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Cesariana sem indicação pode aumentar risco de óbito na infância, afirma Fiocruz

No ES, parteiras e doulas mostram ser grandes aliadas das mulheres na busca pelo direito ao parto vaginal

Ana Nascimento/MDS

Um estudo liderado pelo Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia) sugere que partos cesáreos podem estar associados ao maior risco de mortalidade na infância, com exceção dos casos em que uma indicação médica seja clara sobre o procedimento cirúrgico conhecido popularmente como “cesariana”.

Utilizando dados coletados e cedidos pelo Ministério da Saúde sobre mais de 17 milhões de nascimentos ocorridos no Brasil entre 2012 e 2018, os pesquisadores do Brasil e do Reino Unido observaram que, no grupo com baixa indicação de cesariana, este procedimento foi associado a um risco aumentado em 25% na mortalidade na infância – até cinco anos – na comparação com as crianças que nasceram de parto vaginal.

Por outro lado, nos nascimentos de crianças com indicação médica, esse procedimento foi associado com redução dos óbitos, evidenciando a importância da cesárea quando devidamente indicada por um médico.

Estas descobertas foram publicadas na revista científica internacional PLOS Medicine (EUA). O estudo foi conduzido em parceria com a London School of Hygiene & Tropical Medicine (LSHTM), sob a liderança da epidemiologista Enny Paixão, pesquisadora associada ao Cidacs e professora assistente da LSHTM.

Metodologia do novo estudo

A análise partiu da primeira hipótese de que em grupos com baixa indicação do cesáreo, esse procedimento estaria associado a maior mortalidade infantil. Já em grupos com uma indicação médica, a segunda hipótese é de que a cirurgia provavelmente melhoraria as chances de sobrevivência na infância, ou seja, até cinco anos de vida.

Para separar esses grupos, todos os nascimentos foram classificados utilizando o sistema recomendado pela Organização Mundial da Saúde chamado “grupos de Robson” – utilizada por obstetras para relatar a rotina em todas as maternidades registradas no Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (Sinasc) do Brasil.

Em seguida, foram identificadas as taxas relativas de mortalidade nos primeiros cinco anos de vida, comparando primeiro parto cesáreo com o parto vaginal e, depois, os partos cesáreos eletivos e não eletivos.

Recomendação médica da cesariana

O estudo utilizou do sistema de classificação de Robson, uma escala que agrupa as mulheres em uma das dez categorias mutuamente exclusivas, com base em seis características obstétricas.

Nos grupos de Robson 1 a 4, onde se espera baixas taxas de propensão cesárea, este procedimento cirúrgico foi associado a um aumento de 25% na taxa de mortalidade na infância em comparação com os nascidos por parto vaginal, o que comprova a primeira hipótese.

Em casos de mães com uma cesárea anterior (grupo 5), não houve diferença na mortalidade infantil entre aqueles nascidos por via cesariana em comparação com o parto vaginal.

Para os grupos 6 a 10 (bebês com apresentação não cefálica, gemelares e prematuros), o risco de morte pelo procedimento cirúrgico é reduzido em comparação com o parto normal, o que também comprova a segunda hipótese.

Realidade e expectativa no Brasil

Para a epidemiologista e líder da pesquisa, Enny Paixão, o estudo aponta para a necessidade de novas pesquisas que, somadas, podem ajudar as grávidas, seus familiares e profissionais de saúde a tomarem decisões sobre o tipo de parto ideal junto com um obstetra, com base científica dos grupos de Robson.

Apesar da taxa recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) ser de 15%, a especialista alerta que o Brasil é o segundo no ranking das cesarianas, especialmente na saúde suplementar, onde, diferentemente da saúde pública, continua sendo reforçada a “cultura cesariana”. “Temos uma das taxas mais altas do mundo (56%) e na rede privada de saúde essa taxa atinge a marca de quase nove entre dez partos (89%)”, alerta Enny.

