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‘Morde e assopra’: Suzano apoia plano de restauração, mas avança sobre vegetação

Moradores pararam trator da empresa para proteger área em regeneração no limite com o Parque de Itaúnas

Frederico Pereira

Um mal-estar permanece, desde a manhã desse domingo (26), na microbacia do Córrego da Velha Antonia, no limite com o Parque Estadual e a vila de Itaúnas, em Conceição da Barra, norte do Espírito Santo.

O motivo é a incoerência – e desrespeito, na opinião de moradores da região – expressada pela Suzano Papel e Celulose, ao avançar com um trator sobre uma área em processo de regeneração ambiental há cerca de uma década, apesar de ter assinado apoio formal ao Plano de Restauração Florestal das Bacias dos Rios Itaúnas e São Mateus, voltado a todo o extremo norte e o noroeste capixaba, região com menor cobertura florestal e maior déficit hídrico do Estado.


O barulho do trator foi percebido no início da manhã e mobilizou moradores que se uniram numa barricada para parar a máquina e, ao telefone, pedir ao setor de Meio Ambiente da empresa a interrupção da operação. Vegetação à salvo, partiu-se para obter garantias de que novas ações como essa não voltem a acontecer e para compreender os impactos políticos do ocorrido, no âmbito das entidades envolvidas na iniciativa de restauração florestal em curso.


O Plano de Restauração vem sendo gestado desde 2019 entre duas ONGs ambientais – uma local e outra internacional: a Sociedade Amigos por Itaúnas (Sapi) e a WRI Brasil – e é um desdobramento dos Planos de Recursos Hídricos dos Comitês das Bacias Hidrográficas (CBHs) das duas bacias, elaborados pelo governo do Estado e publicados em 2019.

Concluído no ano passado, o Planejamento de Restauração Florestal tem as assinaturas, como autores, das Câmaras Técnicas de Restauração Florestal dos CBHs do Itaúnas e São Mateus, criadas há cerca de um ano, além da WRI Brasil e do Instituto Internacional para Sustentabilidade (IIS). As ONGs, por sua vez, carregam o carimbo financeiro alemão, por meio do projeto Pró-Restaura – Maximizando Oportunidades Econômicas em Escala para a Restauração de Paisagens e Florestas no Brasil, com apoio da Iniciativa Internacional de Proteção ao Clima (IKI), do Ministério Federal do Meio Ambiente, Proteção da Natureza, Construção e Segurança Nuclear (BMUB) da Alemanha.
Para a implementação do Plano, aproximou-se, em 2021, outra ONG internacional, a WWF, que tem entre seus financiadores, a Suzano Papel e Celulose e a Procter & Gamble. Por meio de um acordo de cooperação técnica, WRI e WWF contrataram a Sapi para responder pela gestão-executiva do Plano de Ação gerado para guiar a execução do Plano de Restauração.
Maria Inês Loureiro/Rio Itaúnas Sempre Vivo

Recuperação hídrica

“A microbacia do Córrego da Velha Antonia é indicada como iniciativa piloto para a recuperação de microbacias do norte do Espírito Santo. É uma microbacia muito importante pra região, que hoje abastece a agricultura familiar e se incorpora na dinâmica do Parque Estadual de Itaúnas”, explica a bióloga Marcia Lederman, presidenta da Sapi. “Como Sapi, nossa bandeira é o Rio Itaúnas Sempre Vivo e todas as águas sempre vivas. E o Plano tem foco na recuperação das condições hídricas da região”, ressalta.

O envio do trator sobre a vegetação em regeneração, aponta a bióloga, foi uma “incongruência entre planejamento, acordo e ação”, mostrando que há uma contradição interna na empresa: “um setor de meio ambiente que apoia um projeto de restauração florestal e um setor de silvicultura que manda passar as máquinas em cima”.
A governança do plano de ação, salienta, se propõe a ser compartilhada, envolvendo sociedade civil, governos, entidades não governamentais, empresas, todos os atores que vivem e compartilham o território das duas bacias hidrográficas. “Eu chamo atenção para os acordos formais estabelecidos através do plano de ação. O momento agora é de todos esses atores desenharem seus acordos com respeito ao que existe no território. Já é tão difícil restaurar! Entrar e mexer em áreas que estão em regeneração florestal não é o mais apropriado”.


Vizinho à área em regeneração ameaçada pelo trator, o Coletivo Terra do Bem formou a primeira barreira humana para deter a devastação. “Esse ato significou um desrespeito com a natureza e com a comunidade local por parte da empresa e mais um ato de resistência dos nativos a esta opressão do monocultivo que tem mais de 40 anos de exploração na área”, manifestaram-se, em nota, os integrantes do Coletivo, que participou junto aos demais atores sociais do território, das oficinas de elaboração do Plano.
 

Frederico Pereira

 Agroflorestando o território

A regeneração ambiental, tanto da área do Coletivo como da área vizinha, sob posse da Suzano, foi sendo feita por meio da implementação de sistemas agroflorestais por agricultores familiares, num processo muito semelhante ao protagonizado por agricultores quilombolas em seu território tradicional do Sapê do Norte e que, na área do Coletivo e de algumas retomadas quilombolas próximas, é empreendido sob a denominação do projeto Agroflorestando o Sapê do Norte.

A área sob a mira do trator foi reintegrada judicialmente à Suzano há alguns meses, depois de ter sido retomada pela agricultura familiar local há uma década. “Ao longo desses mais de 10 anos de retomada, muita coisa mudou dentro das comunidades: mais alimento, dignidade, saúde, renda, água e qualidade em defesa dos seus direitos que foram roubados”, prossegue a nota do Coletivo.
O projeto de recuperação da microbacia do Córrego da Velha Antonia, sublinha, “prevê o desenvolvimento sustentável para os próximos 30 anos, assegurando a presente e futuras gerações seus direitos, resgatando sua ancestralidade, gerando emprego, condições e segurança para os envolvidos”.

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