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‘Mineradoras continuam negando danos ambientais já comprovados’

Pela quinta vez em um ano, Justiça Federal impede Renova de retirar universidades públicas dos estudos ambientais

Leonardo Sá

Há um ano tem sido assim: a Justiça Federal determina, por mais 90 dias, que os estudos sobre os impactos do rompimento da barragem Fundão sobre a biodiversidade marinha continuem sendo feitos pelas universidades públicas reunidas na Rede Rio Doce Mar (RRDM), negando, assim, os insistentes pedidos da Fundação Renova para que o trabalho seja desmembrado em vários contratos, num mix de empresas privadas de consultoria e algumas entidades públicas.

A quinta decisão da série foi tornada pública na tarde desta quarta-feira (10), durante reunião virtual entre a Renova e a Câmara Técnica de Biodiversidade do Comitê Interfederativo (CTBio/CIF), instância responsável por formular as diretrizes e validar os estudos relativos ao Programa de Monitoramento da Biodiversidade Marinha (PBMA), estabelecido na cláusula 165 do Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC), acordo firmado em março de 2016 entre as mineradoras Samarco/Vale-BHP, responsáveis pelo crime socioambiental contra o Rio Doce, a União e os governos estaduais do Espírito Santo e Minas Gerais.

Acordo que, apesar de todas as falhas apontadas pelo Ministério Público Federal (MPF) e as Defensorias Públicas, principalmente no tocante à participação dos atingidos, é o que segue como principal regente do processo de reparação, mas, com metas e prazos absurdamente descumpridos, como já demonstraram os experts do MPF e estudos acadêmicos, como da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).

Foi pouco antes do início da reunião virtual, transmitida pelo canal do YouTube da Fundação Renova, que os membros da CTBio tomaram conhecimento da decisão judicial que determinava a continuidade da RRDM na execução do programa.

Feliz exceção

A sentença é assinada no dia sete de novembro pelo juiz federal Mário de Paula Franco Junior, da 12ª Vara Federal de Minas Gerais, o mesmo que tem sido acusado por mais de uma centena de juristas de renome no país, de atuar parcialmente em favor das mineradoras responsáveis pelo desastre, e, por isso, tem sofrido diversas representações de entidades jurídicas, especialistas e do MPF no sentido de reverter os prejuízos que suas decisões têm causado aos grupos mais desassistidos pela Fundação Renova nesse longo, lento e ineficaz processo de reparação.

As seguidas sentenças contrárias aos pedidos da Renova e suas empresas mantenedoras, portanto, continuam surpreendendo. Felizmente. Fato é que, por razões ainda desconhecidas pelos atores envolvidos no processo de reparação, Mário de Paula tem sido obrigado a concordar com os argumentos técnicos muito bem estruturados pela Advocacia Geral da União (AGU) em favor da manutenção da Rede Rio Doce Mar no PMBA.

Nessa última sentença, o magistrado acata os dois pedidos feitos pelo procurador federal Marcelo Kokke, do Núcleo de Ações Prioritárias da Procuradoria Federal no Estado de Minas Gerais (PFMG), na petição enviado ao juízo em três de setembro: que a Renova apresente o seu alardeado “Plano de Transição”, para que a CTBio possa avaliar e dar seu parecer sobre aceitá-lo ou não; e que o PMBA continue sendo executado pela rede de universidades, por meio do Acordo de Cooperação Técnica (ACT) firmado entre a Renova e a Fundação Espírito-Santense de Tecnologia (FES/Ufes).

Ao aceitar os pedidos, o juiz estabelece novamente o prazo de 90 dias de vigência do ACT Renova-FES/Ufes, “período em que as partes deverão estabelecer/continuar o diálogo e manter as tratativas com vista às eventuais correções e/ou ajustes e/ou aprimoramentos que se fizerem necessários”; e de 30 dias para que a CTBio/CIF se posicione sobre o Plano de Transição defendido pela Renova. Plano que, em síntese, deve apresentar argumentos convincentes em favor da substituição da rede por um outro formato de execução do Programa de Monitoramento, ainda a ser detalhado pela Renova.

Dos 30 pontos que compõem a petição da AGU, o juiz Mario de Paula transcreveu 25 em sua sentença, dando a entender que são os tópicos mais relevantes que guiaram as 15 páginas de sua sentença.

Negando o óbvio

“… é esperada contrariedade das empresas em relação aos resultados dos estudos [feitos pela RRDM no âmbito do PMBA], pelo volume de provas científicas produzidas que demonstram com segurança técnica os prejuízos ambientais acarretados pelo desastre de Mariana na biodiversidade marinha“, pondera a AGU, em um dos trechos transcritos na decisão do juiz.

