Com plantação de alimentos e árvores nativas, Angelim 1 exige do Estado proteção ao seu território tradicional
A comunidade quilombola do Angelim 1 abriu uma nova retomada nesse sábado (23) para impedir que a Suzano Papel e Celulose (ex-Fibria e ex-Aracruz Celulose) expanda os monocultivos de eucalipto em áreas já demarcadas como Território Quilombola Tradicional do Sapê do Norte.
Moradores do Angelim 1 se revezam desde então, plantando alimentos e árvores nativas, de forma a iniciar a recuperação do solo degradado por décadas de deserto verde. A ideia é priorizar a recuperação de nascentes e lagoas que foram destruídas pelo uso inadequado dos recursos hídricos pela multinacional. Atividades com crianças também estão sendo iniciadas, de forma a revitalizar o local com a cultura quilombola, a quem ele pertence.
A retomada contou com apoio presencial da Comissão Quilombola do Sapê do Norte e do Movimento Nacional de Direitos Humanos no Espírito Santo (MNDH/ES) e, remotamente, da Defensoria Pública do Espírito Santo (DPES), que prestaram assistência à comunidade na ação reivindicatória, após quase um ano acompanhando as tentativas de negociação transcorridas por meio da mesa de conflitos fundiários no Sapê do Norte, instalada no âmbito da Comissão Permanente de Conciliação e Acompanhamento dos Conflitos Fundiários (Portaria Nº 037-R da Secretaria de Estado de Direitos Humanos – SEDH).
“Foram várias reuniões em um ano, mas sem nenhum avanço concreto“, relata Josilene Santos, advogada da Comissão Quilombola. O avanço prometido, explica, é o recuo da empresa em relação às áreas já demarcadas como quilombolas no Sapê, para que as comunidades possam fazer seus plantios de alimentos, floresta e água e construir casas para as famílias que, nos últimos 15 anos, naturalmente cresceram.
Uma década e meia, ressalta, em que os processos administrativos da titulação do território quilombola se encontram praticamente parados no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
A advogada quilombola conta que “a Suzano tentou desarticular a mesa, propondo uma espécie de governança em que ela negociaria diretamente com as comunidades e, depois, os encaminhamentos passariam por uma análise jurídica para serem homologados”. Obviamente que nenhuma comunidade aceitou esse afastamento das instituições do Executivo e Judiciário, mas, na prática, esses órgãos continuam atuando muito pouco.
Recentemente, a papeleira se comprometeu, conforme consta em ata de reunião da mesa, a não mais plantar eucaliptos no território quilombola certificado, mas em função da paralisia do Estado, acabou encontrando brecha para descumprir o acordo e iniciar novos plantios, havendo inclusive episódio de violência contra a comunidade do Angelim 2, numa ação de colheita de eucaliptos iniciada numa sexta-feira à noite.
Diante dos novos desrespeitos e violências, a retomada foi a única ação vista como possível para garantir a integridade não só do território, mas da própria dignidade e vida dos moradores do Angelim 1.
No dia da retomada, sábado, a Comissão Quilombola e o MNDH conversaram com os policiais militares que foram enviados para lá e conseguiram reduzir a truculência da ação policial, ao explicarem o contexto de luta legítima.
“Eles queriam conduzir algumas lideranças para a delegacia, mas não permitimos. Na conversa, expliquei que as pessoas iriam permanecer no local até a Suzano retomar a mesa de diálogo e cumprir o acordo de não plantar mais nas áreas já demarcadas da comunidade. Eles registaram um termo circunstanciado, um boletim de ocorrência, e foram embora”, relata.
A presença da Comissão e do MNDH, salienta, foi fundamental pra neutralizar o comportamento padrão da Polícia, de “tratar quilombolas como criminosos”. Quem está irregular, afirma, é a Suzano e não as comunidades. “A Polícia, nesses casos, ainda tem a tendência de defender o patrimônio da empresa, que são os eucaliptos, e não a vida das pessoas”, lamenta.
“A nossa missão é garantir a vida e a dignidade daqueles que estão em luta por seu território, porque estão na luta por direito, não estão ali fazendo nada aleatório, não são criminosos, sabem o que estão fazendo e que a terra é deles. A empresa também sabe, mas a primeira coisa que ela faz quando as comunidades retomam a sua terra, é chamar a polícia para defender o patrimônio”, reforça a coordenadora estadual do MNDH/ES, Galdene dos Santos, presente no dia da retomada.
Mas, graças ao acompanhamento atual do movimento, que representa várias entidades e organizações da sociedade civil, e da Comissão Quilombola, “a comunidade nesse momento se sente mais protegida”. No entanto, até que o Estado assuma seu papel nesse contexto, “precisamos continuar a proteção dos quilombolas como defensores de direitos humanos. Eles defendem a terra, e terra é vida”.