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A Sexta Região de Vila Velha?

Na zona rural do município, faltam políticas públicas e o avanço urbano e industrial pode representar transformações significativas

Ainda é estrada de chão que pegamos enquanto a ES-388 começa as obras para ser asfaltada, demanda antiga de moradores da região. Além do piso de terra, as casas vão ficando mais distantes uma das outras, os quintais são verdes e animais fazem parte da paisagem. A placa enlameada de ônibus indica que ali passa o Transcol, mas outra placa sinaliza para onde vamos: Bar Caminho da Roça. Outras placas aguçam a curiosidade por meio de uma estratégia de marketing, com as palavras “Rico Caipira”. Saímos da Grande Terra Vermelha rumo à Zona Rural de Vila Velha. 

Vitor Taveira

Segundo o último Censo, de 2010, o município tem cerca de 415 mil habitantes, o que o fazia o mais populoso do Espírito Santo. A estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para 2021 aponta mais de 500 mil moradores. Apenas 0,5% das pessoas moram, porém, na zona rural, que corresponde a 53% da área total de Vila Velha, de acordo com a prefeitura. Fazem parte desta área comunidades como Xuri, Jaguaruçu, Tanque, Atlântico II, Mata da Barra, Córrego do Sete, Camboapina, Jabaeté e Retiro do Congo. A divisão do município inclui cinco regiões administrativas, aglutinando os diversos bairros adensados, além da zona rural.

“Estamos próximos da Região 5, da Grande Terra Vermelha, que é muito vulnerável socialmente e precisa de recursos. Mas isso não justifica que nunca haja recursos para a zona rural, que é esquecida, tratada com desdém”, reclama Antônio Rocha, o Toninho do Xuri, uma das lideranças das comunidades na região do município, sobre uma questão que atravessa as diversas gestões municipais em Vila Velha. “Você sabe que o negócio de político é voto…”, questiona sobre a pouca atenção a uma parte significativa do território que abriga uma população pequena.

Anos atrás, um movimento chegou a ser criado reivindicando que a parte rural fosse considerada como a Região 6, na esperança de que isso pudesse ajudar a colocar mais atenção, mas o processo não foi adiante. “É preciso pensar nas necessidades do rural, um projeto para o rural. Eles acabam sempre vindo com pacotes de projetos pensados para o urbano e jogam para a zona rural. Mas a realidade aqui é outra”, analisa Toninho.

Toninho do Xuri, uma das lideranças comunitárias, e sua horta. Foto: Vitor Taveira

No caso de sua região, um decreto de 1986 do então prefeito Vasco Alves determinou que a área do então fracassado Loteamento Parque das Quintas da Vale Branca fosse desapropriada para formar o Xuri, cujo nome indígena se refere às siriemas, aves muito comuns no local, sendo que uma inclusive passa despreocupada pelo quintal de Toninho enquanto conversamos. Mas hoje, quando pronunciado o nome da região, muitos lembram de imediato do complexo penitenciário existente nas proximidades e não pela zona rural em si, onde os projetos de agroturismo ainda não são muito conhecidos.

“Passar férias no Xuri é uma expressão mais lembrada por seu caráter metafórico usado pelo apresentador de TV e deputado federal Amaro Neto [Republicanos] para se referir aos que são enviado para lá para cumprir pena, lembra o morador local, cuja pequena chácara está a quatro quilômetros do centro do presídio, que fica às margens da BR-101.

O decreto de Vasquinho, como era conhecido o ex-prefeito, afirmava também a intenção de criar um plano agrícola e uma escola de aprendizado agrícola para os moradores da zona rural, o que nunca saiu totalmente do papel. A escola existente, a Unidade Municipal de Ensino Fundamental (Umef) Reverendo Waldomiro Martins Ferreira, funciona em período integral e também desenvolve atividades como uma horta escolar. Mas Toninho, que é graduado em Educação do Campo pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), defende que seja adotada esta metodologia de ensino na escola, focada nas particularidades da zona rural. “Hoje é uma escola no campo. Mas ainda não é uma Escola do Campo”.

Ele também reivindica a Educação de Jovens e Adultos (EJA), para a qual enxerga a necessidade de garantir-se o transporte escolar para os estudantes das diversas comunidades do entorno, dispersas entre si, que cursariam as aulas no período noturno.

Além desta questão escolar, o transporte público é outro tema importante, já que embora atendida pelos sistema municipal e metropolitano, são poucos os ônibus e com horários, sobretudo à noite, reduzindo especialmente as condições de lazer para os jovens, que são cada vez menos na zona rural, onde o morador também reclama de falta de políticas para agricultura e manutenção da população no campo.

A escola em período integral que atende a zona rural de Vila Velha. Foto: Facebook

Uma proposta protocolada por Toninho na prefeitura pede que a área atrás da escola, que hoje possui um campo de futebol, possa ser reformada para abrigar quadras de vôlei e futebol de praia, pista de atletismo, campo de bocha e área de convivência, algo que falta para fortalecer as relações e encontros entre os moradores e as opções de lazer.

Ao lado da escola está a sede da Associação de Moradores e Agricultores do Xuri, onde uma vez por semana há atendimento médico, já que a unidade de saúde mais próxima fica há 20 minutos de carro dali, em Terra Vermelha.

Toninho do Xuri também aponta a necessidade de obras para melhoria da casa que abriga a associação, o que aponta que por lei poderia ser feito pela prefeitura, reforçando o fato do local ser utilizado para atendimento público de saúde. Membro do Conselho Municipal de Saúde, o líder comunitário aponta que há alguns avanços por vir, como a promessa de que o médico passe a ser acompanhado por uma enfermeira, que também traria os remédios necessários para serem distribuídos à população local.

A situação da zona rural de Vila Velha não parece ser muito diferente da de outros grandes municípios como Serra e Cariacica, onde além da pouca atenção do poder público, há forte pressão da indústria e do mercado imobiliário para ocupar e transformar esses espaços, que além de preservarem um modo de vida e cultura específicos, também servem para aliviar os impactos ambientais causados pelo grande adensamento urbano no resto dos municípios.

Toninho se preocupa com a possibilidade de chegada de indústrias que gerem resíduos que possam afetar a região. “Todo mundo aqui usa água do subsolo, se contaminar essa água, isso aqui vai virar um deserto, pois não vai demorar até trazerem água lá debaixo”, comenta. Ele pede também análises mais constantes sobre a contaminação por coliformes fecais, que já vem acontecendo, porém dentro dos limites ainda aceitos.

O periurbano, com suas características próprias, de rural próximo ao urbano, ainda precisa ser olhado com mais atenção pelos governantes, acredita Toninho do Xuri.

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