No documento de reintegração de posse, consta que em 2020 o município se tornou proprietário do imóvel mediante doação feita pela gestão estadual, cabendo à prefeitura demolir o prédio e construir uma nova sede da escola no prazo de cinco anos. Diz ainda que a Secretaria Municipal de Educação (Seme) “vinha realizando adequações no imóvel desde janeiro, com a construção de muro, estrutura para posto vigilante, e estava aguardando a ligação de energia da EDP, não se podendo afirmar que o imóvel estava arrombado”.
A militante do Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM) no Espírito Santo, Rafaela Regina Caldeira, afirma que, entre as pessoas da ocupação, somente três ou quatro trabalham, mas ganham um salário mínimo. As demais, informa, estão desempregadas e muitas delas nem sequer recebem Bolsa Família. De acordo com ela, foram protocolados três ofícios na prefeitura em busca de diálogo, mas sem que houvesse abertura da gestão de Lorenzo Pazolini para isso.
Rafaela relata que a prefeitura alega que as famílias têm que entrar na lista de espera de programas de moradia, entretanto, as pessoas estão nessa lista há mais de 10 anos. A militante aponta ainda outro diferencial, que é o fato de que essas famílias têm uma casa para morar, mesmo que seja alugada, enquanto o grupo que faz parte da ocupação, não. “Estamos em um prédio que estava há oito anos sem cumprir sua função social. Agora a prefeitura diz que estamos impedindo a obra, mas ela nem começou”, critica.
As famílias preparam uma manifestação e entraram em contato com as vereadoras Karla Coser (PT) e Camila Valadão (Psol). Karla, em suas redes sociais, destaca que as famílias que ocuparam a escola não estão inseridas em nenhum programa social da prefeitura, sendo a reintegração de posse mais uma forma de invisibilizá-las. “Estão obrigando a sair daqui em 10 dias, sem dar uma solução para essas famílias, sem nenhuma atitude, como aluguel social, benefício transitório, para que tenham onde morar”, afirma.
A escola Irmã Jacinta Soares de Souza Lima está há oito anos sem utilização e já gerou protestos dos moradores do Romão. Em 2017, eles realizaram uma manifestação no local, pedindo início das obras prometidas para que a escola voltasse a funcionar ali. O colégio havia sido transferido provisoriamente para a Ilha de Santa Maria, onde permanece até hoje. Os moradores também protestaram para que fosse oferecido transporte escolar, já que incluía alunos de 6 a 14 anos, num caminho a pé de cerca de quase 20 minutos, com avenidas e cruzamentos, exigindo o deslocamento de pais, mães e responsáveis.
Anos de luta sem solução
As famílias que hoje ocupam a escola no Romão estão há quase cinco anos na luta por moradia digna em Vitória. A maioria participou da grande ocupação na Fazendinha, no bairro Grande Vitória, no final de 2016, que marca o início de um ciclo de lutas. Depois seguiram para uma ocupação na Casa do Cidadão, em Maruípe.
De lá, ocuparam o prédio do IAPI, na Praça Costa Pereira, abandonado há décadas em pleno Centro de Vitória, bairro que passou a ser o principal ponto das ações dos movimentos de luta por moradia. As famílias foram retiradas para que o prédio fosse reformado e destinado ao Programa Minha Casa, Minha Vida – Entidades, o que acabou não acontecendo, devido aos cortes do governo federal durante a gestão de Jair Bolsonaro para subsídios para a faixa mais baixa de renda do programa.
Do IAPI, famílias seguiram para outras ocupações no Centro, a mais longa no edifício Santa Cecília, no Parque Moscoso, onde ficaram por mais de dois anos, até o local ser desocupado também com intuito de ser transformado em moradias populares. Porém, uma medida legal vinculou a saída das famílias ocupantes a uma solução ainda que provisória para sua condição de déficit de moradia. As famílias então tiveram um ano de aluguel social, embora afirmem que a promessa de cursos de capacitação para reinserção no mercado de trabalho não foi cumprida.
A maioria segue desempregada, e um novo protesto no final da gestão de Luciano Rezende (Cidadania) garantiu a extensão por mais seis meses. Após o fim desse prazo, as famílias deixaram de ter condições de se manter. “Logo que conseguimos a prorrogação por seis meses, veio a nova gestão [do prefeito Lorenzo Pazolini, do Republicanos]. Foram enviados vários ofícios e mensagens, mas nenhum obteve respostas”, destacou Rafaela.