“Quanto à substituição da FEST/RRDM pela Control [empresa de consultoria privada indicada pela Renova inicialmente e depois substituída pela Ambipar] nos estudos de ecotoxicologia [hoje feitos pela Universidade Federal do Rio Grande – FURG, considerada uma das mais respeitadas nesse tipo de estudo], opinamos de forma contrária, uma vez que o atual monitoramento tem sido exitoso em identificar e evidenciar impactos relacionados ao rompimento da barragem de Fundão”.

“Rechaça-se assim completamente as alegações das empresas [responsáveis pelo crime contra o Rio Doce], em todos os seus aspectos. O objetivo da dupla minerária é em si afastar o dever de reparar e impedir a identificação plena dos danos ambientais ocorridos”.

Somados, os três trechos sustentam a ideia sintetizada na frase que dá título a esta matéria, de que as empresas criminosas continuam negando os danos ambientais causados pelo rompimento da barragem, já devidamente comprovados pelos estudos científicos independentes e de boa-fé feitos pelas mais de 20 universidades públicas e 500 pesquisadores que compõem a Rede Rio Doce Mar.

Esforço coletivo

Estudos, importante lembrar, que foram iniciados antes da chegada da lama no Espírito Santo, por uma iniciativa dos próprios pesquisadores, muitos dos quais já desenvolviam pesquisas na região atingida há anos, e que moveram esforços pessoais e institucionais de seus laboratórios e departamentos acadêmicos, para coletar dados que, sabiam, seriam cruciais para entender o tamanho do problema que vinha descendo rio abaixo, desde Mariana/MG. Nessa época, possivelmente ninguém ou poucos sabiam que tratava-se do maior crime socioambiental da história brasileira e um dos maiores da mineração mundial. 

Os primeiros resultados das universidades começaram a sair por volta de 2017 e foi somente dois anos depois, em 2018, que a Renova passou a financiar as pesquisas. Em Minas Gerais, onde o esforço coletivo das universidades não conseguiu ser formado a tempo, foi apenas neste ano de 2021 que as pesquisas começaram, após cinco anos do desastre, quando as amostras coletadas já não conseguiam mais capturar os momentos mais agudos da contaminação pelos cerca de 50 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério.

A argumentação segue em exposições contundentes sobre o interesse ilegal da Renova e suas mantenedoras, de se apropriar de atribuições que são do poder público, no caso de gestão e fiscalização do levantamento dos danos ambientais e subsequentes ações de reparação e compensação.

“O intento das empresas é assumir competências próprias da administração pública, retirar atribuições e passá-las para perícia. Repisa-se. As competências federais relativas a termos de referência e critérios de cumprimento de reparação são próprias dos entes públicos. Não há possibilidade legal ou constitucional em sentido contrário”.

Procrastinação

Sobre o aludido Plano de Transição, a AGU afirma que o mesmo não foi ainda apresentado à CTBio. De fato, foi somente durante a reunião de quarta-feira que a Renova fez uma mínima apresentação do mesmo. Apresentação que, segundo os membros da CTBio, tratou-se apenas de uma apresentação conceitual, ainda sem o detalhamento técnico necessário para avaliação, o que ficou acertado que será concluído pela Renova “o quanto antes”.

Em novos momentos de explicitação das intenções nefastas das empresas, por meio da Renova, a AGU afirma que “com o passar dos anos do desastre, as empresas apostam em uma só estratégia, a consistir no silenciamento e na procrastinação, a fim de se livrar da obrigação reparatória” e que “o objetivo das empresas é tentar lançar a Administração Pública Ambiental como se fosse um player privado em negociação com a dupla minerária, destituindo-lhe do seu teor normativo e regulatório”.

Sobre o pedido da Fundação Renova para “simplesmente contratar e afastar quem bem entenda”, a AGU reitera que “a Fundação Renova é uma fundação constituída para fins de atendimento às determinações legais de reparação do maior desastre ambiental já ocorrido no Brasil”. Por isso, “embarcar na tese da parte adversa implicará conferir às empresas um verdadeiro poder de escolha e comando sobre a produção de relatórios e análises tanto de diagnóstico quanto de reparação, dotando-lhes de um ilegal poder de controle para definir os limites reparatórios”, alerta.

Histórico

A judicialização da continuidade dos trabalhos da Rede foi iniciativa da Advocacia Geral da União (AGU), atendendo à Deliberação nº 447/2020 do CIF, que formalizou a posição da sua CTBio contra a decisão unilateral da Fundação Renova de retirar a RRDM do Programa, em outubro de 2020.


‘A gestão de desastre deve ter centralidade nas vítimas’

Na repactuação do crime da Samarco/Vale-BHP, defensora pública Mariana Sobral ressalta importância do fortalecimento de políticas públicas


https://www.seculodiario.com.br/meio-ambiente/a-gestao-de-desastre-deve-ter-centralidade-nas-vitimas-afirma-defensora-publica

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