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Defensoria Pública do Estado oficia Carone sobre agressão a homem negro

Supermercado publicou vídeo e outra nota, em que tenta transferir responsabilidade a cliente que filmou o episódio

Reprodução

A Defensoria Pública do Espírito Santo (DPES) encaminhou ofício para o supermercado Carone, a fim de reunir informações sobre a agressão cometida por seguranças contra um homem negro que foi acusado de roubo. O envio do ofício foi feito por meio do Núcleo de Direitos Humanos, solicitando esclarecimentos, como os protocolos adotados pela empresa de segurança patrimonial e imagens do circuito interno de monitoramento, especificamente, da sala onde o homem foi mantido. Segundo a DPES, o caso chegou até a instituição por meio da Secretaria de Estado de Direitos Humanos (SEDH).

A repercussão da agressão também motivou a deputada estadual Iriny Lopes (PT) a protocolar na Assembleia Legislativa o Projeto de Lei 877/2021, que estabelece que cursos e escolas de formação de vigilantes, seja privadas ou públicas, “ficam obrigadas a incluírem em seus conteúdos de formação, uma disciplina ou módulo que aborde conteúdos de caráter antirracistas, como forma de combater e prevenir práticas de violência por estes agentes, contra a população negra”.

Nessa terça-feira (21), o Carone divulgou em suas redes sociais, junto a mais uma nota de esclarecimento, as imagens da Câmera de Videomonitoramento, que mostram a tentativa de furto de uma bicicleta pelo rapaz agredido e sua condução para o interior do estabelecimento pelo garagista. No vídeo, a narradora diz que “ele é conduzido de forma tranquila e calma pelos terceirizados para o acionamento da polícia”, sendo enviado para o administrativo.

Nesse momento, ela refere-se ao professor Demian Cunha, que divulgou o vídeo nas redes, como “cliente de camisa azul”, afirmando que começou a filmar e a “incitar o indivíduo detido e intimidar os terceirizados que o conduziam”. Diz ainda que ele promoveu “gritaria e xingamentos, chamando a atenção de todos ao redor”, além de “chutar a porta e agredir verbalmente”, fazendo com que o rapaz, ao ver que alguém o defendia, “se tornou extremamente agressivo, dificultando sua contenção para aguardar o acionamento e a chegada da polícia”.

Para Demian, as imagens reforçam a afirmação feita por ele a Século Diário, de que o rapaz somente resistiu quando foi agredido, já dentro do recinto para onde foi levado, não tendo reagido violentamente quando foi abordado. “A narrativa que eles fazem é de me responsabilizar, como se eu tivesse sido um agitador, como se eu tivesse feito escândalo e atrapalhado o trabalho da segurança”, aponta.

Embora o Carone afirme no vídeo que o rapaz foi enviado para o administrativo, Demian contesta. “Aquilo ali me parece um banheiro, é um ambiente escuro. Não é um ambiente onde você leva alguém para aguardar qualquer tipo de coisa. Não tem câmera, então não dá para dizer o que aconteceu lá dentro, fica a minha palavra contra a deles, pois se não tem registro imagético, não dá para falar”, reitera.

Sobre a acusação de ter xingado verbalmente os seguranças, Demian afirma que isso não aconteceu. “O guarda patrimonial travava a porta e eu pedia para ele abrir, dizendo que aquilo era errado, mas em nenhum momento eu xinguei. Tem uma parte que ‘ah, ele chutou a porta’. Na verdade, eu tentei abrir a porta com o pé, já que as minhas mãos estavam ocupadas. Eu estava com sacola nos dois braços e aí tentei no desespero abrir a porta com o pé”.

O Carone já havia divulgado uma nota na qual dizia que “conforme imagens do circuito de monitoramento, ao ser abordado por seguranças das terceirizadas do Carone Mall [que é o shopping, e não o supermercado], o mesmo [a vítima] resistiu”. O supermercado prosseguiu relatando que “nesse momento, além de resistir, inclusive chutando a porta, estava gritando muito, bem como agredindo os seguranças, alguns clientes se aproximaram e tomaram partido do acusado, ameaçando os seguranças para soltá-lo. Assim, antes mesmo da chegada da polícia, evitando maior tumulto, o rapaz foi liberado pelos terceirizados”.

Para o advogado André Moreira, que irá mover uma Ação Civil Pública (ACP) contra o Carone, além de acionar o Ministério Público do Espírito Santo (MPES), a divulgação feita nas redes sociais do supermercado trata-se de uma “confissão”. “Na primeira nota disseram que o rapaz era violento, que havia reagido agressivamente ao ser abordado, o vídeo mostra o contrário, que ele reagiu quando começou a apanhar”, pontua.

André destaca também que, independentemente de o recinto para onde o rapaz foi levado ser um banheiro ou sala administrativa, a conduta foi errada. “Não se pode levar ninguém para lugar fechado, só quem pode prender é a polícia, a segurança privada não é polícia privada. Eles podem dar voz de prisão, que coloca o ato em ação de flagrante, e acionar a polícia. Não podiam nem ter tirado o rapaz do local onde supostamente tentou cometer o furto, pois isso é alterar a cena do suposto crime”.

Para o advogado, a ação foi “amadora, despreparada, uma tentativa de invadir uma posição que é pública e de usurpação da função exclusiva da segurança pública”. 

Protesto

A Unidade Negra Capixaba marcou para esta quinta-feira (23), às 17h, uma manifestação contra o ato registrado no supermercado.

O integrante do grupo, Gilberto Campos, o Gilbertinho, informa que, durante o ato, serão feitas falas, manifestações culturais e performances. “Vamos mostrar nossa indignação com a violência praticada contra um homem negro e que contém todos elementos de crime de racismo”, diz, destacando que houve ainda crimes de tortura, cárcere privado e abordagem ilegal.

Outras entidades também já se pronunciaram. O Conselho Municipal de Direitos Humanos da Serra (CDDH) e o Conselho Municipal do Negro (Conegro) classificaram a situação como “violação de direitos humanos, abordagem violenta, preconceituosa e desrespeito à dignidade do cidadão, que foi exposto à situação agressiva, vexatória e humilhante”.

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