto aumento da inserção da figura feminina na cúpula do Poder Judiciário, assumindo cargos de magistradas e desembargadoras e ocupando funções de chefia, que tradicionalmente eram consideradas masculinas e ocupadas, historicamente, por homens, em sua maioria, brancos e heteronormativos”, relata, salientando que foi somente “a partir da década de 1960, que as mulheres passaram a adentrar no ensino e universo jurídico, pois antes era restrito aos homens”.

114 anos de jejum feminino
Segundo o TJES, foi somente em 2005 que uma mulher assumiu pela primeira vez uma vaga de desembargadora, ou seja, a quebra do monopólio masculino no tribunal ocorreu somente após transcorridos 114 anos da criação da instituição, em 1891.
Juíza durante 22 anos, Catharina Maria Novaes Barcellos aposentou-se desembargadora em 2015, falecendo em 2019. Após a pioneira Catharina, a Corte teve seu momento mais feminino em 2015, com quatro mulheres, todas oriundas do magistrado: Eliana Junqueira Munhos Ferreira, em 2012, Janete Vargas Simões, em 2014, e Elisabeth Lordes, em 2015. As três continuam no cargo até hoje.
Em relação à magistratura, a primeira juíza de Direito do Espírito Santo, Victoria Consuelo Carreira de Lima, tomou posse em 1983, aposentando-se quatro anos depois. Hoje, dos 292 magistrados no Estado, 107 são mulheres e seis delas concorrem à vaga aberta do Pleno dedicada à categoria. Já a vaga destinada ao Ministério Público Estadual (MPES) tem oito nomes homologados, quatro deles femininos. A terceira vaga é dedicada à advocacia.

No caso das candidatas juízas, o TJES ainda não divulgou a lista oficial. Já as pretendentes à vaga do Ministério Público Estadual são as promotoras Sueli Lima e Silva, Adriana Dias Paes Ristoria Cotta, Maria Clara Mendonça Perim e Vera Lucia Murta Miranda.

Para além da toga feminina

O crescimento numérico na Corte, além de tímido, não é suficiente para derrubar o patriarcado, ressalta Andressa. “De nada adianta termos mulheres vestindo togas, se estas mesmas mulheres vivenciam diariamente em seu cotidiano profissional os reflexos de uma visão masculinizada, desde as cadeiras universitárias até o mais alto escalão”, expõe.

A opressão gerada por esse desequilíbrio, lembra a pesquisadora e militante, ultrapassa a vida das profissionais de Justiça, que seguem excluídas desse espaço de poder, e afeta a população de forma geral, especialmente as pessoas que procuram a Justiça em busca de direitos ofendidos.

Como exemplo grosseiro e infelizmente muito comum, estão “situações onde as mulheres, em audiência, são questionadas pelos magistrados sobre seus trajes no dia que ocorreu um suposto abuso sexual” ou “de maneira inversa, quando uma juíza que preside a audiência é ignorada pela parte ou pelo advogado pelo fato dela ser uma mulher”.
Por tais razões, enfatiza, “não basta que as mulheres ocupem o alto escalão, é necessário que sejam vozes ativas na luta pelos direitos humanos e justiça social dentro desse sistema machista, elitista, racista e heteronormativo”.

Luta social como alicerce
Nesse sentido, concorda Rossana, foi fundamental em sua trajetória e continua sendo para todos que estão na ativa no Judiciário, bem como para a sociedade, a criação do Fórum de Assistentes Sociais e Psicólogos dentro TJES. Aliada à militância no Fomes, foram alicerces que a mantiveram de pé durante o período de trabalho no Judiciário. “O Fórum defende a justiça social e saúde mental de nós, trabalhadores”, sublinha. “A gente busca nos movimentos sociais o fortalecimento como mulher e como mulher negra dentro dessa instituição”, afirma.
A luta social, exulta Rossana, traz, em si mesma, vitórias e conquistas para os seres que lutam, muito antes do alcance dos objetivos finais pretendidos. “Quando você está dentro de uma instituição muito hierarquizada e patriarcal, e tem uma dimensão do que é aquilo, acaba por subjetivar para você essa opressão, se você não socializa isso, pode adoecer e esmorecer”, alerta. “O Fórum de Mulheres e o Fórum de Assistentes Sociais e Psicólogas me mostrou que a gente não consegue nada sozinha. Nos piores momentos, na resistência, é no coletivo que a gente encontra forças. E no coletivo feminista, isso é ainda mais bacana, porque é outra maneira da gente se ver e se colocar no mundo”.

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