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‘Hoje vivemos um verdadeiro faroeste na floresta’, relata gestora de RPPN

Impunidade tem aumentado tráfico de fauna silvestre, avalia Renata Bomfim, que pede debate sobre o tema na Assembleia

Instituto Reluz

“Na condição de gestora ambiental, como ultrapassar o mal-estar que leva à ânsia de vômito e transformar a revolta em ação?” A provocação indignada é da ambientalista Renata Bomfim, gestora da Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Reluz e presidente do Instituto homônimo, localizados em Marechal Floriano, região serrana do Espírito Santo.

Atravessada pelo Braço Sul do Rio Jucu, principal rio a abastecer a região metropolitana da Grande Vitória, a RPPN está incrustrada na região de maior concentração de pequenos fragmentos de Mata Atlântica do Estado, no município que tem a segunda maior cobertura percentual de remanescentes florestais (35% do território), atrás apenas de Sooretama (42%), na região norte, que sedia a maior parte da área da Reserva Biológica de Sooretama, unidade de conservação que, somada à contígua Reserva Natural da Vale, forma o maior fragmento de Mata Atlântica de Tabuleiro do País e é fundamental para sustentar a biodiversidade desse bioma, considerado um dos mais ameaçados e ricos do planeta, um hotspot.

Instituto Reluz

O aparente “paraíso natural tropical”, no entanto, se revelou, desde o início da aquisição da Reserva, em um grande desafio para Renata e o marido. “Assim que chegamos, percebemos que o caçador estava mais próximo do que imaginávamos. A presença de pessoas na floresta caçando, extraindo palmito e capturando pássaros não tinha nenhum tipo de freio”, conta, ressaltando, no entanto, uma grande vitória, em 2008, que foi o desmantelamento de uma quadrilha que vendia carne de caça para restaurantes, a partir da denúncia feita pela Reserva.

Ao longo de mais de uma década de trabalho de proteção, sensibilização e educação ambiental no entorno da RPPN e também nas instâncias legislativas do Estado e junto à sociedade civil, Renata observa que foi possível viver “uma queda paulatina dessas invasões na mata”, mas “de uns anos para cá a situação se reverteu”. Hoje, lamenta, “vivemos um verdadeiro faroeste na floresta. Não são raras às vezes em que ouvimos os tiros e nos sentimos, embora temerosos, impelidos a entrar na floresta para coibir os caçadores”.

Reprodução/Instituto Reluz

Praticante e militante do veganismo, Renata entende que “a retirada de animais silvestres do habitat natural é uma desumanidade que escancara o quanto ainda precisamos evoluir enquanto sociedade”.

Teia da vida

Além de toda a sua importância “na teia da vida”, os animais são seres sencientes, ressalta. “Ou seja, sentem, assim como nós, alegrias, tristezas, dores, pavor, medo, saudade, enfim, há que se ter empatia e respeito. Os animais também possuem as suas famílias, portanto, prender um pássaro em gaiola, por exemplo, além de ser crime ambiental, é alijá-lo do convívio com o bando, do acasalamento, do canto livre e feliz”, profere, destacando o Ravi, macaco-prego que vive na RPPN Reluz.

A respeito da Operação Aveas Corpus, deflagrada na última terça-feira (9) pela Polícia Federal, em conjunto com servidores do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) para reprimir a ação de uma organização criminosa especializada no tráfico de animais silvestres que atuava no norte capixaba e na baixada fluminense, a ambientalista comenta a dor profunda em saber do assassinato de mães macacas-prego para tráfico de seus filhotes.

Divulgação/Polícia Federal

“As macacas e os demais animais não entregam os seus filhotes de boa vontade para ninguém, ao contrário, lutam para defendê-los e, assim, são mortas pelos caçadores. Quem compra um filhote de animal silvestre, talvez não saiba que esse gesto alimenta o terceiro maior comércio ilegal do planeta, além de contribuir com a dor e a morte de muitos outros animais. Comprar um animal silvestre é sujar as mãos de sangue! É por isso que toda a sociedade precisa se engajar na causa ambiental e do bem-estar animal”, convoca.

Segundo a PF, o grupo investigado pela Operação existe há pelo menos 15 anos e somente no ano de 2020 foram capturados cerca de 55 filhotes de papagaios, o que os investigados consideraram uma temporada muito fraca, pois os números eram bem superiores no passado.