Em muitos países, as taxas de parto cesáreo têm aumentado, porém, as pesquisas ainda não chegaram a um consenso científico se este aumento tem sido impulsionado pela preferência materna ou por indicações médicas. E mais importante, ainda não se tem clareza sobre o impacto que esse procedimento pode ter na saúde da criança.

“É necessário que sejam realizadas novas investigações na área, considerando os ambientes de baixa e média renda para confirmar os resultados. Se confirmada, as intervenções dirigidas às grávidas, profissionais de saúde e sistemas de saúde do Brasil devem ser reforçadas por políticas públicas da área, para reduzir as taxas de parto cesáreo não indicado e, assim, os riscos de mortalidade em bebês”, recomenda Enny.

Parteiras e doulas

Em contraposição à típica “cultura cesariana”, um contingente cada vez maior de mulheres, sejam usuárias de saúde suplementar ou do Sistema Único de Saúde (SUS), tem procurado o trabalho das parteiras tradicionais e doulas para apoiar sua opção pelo parto vaginal e, em muitos casos, domiciliar e até natural.

Há poucos números que meçam esse aumento, mas em agosto de 2020, o Jornal da USP, produzido pela Universidade de São Paulo, mencionou que o parto domiciliar fez aumentar em 200% a busca por doulas e parteiras no território fluminense e em 100% no paulistano, segundo o grupo Commadre, de apoio à gestação. Em agosto deste ano, uma empresa de banheiras, spas e ofurôs para residências, a Riolax, afirmou ter dobrado a procura por famílias buscando instalar banheiras em suas casas visando o parto domiciliar.

Ambas pesquisas relacionam o aumento do parto domiciliar com a pandemia de Covid-19, devido ao medo de contaminação durante a hospitalização para o parto. Mas, no Espírito Santo, parteiras e doulas ouvidas por Século Diário relatam que a procura por esse trabalho já aumentava antes da pandemia.

Para além da Grande Vitória, o Caparaó capixaba é uma região que chama atenção, pois é de onde um número crescente de parteiras e doulas se desloca para atender a gestantes determinadas a lutar pelo seu direito ao parto vaginal e humanizado nos quatro cantos do Estado, e também para onde muitas mulheres se dirigem, vindas de várias regiões capixabas e até de outros estados e países, em busca de tranquilidade e segurança para parir no aconchego do lar, mesmo que seja um lar temporário, no caso das que fazem da Serra do Caparaó sua casa de parir.

O projeto de uma casa de parto na região aquece o coração das parteiras, doulas e doulas comunitárias do Caparaó e até mesmo uma lei criando um cadastro de parteiras tradicionais está em curso. A minuta, enunciada pelo secretário de Saúde de Divino de São Lourenço, Natan Silva Peixoto, está em análise pela Estratégia de Saúde da Família (ESF) de Patrimônio da Penha, pela Associação de Moradores e Pequenos Agricultores local (Ampa) e a Superintendência Regional de Saúde de Cachoeiro de Itapemirim.

Observatório Obstétrico Brasileiro

A sistematização e interpretação de dados sobre os nascimentos no Brasil, com vistas, entre outros desdobramentos, a reduzir a taxa de cesarianas aos níveis recomendados pela OMS, é o objetivo do projeto de uma plataforma pública de dados sobre saúde da mulher, do feto e da criança, selecionado em fevereiro deste ano na chamada internacional Grand Challenges Explorations (GCE).

A iniciativa é coordenada pela professora do Departamento de Estatística da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Agatha Rodrigues, e tem participação de pesquisadores do Hospital das Clínicas da USP e da Faculdade de Engenharia de Sorocaba (Facens).

Atualmente, o Observatório tem disponibilizado dados obstétricos e notícias relacionando à gravidez, o parto, a amamentação e a pandemia de Covid-19. Para acessar as informações e as redes sociais do OOBr, clique aqui.

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