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​A caverna do crime

O que encarcera é a ideia

Perto de atingir um milhão de encarcerados, o Brasil segue construindo presídios e sobrepondo penas a uma massa de pessoas jogadas de um lado para o outro, sempre excluídas, que não conseguem romper com as amarras do crime.

Dentro da reflexão filosófica radical, buscando as raízes do problema, posso perceber que o encarceramento acontece majoritariamente como consequência da busca de “desenvolvimento”, nos moldes propostos pela sociedade de consumo que vivemos. Um exército de homens, a maioria ainda meninos, envolvidos no crime como percurso de realização material e busca de visibilidade social.

Ao analisar os dados relativos à escolaridade dos encarcerados, é possível verificar que mais da metade adentra o sistema sem completar o Ensino Fundamental. Esse dado informa que muito precocemente ele deixou de ser visto e assistido pela sociedade, foi excluído e ninguém deu falta, não teve conselho tutelar ou qualquer outro órgão do Estado que o percebesse em seus direitos humanos básicos, como no caso, a educação.

Mas, para não ser leviano, ainda preciso aprofundar no caos; arrisco dizer que o motivo que o afastou da escola é o mesmo que hoje o põe no cárcere: a busca de bens materiais, na maioria das vezes para sustentação de si e da família, e a necessidade de pertencimento até mesmo cultural à sociedade em que vive.

Esse (não) encontro de si consigo mesmo no meio social culmina na apropriação de uma sociedade paralela, de regulamentos próprios em que ele se “educa” e presta contas daquela educação – a sociedade do crime. Nela os regulamentos são rígidos e inquestionáveis, mas o que é pior, são encarceradores. Posturas exigidas, ações e reações baseadas em “valores”, que rompendo com a sociedade moral, aumentam suas penas e eternizam a vida no crime e consequente cárcere.

Enquanto isso, por um lado a sociedade tenta ignorar todo o contexto e tem no cárcere o que entende por “merecido castigo” a quem violou suas regras, por outro lado, o sujeito do crime não encontra alternativas de vida que possam lhe abrir uma porta de saída daquele mundo e o cárcere não é mais que uma especialização no universo das gangues e facções criminosas a que ele ainda mais se compromete, seja por questões de segurança ou de ascensão, mas que acaba por direcioná-lo cada vez mais ao cárcere.

Frear essa bola de neve é necessidade premente e vital, mas para acontecer, é fundamental que o Estado seja moral e competente, compreendendo o encarcerado como um sujeito em que suas políticas fracassaram e com o qual tem uma dívida educacional e social. No tempo de encarceramento é que se coloca a oportunidade de vários acertos com esses sujeitos, mas para tal, é fundamental que deixe de representar castigo e se transforme num educandário, uma escola de tempo integral, com educadores valorizados em sua estrutura e uma educação direcionada à cidadania plena.

Durante o encarceramento, se tem a educação de qualidade que lhe faltou no tempo devido e o tratamento digno, o sujeito do crime pode romper com os valores equivocados que se apropriou e encontrar novas formas de se colocar na sociedade que possibilite encontrar um “seu lugar”.

Novas ideias para um novo começo.

Esse sistema, focado na educação, se mostra eficiente em vários países do mundo, reduz a reincidência e os custos para a sociedade, e é de conhecimento de todos.

A pergunta que não quer se calar é: por que teimamos na rota contrária?

Everaldo Barreto é professor de Filosofia

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