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De homens e livros

O idioma é desigual, não criou uma palavra que englobe os dois – ou três ou quatro – gêneros

Monteiro Lobato disse: Uma nação precisa de homens e livros. Meia verdade, e pecou por excluir as mulheres. Para existir, um livro exige a ação física e intelectual de muitas pessoas, tal como uma nação. Mas não só de homens se compõe a raça humana. A natureza é desigual – nascem mais homens que mulheres. O idioma é desigual, não criou uma palavra que englobe os dois – ou três ou quatro – gêneros. Dizendo homem achou que dizia tudo.

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Para compensar a natural desigualdade numérica, as mulheres vivem mais, sendo, portanto, a maioria. E escrevem tão bem quanto. Lobato fez coisas piores na vida, como defender a esterilização de negros para que a “raça” desaparecesse. Não vamos hoje destruir uma grande obra porque o autor ou autora era machista, racista, escravagista, provavelmente escravocrata, mas tem que definir os valores – boa obra não quer dizer boa pessoa. Como se sabe, até os negros livres mantinham escravos.

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Shakespeare, tão reverenciado pela mídia americana, não gostava de mulheres, sempre nos culpando por todas as mazelas do mundo: Fraqueza, teu nome é mulher! O barbo também não gostava de judeus, embora nunca tenha se deparado com um deles para julgá-los: os judeus foram banidos da Inglaterra por dois séculos! Outra raça perseguida no mundo, os ciganos, foram explorados em inúmeras obras literárias. Ganharam cachê? Quem se lembra da Esmeralda, a cigana do Corcunda de Notre Dame? Sendo bonita e independente, foi condenada à morte, acusada de ser feiticeira. Gustave Flaubert e Connan Doyle foram outros famosos machistas.

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O título do livro mais famoso de Agatha Christie, O caso dos dez negrinhos, está sendo reavaliado. Em inglês,Ten little nigers, inspirado em uma cantiga de rodas, é inaceitável. O livro já vendeu mais de 100 milhões de cópias mundo afora, e continua sendo reeditado, mas com nova roupagem. Na França mudaram o título para “Eram dez”, e nos Estados Unidos, “E não sobrou nenhum”. No país onde matar pessoas de cor é uma constante, deve-se ter mais cuidado com o título dos livros.

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Mark Twain tem sido acusado de racismo por usar a expressão ‘niger’ em um de seus livros. Mas a seu favor, temos uma de suas frases mais famosas: “Viajar é fatal para o preconceito, intolerância, e mente estreita…” Para ele, uma visão ampla, saudável e caridosa sobre pessoas e coisas, não pode ser adquirida por quem passa a vida vegetando no seu cantinho do mundo.

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Algumas expressões estão tão arraigadas no vocabulário que nem percebemos serem racistas ou ofensivas: Preto de alma branca; Isso é serviço de preto (quando é mal feito); A coisa ficou preta; Cabelo ruim… Esticar e alisar o cabelo sempre esteve na moda. Pois é, cabelo ruim é o que cai, então deixou de ser cabelo. Tem ainda o preconceito contra o idoso – Já era, não sabe das coisas, tá caducando e/ou desatualizado/a. Millôr Fernandes: Em ciência, leia sempre os livros mais novos. Em literatura, os mais velhos.

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