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O governo que estrangula a ciência em plena pandemia

Pesquisadoras capixabas criticam cortes anunciados para o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações

Laís Santana/Ufes

No mesmo dia em que o Brasil ultrapassou a marca de 600 mil mortos pela Covid-19, nessa sexta-feira (8), pesquisadores lamentavam uma decisão anunciada no dia anterior: o corte de mais de 90% dos recursos que seriam destinados ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI). A redução, aprovada pelo Congresso Nacional, sob orientação do Ministério da Economia, preocupa pesquisadores capixabas, que temem pelo futuro da ciência no país.

“É uma notícia muito triste para o futuro da pesquisa no Brasil. As mentes brilhantes, as pessoas que poderiam estar produzindo aqui, certamente vão buscar outros países para fazer isso. Para nós, que estamos no Brasil, precisando de financiamento, é realmente desanimador. Um dia muito triste para a ciência no país, um dia de luto”, declara a epidemiologista e pesquisadora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Ethel Maciel.

A decisão foi tomada pela Comissão Mista do Orçamento do Congresso Nacional. Uma nota assinada por entidades como a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) afirma que o corte foi aprovado após um ofício enviado pelo Ministério da Economia no dia anterior. Dos R$ 690 milhões que seriam destinados ao MCTI, apenas R$ 55,2 milhões foram mantidos,

Entidades como a União Nacional dos Estudantes (UNE) estimam que os cortes afetem projetos científicos, bolsas e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). “Com essa medida, o governo Bolsonaro decretou o fim da produção de ciência no Brasil, não podemos aceitar”, diz nota da entidade.

A pesquisadora Gabriela Cupertino, engenheira Florestal e mestranda em ciências florestais pela Ufes, lembra que o corte é anunciado durante uma pandemia, que só está em desaceleração por esforços dos cientistas. “Não é só a mim, Gabriela, pesquisadora, que prejudica. Eu não faço pesquisa para mim. Eu não faço pesquisa para minha universidade. Eu faço pesquisa a fim de solucionar um problema, de tentar otimizar um processo e tudo isso gera um benefício para a população como um todo”, ressalta.

Os valores que seriam destinados ao MCTI serão realocados em outras pastas do governo. Ethel considera a situação lamentável. “Não tenho nem palavras para dizer o que isso vai representar para milhões de jovens pesquisadores que não vão poder ter uma bolsa de mestrado, doutorado, para fazer suas pesquisas. Isso vai impactar todos os programas de pós- graduação no País”, alerta.

A nota das entidades científicas encaminhadas ao presidente do Senado Rodrigo Pacheco (DEM-MG), apela para que a decisão seja revertida. “O argumento utilizado pelo Ministério da Economia afronta a comunidade científica e tecnológica: afirma que os recursos já transferidos para o MCTI não estão sendo utilizados. Cabe lembrar que esses recursos são para crédito, reembolsáveis, e não interessam à indústria. Já nos manifestamos anteriormente sobre a estratégia perversa de alocar 50% do total dos recursos do FNDCT [Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico] para crédito reembolsável, o qual, uma vez não utilizado, será recolhido ao Tesouro no final do ano. Dá-se com uma mão, para retirar com a outra. Nesse processo, agoniza a ciência nacional”, afirmam.

A quem interessa o fim da ciência?

Aluna do mestrado, Gabriela Cupertino percebe uma redução no número de bolsas ano após ano. Produzir conhecimento nesse contexto é um desafio diário, conta a pesquisadora. “A gente tem que se virar em mil e tentar arrumar parcerias, o que não é fácil (…) A gente rala muito e faz coisas muito boas com pouca verba (…) A ciência vai persistir. Vamos continuar pesquisando, tentando trazer bons resultados, mas é muito mais exaustivo”, afirma.

Mais do que a falta de verba, os cortes representam também um projeto de apagamento de qualquer senso questionador. “Temos governantes que não querem formar cidadãos críticos, porque sabem que vamos bater de frente com muitas medidas erradas. Por isso existe corte na educação, falta de incentivo à educação, porque, para eles, não é vantajoso fazer cidadãos críticos”, destaca Gabriela.

Ethel Maciel lembra que os ataques à ciência são uma marca desde o início da gestão Bolsonaro, e também uma estratégia comum em governos ditatoriais. “A forma mais eficiente de você acabar com aquilo que te incomoda, no caso a ciência, que produz evidências que combatem as fake news e a desinformação, é sufocar o financiamento”, enfatiza.

Mas ainda há resistência. Apesar dos ataques e dos golpes diários, Gabriela segue com uma esperança quase teimosa na ciência brasileira. “Nós temos muito potencial. Eu acredito muito no pesquisador brasileiro. Costumo dizer que tiramos leite de pedra. Não podemos deixar a ciência morrer”, reverbera a pesquisadora.

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