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Especialistas criticam corte de gastos e dizem que nota ‘A’ não é sinal de boa gestão

Guilherme Henrique Pereira e Érika Leal condenam a poltica econômica do governo, que só aprofunda a crise

A predominância do perfil financista nos governos federal e estaduais representa impedimento para que sejam formuladas políticas ativas de recuperação da economia e com viés de redução da parcela da população classificada na faixa de pobres. Essa revelação é do professor aposentado da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Guilherme Henrique Pereira, doutor em Ciências Econômicas, e da professora do Instituto Federal do Estado (Ifes) Érika Leal, doutora em Engenharia da Produção, que condenam a política recessiva do Governo Bolsonaro, “como quer o Guedes [Paulo, ministro da Economia], que só contribui para agravar a crise”.

Os dois especialistas desmontam mitos, entre eles a classificação de nota “A” como sinalizador de boa qualidade de gestão, como ocorre no Espírito Santo nos dois últimos governos, do ex-governador Paulo Hartung (sem partido) e do atual, Renato Casagrande (PSB). Esse indicador se transforma em motivo de celebrações e traça um viés político visando ampliar a eficiência dos governantes.

Os professores entendem que o Brasil atravessa uma fase de recessão ou baixo crescimento desde 2014, “então, os gastos públicos não afetarão o nível dos preços. Exatamente o contrário. É hora de os governos turbinarem seus investimentos, até com endividamento, para que os seus fornecedores, ao produzirem, possam empregar mais; menos desempregados, mais consumidores no mercado. Maior PIB, maior arrecadação, compensando, no segundo momento, os gastos realizados”.

Ao criticarem o corte de gastos, questionam: “E quem são os divulgadores dos mitos? Um perfil de gestores e economistas que chamamos de “financistas”. Eles entendem que o mercado tem mecanismos de autorregulação e basta que os governos não atrapalhem com suas políticas”, afirmam, e enfatizam que não há “nenhuma preocupação com as necessidades da população, com o nível da renda pessoal e com o nível de emprego ou com aumento da parcela da população na pobreza. O foco é maximizar os saldos positivos do fluxo de caixa”.

Em um trabalho publicado no site “Debates em Rede”, os professores afirmam: “No limite, o financista gostaria que o governo minimizasse até os serviços essenciais, para que a robustez das aplicações financeiras do governo possibilite, por um lado tranquilidade e garantia de cumprimento das pequenas despesas de governo e, por outro, demonstrasse para o mercado o afastamento de qualquer possibilidade de aumento de impostos e garantia de pagamentos de compras sempre em dia”.

Segundo Guilherme e Érika, o financista defende os “fundos previdenciários, com elevadas reservas, criação dos chamados “fundos soberanos” e outras preciosidades mitológicas semelhantes”. Já o ajuste fiscal, restrito ao corte de custeio e investimentos, mas nunca o atraso de pagamentos de compromissos com o mercado financeiro, é o que consideram como qualidade das políticas governamentais e os governantes que seguem por esta cartilha são avaliados como competentes e fazem jus a uma nota “A”.

“Receber a nota ‘A’ torna-se motivo de publicidade como se esse indicador por si só sinalizasse uma boa qualidade da gestão. Nada mais enganoso e há vários caminhos para mostrar este equívoco”, pontuam os especialistas: “Assistimos, anualmente, a uma desmedida expectativa de governadores com a divulgação do relatório do governo federal que, como credor de financiamentos, analisa a capacidade de pagamento de seus devedores e os classifica com notas que variam de ‘A’ a ‘D”.

Os professores explicam que esse indicador, “tão presente nas conversas sobre a economia, é resultado de um cálculo muito simples: basta diminuir das receitas do governo as despesas, se a diferença for positiva, chamamos de ‘superávit’ e se for negativa chamamos de ‘déficit’, ou ‘resultado positivo’ e ‘negativo”.

“Existem outros métodos para este cálculo, porém todos procuram medir eventuais vulnerabilidades das finanças públicas e possíveis contribuições delas para a dinâmica da economia”, comentam, e chamam a atenção para a polêmica, que começa na forma de “interpretação de significados e para que serve tal indicador”.

Ao comentar, de forma didática, o fluxo dos impostos arrecadados pelos governos e suas finalidades, Guilherme Henrique Pereira e Érika Leal se detêm em “problematizar as interpretações do indicador no âmbito das finanças estaduais”. E revelam: “De fato, ao que tudo indica, os estados com altos superávits são os que apresentam incompetências no atendimento das demandas. Isso faz todo sentido, pois se gastou menos do que deveria, atendeu relativamente menos às carências da população”.

O trabalho apresenta tabelas, pelas quais é possível visualizar que “o grupo de estados com maiores superávits per capita são aqueles que apresentaram tendência mais acelerada de aumento da pobreza; o contrário se pode dizer dos estados com menores superávits per capita”. As tabelas mostram dados de 2019 a janeiro deste ano.

Segundo os professores, que alertam para a limitação do trabalho, pelos registros estatísticos pode-se afirmar que os dados levantados “são úteis para sugerir a necessidade de ampliar o número de anos observados, para que seja possível confirmar a hipótese levantada”.

E destacam: “De qualquer modo, parece que já está claro que a perseguição de metas de superávit é inaceitável diante de parcelas tão significativas da população na faixa da pobreza. Evidente que sobressai desta reflexão a pergunta sobre as causas de consolidação do mito de que gerar superávit tem algo a ver com competência de gestão, quando assumimos que o propósito dos governos é o bem-estar da população”.

O estudo aborda o tema do ponto de vista da mídia e aponta que “no campo do noticiário econômico, o mito já está consolidado há mais tempo, ao ponto de parecer muito natural as afirmações categóricas que ouvimos diariamente nos jornais, e às vezes em até algumas faculdades na periferia do mundo científico da economia política”.

Os professores desmontam o mito do superávit e pontuam: “De fato, ao que tudo indica, os estados com altos superávits são os que apresentam incompetências no atendimento das demandas. Isso faz todo sentido, pois se gastou menos do que deveria, atendeu relativamente menos às carências da população”. 

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