Pesquisa com Centros de Referência em Assistência Social busca subsidiar políticas públicas de combate à fome
Andar pelas ruas de Vitória é ter a percepção de que na frente dos supermercados, nos semáforos e outros lugares aumentou o número de pessoas pedindo ajuda para matar a fome. Essa realidade, tão visível aos olhos, está sendo evidenciada também por meio da pesquisa Segurança Alimentar e Nutricional: um Diagnóstico Situacional em Meio à Pandemia de Coronavírus na Cidade de Vitória/ES. O estudo mostra que a maioria dos usuários dos Centros de Referência em Assistência Social (Cras) de Vitória entrevistados até o momento estão em situação de insegurança alimentar.
Ao todo, foram entrevistadas 351 famílias. Dessas, 11,6% estão em segurança alimentar; 29,8% em insegurança alimentar leve; 27,5% moderada; e 31% grave, totalizando 88% em situação de insegurança alimentar. Até o momento, os pesquisadores entrevistaram moradores dos bairros Santo Antônio, Goiabeiras, Santa Marta, Itararé, Romão, Maria Ortiz e Forte São João.
Alessandra explica que a insegurança alimentar pode se manifestar de diversas formas. Algumas delas são o medo que a pessoa tem de vir a passar fome, a fome já concretizada, a ausência de alimento em qualidade e quantidade suficientes, e ter como opção somente a aquisição de alimentos que não fazem parte da cultura de quem está consumindo. “Não se trata somente de ter ou não ter comida. Quando a pessoa está com preocupação de que a comida acabe e ela fique sem, está em risco iminente de passar fome”, afirma.
Tipos de alimentos consumidos
A pesquisa também mostra que frutas, massas, carnes e hortaliças não têm feito parte do cardápio das famílias, com índices de consumo não habitual de, respectivamente, 61%, 60%, 60% e 62,29%.
Mulher é a primeira a passar fome
Alessandra ponta que é perceptível que, em casos de insegurança alimentar, a mulher é a primeira a passar fome. “A primeira a ficar sem comer é a mulher. Depois, os outros adultos, os maiores de 18 anos, posteriormente, as crianças”, diz. A pesquisadora acredita que isso se deve ao fato de que a mulher se sente responsável pelo bem-estar da família. “Ela minimiza a dor quando é para ela. Tenta não atingir o outro, segurar o peso”, esclarece.
A professora relata que, durante as entrevistas, quando as mulheres narram que tiveram que reduzir a comida das crianças, mostram “uma dor imensa”. “É como se elas tivessem vendo o filho ser espancado”, diz.
Segundo Alessandra, algumas relataram estratégias de sobrevivência, como o caso de uma que afirmou ir até a Central de Abastecimento do Espírito Santo (Ceasa) nos horários em que é de costume ser feito o descarte dos alimentos que não podem ser vendidos, para levá-los para casa e, assim, ter comida em casa durante a semana inteira.
Caminhos
Alessandra também destaca a importância do incentivo à agricultura familiar. “Restaurante popular seria uma via, mas precisamos também valorizar a agricultura familiar. Vivemos em um estado rico em recursos naturais. Vitória não tem áreas rurais, mas em localidades próximas, como Serra, Cariacica, Viana e na região serrana, tem agricultores familiares, que precisam ter seus trabalhos fortalecidos para garantir à população alimentos a preços acessíveis. Os trabalhadores rurais querem trabalhar e tem gente querendo comprar seu próprio alimento”, defende.
A professora lamenta que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tenha vetado integralmente o Projeto de Lei (PL) nº 823/2021, nessa sexta-feira (17). A proposta garantiria socorro financeiro aos agricultores familiares afetados pela pandemia da Covid-19. A atitude foi considerada uma demonstração da falta de interesse do presidente “em apoiar o combate à fome em um país onde cerca de 116 milhões de pessoas estão em situação de vulnerabilidade social nos mais diversos níveis”, conforme criticou o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Iúna e Irupi, Jasseir Alves Fernandes.
Alessandra destaca outras ações do governo Bolsonaro que estão na contramão do combate à fome, como a extinção do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Ela salienta que hoje o Brasil voltou ao mapa da fome, de onde tinha saído, de acordo com a professora, devido a ações como o Programa Fome Zero, implantado durante o primeiro mandato do então presidente Lula (PT). “A fome não havia sido totalmente eliminada, apenas um percentual pequeno da população convivia com ela, mas grande parte da população já não passava mais fome”, ressalta.
Solidariedade
A Cozinha Solidária de Itararé fica na Paróquia Santa Teresa de Calcutá. Em Padre Gabriel e Oriente, a distribuição é aos domingos. “O surgimento das cozinhas solidárias em Cariacica é uma iniciativa para combater a fome que assola nosso povo e para discussão sobre a crise pela qual o país passa e a alta nos preços dos alimentos e do gás de cozinha, que atinge principalmente a população mais pobre e periférica”, afirma o professor Antônio Barbosa, um dos envolvidos na coordenação da iniciativa.
Ele explica que os bairros escolhidos para receberem implementação da cozinha, além de serem periféricos, possuem comunidades com histórico de lutas e contam com lideranças que já atuam em projetos de solidariedade. “Sabemos que nosso município tem muitas regiões que necessitam desse trabalho. Dentro das possibilidades, iremos expandir para outras comunidades”, considera.