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Carta de amor não dói

Sua importância dependia não apenas do que se escrevia, mas da interpretação dada aos textos nelas inseridos

“Moça Lendo uma Carta à Janela”, de Vermeer

Em havendo papel e caneta-tinteiro, as pessoas escreviam cartas. Não tanto pela necessidade de dizer alguma coisa, enviar uma informação, pedir ou receber notícias – o ato de escrever a carta era mais importante do que o que nela se inseria. Sem telefones e emails, a profissão de carteiro – e de carteira – era das mais procuradas: Devolve ao remetente que o selo já foi usado. Eram cartas e cartas, longas ou breves – Sua importância dependia não apenas do que se escrevia, mas da interpretação dada aos textos escritos. E que textos!

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Prezado Senhor Eleutério Somil. É com muita pena que pego na pena para informar a Vosso Senhorio que as galináceas que o senhor mantém em regime de liberdade estão prejudicando minha horta. O estrago provocado aos meus legumes alteram a qualidade da minha alimentação. Com renovada insistência lhe peço tomar as necessárias providências, sem mais delongas. Agradeço penhoradamente a atenção dispensada.

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Prezada Senhora Mariana De Matos. Em respeitosa atenção à missiva redigida e enviada por Vossa Senhoria em 03/03/03, tenho a informar que as galinhas criadas sem fronteiras são mais saudáveis, produzem mais ovos, e dão melhor canja. Da mesma forma, tenho observado que seus legumes estão mais verdosos graças ao constante adubo adicionado aos canteiros pelas minhas penosas. Suplico, pois, a gentileza de reconsiderar a solicitação, em respeito às normas da boa vizinhança.

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Prezado Senhor Eleutério. Conseguinte sua missiva datada de 04/03, não me escapou o fato de Vossa Senhoria estar tão bem informado sobre o estado de meus legumes, uma vez que um alto muro separa nossas propriedades. Suas galinhas não o respeitam, e não as culpo, por serem irracionais. Peço que vosmecê esclareça essa inadmissível invasão visual à propriedade alheia, em acintoso desrespeito à privacidade individual. Para demonstrar meu empenho em preservar as referidas normas da boa vizinhança, envio-lhe por meio desta missiva algumas folhagens do meu cultivo diário. Caso aprecie, posso adicionar alguns limões – o pé está carregado.

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Prezada Senhora Mariana – Muito me ofendeu a missiva enviada por Vossa Mercê em 05/03, numa insinuação de impropriedade quanto aos limites das propriedades limítrofes. Tal ato não me ocorreria, uma vez que até lhe enviei mensagem de condolências quando do falecimento do vosso estimado esposo. Suas acusações são incompatíveis com meu estado de viúvo. Não disse que sua horta está, apenas insinuei que deve estar se beneficiando do adubo adicionado por minhas penosas. Retribuindo a remessa das verdosas, envio por meio desta alguns ovos colhidos no meu quintal. P.S. Os limões serão bem vindos.

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Carta vai, carta vem…Prezado Eleutério, Bati uma broa de fubá com os ovos que vosmecê me enviou, e devo admitir, as galinhas em livre circuito deram novo sabor à receita – um segredo de família. Carta vem, carta vai…Prezada Mariana, a torneira de seu tanque está pingando, um desperdício que devemos evitar, haja vista o alto valor das contas de água. Se a senhora me coar um café, levo a rapadura para adoçar e conserto a torneira. No aguardo…

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