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Na falta de ação federal, cabe aos municípios criar zonas livres de transgênicos

Decisão mexicana de manter proibidos os plantios comerciais de milho mostra que mobilização da sociedade é essencial

João Ávila

A decisão da Suprema Corte do México de ratificar a proibição de cultivo comercial de milho transgênico, mostra a importância da mobilização da sociedade civil para a aplicação dos regramentos legais que já existem em defesa das sementes crioulas e dos plantios orgânicos e agroecológicos.

Coordenador de um estudo piloto que visa investigar relatos de contaminação de milho orgânico com proteínas transgênicas no Espírito Santo, o engenheiro agrônomo e professor do Instituto Federal em Santa Teresa (Ifes) Lusinério Prezotti, conta, à luz da boa notícia vinda do extremo norte da América Latina, que um objetivo fundamental da pesquisa é subsidiar os agricultores orgânicos a exigirem a criação de zonas livres de transgênicos em suas áreas de cultivos.

“Se identificarmos, por exemplo, que em Santa Maria de Jetibá há um polo de produção de alimentos orgânicos ameaçado por plantios transgênicos, sendo detectados os casos relatados de contaminação, é possível forçar a criação de uma zona livre”.
Legislação atual para isso já existe, assegura Lusinério. A mais importante é a Norma de Coexistência –Resolução Normativa nº 4/2007 da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) – que estabelece ao produtor orgânico o direito de exigir uma zona livre ao redor da lavoura dele de no mínimo 100 metros de distância. “Se o vizinho não obedecer, ele tem como acionar a fiscalização”.
O estudo é conduzido no âmbito da Comissão de Impactos dos Agrotóxicos e Transgênicos à Saúde de Meio Ambiente do Fórum Espírito-Santense de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos e Transgênicos (Fesciat), em parceria, além do Ifes, com a Comissão de Produção Orgânica do Espírito Santo (CPOrg) e o Conselho do Fundo Estadual de Defesa do Consumidor, presidido pelo Procon.
Em síntese, o que se quer é levantar dados científicos que mostrem quantas e quais são as experiências transgênicas (“acessos”, segundo a nomenclatura técnica) em circulação no Estado, em que culturas agrícolas e de que localidades.
“Não há nenhum registro sobre transgênicos no Espírito Santo”, exclama Lusinério. Ao contrário dos agrotóxicos, que são vendidos por meio de receituários agronômicos passíveis de rastreamento e sistematização, as sementes transgênicas são vendidas sem qualquer controle estatal. “A fiscalização é praticamente inexistente no Brasil”, lamenta.
Depois de aprovado pela CTNBio, o “acesso” transgênico circula livremente. “A CTNBio afirma a necessidade de fiscalização, mas ela não define quem deve fazer isso e ninguém assume essa tarefa”, explica. A situação é grave, porque “a CTNBio, até hoje, aprovou praticamente todos os registros de ‘acessos’ transgênicos solicitados pelas empresas, mesmo com os questionamentos e denúncias de informações insuficientes”.
Refletindo a vitória mexicana contra as transnacionais de agrotóxicos e transgênicos, e diante da subserviência da Comissão federal brasileira, Lusinério vê, também no Brasil e no Espírito Santo, que virá da sociedade civil a ação decisiva pela proteção das sementes e alimentos orgânicos.
Milho crioulo protegido em Muqui
“O Espírito Santo já tem zonas livres de transgênicos, como em Muqui [sul do Estado], que tem uma lei municipal voltada ao milho crioulo da comunidade de Fortaleza”, exemplifica.
Um dos pesquisadores responsáveis pelo resgate do milho crioulo em Fortaleza, o engenheiro agrônomo e técnico da Inovar José Arcanjo Nunes conta que a lei municipal foi criada em 2012, dois anos após a criação do Monumento Natural (Mona) Serra das Torres, uma unidade de conservação de proteção integral abrangendo uma cadeia montanhosa que se estende pelos municípios de Muqui, Mimoso do Sul e Atílio Vivacqua.
Arcanjo explica que a lei da UC já determina a proteção dos plantios orgânicos contra os transgênicos, sendo a lei municipal um reforço dessa determinação. Agora que o Mona está em processo de elaboração de seu Plano de Manejo, a lei de Muqui está em discussão para ser expandida aos outros dois municípios, fortalecendo os mecanismos de fiscalização e proteção dos agricultores orgânicos.
Por ora, conta, tem funcionado um combinado entre os agricultores da região de Fortaleza: “quem planta crioulo, fica atento aos vizinhos, que precisam obedecer ao distanciamento de 400 metros das lavouras orgânicas”.
Apesar da lei federal estabelecer a distância mínima de 100 metros, ressalta Arcanjo, Muqui já segue uma orientação técnica mais avançada, que defende os 400m. “Há vasta literatura atestando os 400 metros. Nós que trabalhamos com pesquisa com orgânicos fazemos essa recomendação há muitos anos em todo o país”, conta.

Proteção judicial no México desde 2013
Conforme noticiado pelo jornal Brasil de Fato nessa quarta-feira (20), a decisão da Corte mexicana em favor da Coletividade Demandante em Defesa do Milho foi publicada no último dia 13, mantendo a permissão apenas para plantios em pequena escala, em caráter de pesquisa.
Em sua página na internet, a Coletividade Demandante se define como “uma comunidade de 53 pessoas – incluindo representantes de vinte organizações de agricultores, apicultores, defensores dos direitos humanos, artistas e pesquisadores – que decidiu defender legalmente o milho nativo em seu centro de origem, diante da ameaça do milho transgênico”.
A ação judicial foi impetrada em julho de 2013, contra os ministérios da Agricultura e Meio Ambiente e cinco transnacionais, entre elas a Syngenta e a Monsanto. A primeira decisão favorável foi dada dois meses depois, em setembro do mesmo ano, e, desde então, a ação vem sofrendo várias tentativas de suspensão pelas indústrias, mas a Justiça mantém a proibição, com bases nos argumentos atualizados pela Coletividade, que apontam a necessidade de precaução, devido à falta de comprovação de que os plantios transgênicos são realmente seguros como alegam as empresas.

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