Municípios do noroeste fazem formações de merendeiras para enriquecer cardápios com base na agricultura familiar
As merendeiras, que preparam as refeições dentro das cozinhas das escolas, são mais um importante elo envolvido na construção de uma merenda escolar mais saudável, saborosa e que contemple o melhor que a agricultura familiar capixaba tem a oferecer em cada município.
Do noroeste do Espírito Santo, chegam notícias de pelo menos dois municípios – São Gabriel da Palha e Águia Branca – que já realizaram formações específicas para essas profissionais, com foco no melhor aproveitamento dos alimentos produzidos pelas famílias agricultoras.
Em São Gabriel da Palha, o curso teve duração de 32 horas, durante quatro dias, em meados de julho. Foi realizado pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), em parceria com o sindicato patronal local e a Secretaria Municipal de Educação, e envolveu uma merendeira de cada escola municipal.
O objetivo foi “ensinar diversas preparações de pratos culinários que utilizem produtos da agricultura familiar adquiridos pelo PNAE [Programa Nacional de Alimentação Escolar]”, conta a nutricionista do PNAE no município, Flávia Ott.
“O curso foi maravilhoso! As merendeiras amaram, aprenderam muito e se sentiram valorizadas. As preparações já foram para os cardápios escolares e já estão sendo aprovadas por nossos alunos. A alimentação escolar do nosso município é muito saudável e gostosa”, afirma, orgulhosa.
A ampliação da presença da agricultura familiar na merenda dos estudantes encontra, como principais dificuldades, “a burocracia dos processos de compras, o número insuficiente de manipuladoras [merendeiras] e a falta de conscientização sobre a importância de uma alimentação saudável por parte de muitas famílias de estudantes, que preferem levar lanchinhos para escola, principalmente alimentos industrializados, ultraprocessados, ao invés de comer da merenda da escola”, aponta.
“A escola tem um papel importantíssimo na formação de hábitos mais saudáveis. Deve incentivar, ensinar (educação nutricional) e promover o consumo de alimentos mais saudáveis”, defende a nutricionista.
Liberdade e criatividade
Instrutora do Senar responsável pela formação em São Gabriel e Águia Branca, a economista doméstica e mestre em Ciência e Tecnologia de Alimentos, Jozyellen Nunes da Costa, acredita que um diferencial importante nessa formação de merendeiras foi a realização, antes da formação em si, de um workshop envolvendo diretores de escolas, membros da Secretaria de Educação e do Conselho de Alimentar Escolar (Caes). “Depois faz o trabalho com a nutricionista e as merendeiras”, explica.
Sindicatos rurais
O município que queira fazer a formação com suas merendeiras, orienta Josyellen, deve entrar em contato com o sindicato patronal rural – são mais de 50 sindicatos no Estado, congregados na Federação da Agricultura do Espírito Santo (Faes) – para que ele demande o curso ao Senar.
Respeito às sazonalidades
Na Vila Valério de Marijane, essa formação das merendeiras ainda não chegou, mas outras transformações pretéritas, já implementadas, principalmente nos últimos três anos, no diálogo entre as equipes escolares e os agricultores, ainda surtem bons resultados. Um ponto importante, destaca, é o planejamento semanal dos cardápios.
“Antes mandava o cronograma do mês todo. Mas às vezes mudava, a vagem não dava a quantidade esperada naquela semana. Agora mudou, toda sexta-feira a gente envia a lista do que vai ter na semana seguinte e a nutricionista faz o cardápio a partir do que realmente vai ter, os itens e a quantidade de cada um”, explica. “Milho, por exemplo, sempre ela pede 250 kg, mas semana que vem vai ser 130kg e mais brócolis, que não vai ter mais na outra semana. Então ela planeja as refeições em cima da realidade”, relata.
A relação entre as agricultoras e a merendeiras também melhorou muito. “Nas escolas que a gente mesmo entrega, a diretora direciona uma merendeira para receber os produtos, verificar o peso, a qualidade. Uma escola questionou as pintinhas pretas da alface, que dão quando chove muito, então nós trocamos. Cebolinha foi demais, a gente orientou a picar e congelar, para usar a semana inteira”, descreve.
O contrato do PNAE para o próximo ano está próximo de ser negociado. Geralmente acontece em novembro. Neles, é fundamental prever as sazonalidades das culturas. “A gente garante 500 kg de laranja por mês de março a junho. O abacate, que a gente imaginava ter só entre março e junho, agora já sabe que tem até agosto”, exemplifica.
Políticas públicas
“Se a agricultura não tiver essa relação com o poder público, com as nutricionistas, as merendeiras…não vai pra frente, vai emperrando”, ressalta Marijane, lembrando o peso do PNAE no fortalecimento da agricultura familiar. No Espírito Santo, chegou no início dos anos 2000, quando também florescia o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). “Foi aquele salto! Fortaleceu e fortalece muito, porque o agricultor se anima em plantar sabendo que tem mercado garantido”.
O resultado pode ser visto até nas paisagens. “Antes só via café, café, café. Agora, em vários lugares, já tem uma diversidade. O PAA fez a cabeça de muita gente mudar”, constata. Mesmo quando a horticultura ainda não predomina, os cafezais já começam a ser mais diversificados, com um pouco de pimenta-do-reino e de banana…e a pequena horta de subsistência, em algum momento volta para o quintal. “Muda a vida da família também, que passa a comer melhor”.