Impactos a longo prazo

“Esse número gera, ao longo do tempo, um grande impacto na procriação, comprometendo, de maneira significativa, a perpetuação de uma espécie que já é ameaçada da extinção”, destaca a Polícia, que estimou o impacto na redução no nascimento de papagaios, utilizando o número de 55 capturas: menos 4,2 mil aves em dez anos; 20 mil em 15 anos; e menos 86 mil aves na natureza em 20 anos.

Segundo a Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas), essa é a terceira maior atividade ilegal no mundo, atrás apenas do tráfico de armas e de drogas. No Brasil, é responsável pela retirada de 38 milhões de animais anualmente, 90% deles mortos antes de chegar às mãos do consumidor final, devido aos maus-tratos sofridos no caminho entre a floresta e a cidade. Estima-se que esse comércio ilegal movimente US$ 2 bilhões por ano no país.

“Pode parecer um contrassenso, mas estou certa que apenas os animais têm o poder de resgatar a nossa humanidade perdida. Cuide, cuide, cuide de um cão, ou gato abandonado, esses podem, pois são animais domésticos, mas defenda a liberdade dos pássaros, seja você o instrumento que lhes possibilitar cantar livres, defenda a árvore na calçada da sua casa. Acredito que esse é o único caminho possível para a luz do fim do túnel”, profetiza Renata.

Pedido de debate público

O pedido de debate sobre o assunto foi feito ao presidente da Comissão Permanente de Proteção ao Meio Ambiente e aos Animais, deputado Rafael Favatto (Patriota), mas ainda não foi atendido. A primeira resposta, informa a gestora ambiental, foi negativa.

“Proteger a floresta da ação de caçadores e traficantes só é possível com o apoio do poder público”, justifica, no pedido formal de inclusão da pauta nos debates da Comissão.

Operação Aveas Corpus

A Operação cumpriu 13 mandados de busca e apreensão, expedidos pela 1ª. Vara Federal Criminal de Colatina, noroeste do Estado, nos municípios de Vila Valério (5), São Gabriel da Palha (2), Nova Venécia (1), Águia Branca (1) e Magé/RJ (4).

Divulgação/Polícia Federal

As investigações se iniciaram após ação fiscalizatória realizada pelo Ibama e ICMBio, que resultou na prisão de pessoas que estavam de posse de oito filhotes de papagaio Chauá (espécie ameaçada de extinção) e de dois de seus ovos, capturados, possivelmente, no interior da Reserva Biológica de Sooretama ou em seu entorno.

Durante as investigações, foram identificadas ao menos outras oito pessoas que atuam em Vila Valério, São Gabriel da Palha, Nova Venécia e Águia Branca predando ninhos e capturando filhotes de aves de várias espécies. Esses caçadores, no período de nascimento de filhotes de papagaio (entre setembro e janeiro), coletam os filhotes das aves nos ninhos e os vendem a um intermediário no Espírito Santo. O intermediário repassa os animais para um grande comerciante de animais silvestres ilegalmente capturados na natureza que, a partir do Rio de Janeiro, envia os animais para outros estados do país.

Cada filhote de papagaio é vendido pelos caçadores por cerca de R$ 100. O intermediário os revende para o comerciante no Rio de Janeiro por R$ 150 e os animais são vendidos por até R$ 3 mil ao comprador final. A principal espécie de papagaio traficada pelo grupo investigado é o papagaio Chauá, mas também se verificou outras espécies, tais como a Maracanã-verdadeiro e a Maritaca.

Além das aves, a organização criminosa comercializa outros animais que tenham valor comercial. As investigações constataram a venda de macacos-prego (também ameaçado de extinção), coleirinhos, corrupiões, corujas e de filhotes de jacaré. No caso dos macacos-prego, apenas os filhotes eram capturados, uma vez que os animais adultos são muito agressivos. Para conseguir pegar os filhotes, os caçadores abatiam as mães.

A Operação foi batizada com o nome Aveas Corpus, numa referência ao habeas corpus –medida judicial que tem como objetivo a proteção da liberdade de locomoção do indivíduo, quando a mesma se encontra ameaçada ou restringida. “A Operação Aveas Corpus busca o mesmo, ou seja, garantir que as aves e outros animais silvestres permaneçam em liberdade, em seu habitat natural e longe de ameaças”.

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