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A resistência negra para além da sala de aula

Professor mostra nova perspectiva das lutas étnico-raciais com visitas a pontos históricos da Grande Vitória

Arquivo Pessoal

Com 15 anos de experiência em sala de aula, o professor de filosofia Gessé Paixão decidiu apresentar os conceitos de relações étnico-raciais de forma diferente aos alunos do ensino médio da Escola Irmã Maria Horta, em Vitória. Em uma disciplina eletiva, o educador tem desenvolvido projetos de visita a pontos históricos da Grande Vitória, mostrando o legado e a resistência do povo preto ao longo da história.

As atividades fazem parte da disciplina eletiva “Lado Negro da Força”, disponibilizada desde 2019 para os alunos da instituição. A matéria está baseada nas leis federais nº 10.639 e 11.645 que, entre outras coisas, tornam obrigatória a temática “História e Cultura Afro-Brasileira” nos currículos oficiais das redes de ensino.

“A intenção dessa disciplina é pautar o debate da educação e das relações étnico-raciais no ambiente escolar porque a gente tem uma ausência desse debate sistemático. O que se faz nas escolas é muito pontual, é em novembro, como se durante o ano essa discussão não tivesse relevância”, explica o professor.

Ao longo da disciplina, os alunos são expostos a conceitos e noções da educação para relações étnico-raciais. Além disso, para colocar em prática o que os estudantes aprendem em sala de aula, o professor mobiliza visitas a espaços históricos importantes na Grande Vitória.

A última atividade foi no dia nove de novembro, quando os alunos visitaram o Centro Histórico de Vitória, observando o legado da mão de obra não-branca para a construção e invenção da capital capixaba. “O que nós queríamos era apresentar a concretude disso e mostrar que é possível apresentar programaticamente essa vivência aos alunos e não só de forma pontual”, aponta o professor.

Arquivo Pessoal

Lucas Januário, de 17 anos, está matriculado na disciplina e participou da visita. Segundo ele, a programação foi diferente de todas as atividades que já tinha participado durante a trajetória escolar. “Quando ouvimos falar de visitas como essas, nos vem à mente algo supérfluo, algo que apenas nos livrará de obrigações escolares. Foi a primeira saída verdadeiramente pedagógica que tive em 17 anos”, relata.

Para o aluno, essa também foi uma oportunidade de ver o Centro de Vitória de uma outra forma, observando estátuas que nunca tinha notado e conhecendo a história dos monumentos. “Toda a nossa caminhada pela igreja, a subida pelas escadas, o palácio Anchieta e o museu do negro foram, de longe, experiências que não ficarão nas fotos, mas sim na memória, como reais aprendizados pedagógicos”, afirma.

A próxima visita será no dia 19 de novembro, quando os alunos conhecerão as ruínas da Igreja de Queimado, na Serra, palco da maior insurreição negra no Espírito Santo. Esse inclusive foi o tema da disciplina eletiva na última sexta-feira (12), quando os alunos puderam saber mais sobre os movimentos de resistência negra no Brasil e no mundo.

“Foi uma aula de preparação pra eles entenderem melhor esses movimentos. O Espirito Santo, muitas vezes, é colocado à margem desse processo, mas a luta dos negros no Espírito faz parte de um processo de luta no Brasil, na América Latina e no mundo”, destaca.

Os alunos também assistiram ao documentário Queimado – A luta pela liberdade, produzido pelo professor e produtor cultural na Serra, Rogério Morais. Lançado na quinta-feira (11), o filme retrata a revolta de Queimado e é justamente voltada para a exibição em salas de aula. Com depoimentos e encenações locais, o filme está disponível no Youtube.

Para Gessé Paixão, esse tipo de atividade faz com que, no processo formativo do estudante, se promova uma compreensão complexa e integral da história na qual ele está inserido. “Ele pode entender a realidade e o mundo a partir do jogo de forças e conflitos étnico-raciais que devem, sim, ser considerados. O estudante não pode olhar pro mundo da história, da política, da arte, da literatura sem ter essa compreensão estrutural”, enfatiza.

Arquivo Pessoal

 Apesar de se formalizar por meio da disciplina eletiva, essas discussões já estavam presentes entre os alunos por meio de coletivos e organizações estudantis mobilizadas por Gessé Paixão na escola Irmã Maria Horta.

“Se esse tipo de coisa fosse passado nas escolas desde muito tempo, talvez muito provavelmente a sociedade teria uma visão completamente diferente, podendo fazer até mesmo com que o racismo não fosse tolerado da forma que é hoje e não fosse tão invisível”, aponta Lucas.

Nesse processo, o que se tenta é contar uma história diferente daquela que sempre é contada nas salas de aula. Uma perspectiva que não é branca, mas afrocentrada. “A história oficial sempre foi a história dos dominadores. O nosso objetivo é fazer com que eles possam aprender a partir daquelas pessoas que o tempo todo resistiram e ousaram lutar pela liberdade”, declara o professor. 

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