Oriundos do ES e outros 11 estados, futuros advogados querem mais equidade no injusto sistema fundiário brasileiro
Cerca de 50 estudantes, moradores de áreas rurais de doze estados diferentes, comemoram no próximo mês de março suas formaturas como bacharéis em Direito pela Universidade Federal de Goías (UFGO), graças ao apoio do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera).
Importante conquista para a vida privada de cada um deles, o feito representa também o fortalecimento de uma luta empreendida por muitas entidades e movimentos sociais, do campo e da cidade, que busca levar mais equidade ao injusto sistema fundiário brasileiro.
“Há uma carência, nos movimentos sociais, de pessoas da área jurídica. Que possam voltar pro seu território e lutar por direitos”, observa o capixaba Hugo Rocha de Sousa, morador do Assentamento Sezínio Fernandes, em Linhares, norte do Espírito Santo, um dos formandos da Turma Fidel Castro, como ele e os colegas se autodenominaram. “Já iniciamos o debate sobre criar uma comissão de direitos humanos dentro dos movimentos”, conta.
Os estudos começaram em 2016, após o vestibular de 2015, e foram conduzidos no formato da Pedagogia da Alternância, onde os estudantes intercalaram três meses na universidade e três meses em suas casas e comunidades. Durante o primeiro ano da pandemia, em 2020, as aulas foram suspensas. “Muitos alunos não tinham internet em casa, então decidimos suspender para todos, pra ninguém ficar prejudicado”, conta. Em 2021, foi possível retornar e concluir o curso em dezembro.
“O acesso à terra é um direito constitucional, que proporciona uma melhoria considerável da qualidade de vida das pessoas e é benéfico pra toda a sociedade”, pondera o futuro advogado, citando o aumento da produção de alimentos saudáveis como um dos avanços fundamentais da redução do êxodo rural proporcionada pela reforma agrária e pelo acesso, pelas comunidades do campo, a bens fundamentais como educação de qualidade. “Não fosse o Pronera a gente não teria conseguido concluir o curso de Direito”, afirma.
Militante do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e casado com a filha de um assentado, Hugo já cursava Educação do Campo quando decidiu aproveitar a oportunidade do curso de Direito proporcionada pelo Pronera. “É uma luta que a elite procura inviabilizar. Mexe muito com a estrutura oligárquica”, afirma, com a segurança de quem vive o dia a dia da luta social no campo e que viu turmas de Direito anteriores a sua sofrerem tentativas de fechamento por setores do agronegócio.
A Fidel Castro é a segunda turma de Direito apoiada pelo Pronera na UFGO, universidade que formou a primeira legião de mulheres e homens do campo dedicados a iniciar uma carreira jurídica. Depois da experiência goiana, surgiram outras também em Feira de Santana e Salvador, na Bahia, Paraná e Pará.
E foi justamente a pioneira quem venceu a ação judicial movida pelo Ministério Público Federal de Goiás pedindo seu fechamento, sob argumento de que “não cabia ao Pronera financiar cursos de Direito, porque não é uma área profissional para camponesas e camponeses”, relata Hugo.
A turma teve a honra de ter a aula inaugural proferida pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Eros Roberto Grau, em agosto de 2007. Em carta publicada na Terra de Direitos em 2009, relatou que “desde o momento em que iniciamos o curso, somos alvo de ataques promovidos por sujeitos contrários à presença de trabalhadores e trabalhadoras rurais na universidade pública. Fazendo tudo isso de forma não menos violenta do que a utilizada para defender a grilagem e a concentração da terra”.
Em sua defesa, afirmou que “mais relevante do que discutir se o ofício de um bacharel em direito é ou não desenvolvido no campo, [é] observar com mais sensibilidade o quanto todo seguimento segregado pela estrutura social vigente, respectivamente, o trabalhador e a trabalhadora rural, necessita de forma concreta do profissional da área jurídica”.
Quedas no orçamento
Vencida a batalha judicial, foi preciso suplantar uma guerra administrativa, onde o orçamento do Pronera sofreu seguidos cortes após o golpe de 2016, até se tornar quase inexistente às vésperas da formatura.
Na audiência pública promovida pela Câmara dos Deputados em outubro de 2019 – com participação de organizações como o Fórum Nacional Popular de Educação, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Confederação Nacional dos Trabalhadores em Agricultura (Contag), Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrário (Incra) e União Nacional das Escolas Famílias Agrícolas – foram apresentados os dados gerais do orçamento do Pronera, mostrando que ele saiu de R$ 39 milhões em 2006, teve picos de R$ 71 e R$ 70 milhões em 2008 e 2009, caindo para apenas R$ 3 e R$ 6 milhões em 2018 e 2019.
“Nessa audiência o representante do Incra disse que um orçamento que manteria as turmas do Pronera funcionando deveria ser em torno de 30 milhões. Os anos de 2016 e seguintes ficaram todos abaixo desse montante”, conta Hugo.
Na UFGO, a Turma Fidel Castro e seus apoiadores promoveram uma série de ações para se manter, incluindo campanhas de doação de alimentos e cozinha coletiva para garantir alimentação, parcerias com a Igreja para cessão de alojamento, reorganização da logística de passagens e doações em dinheiro por parte dos movimentos, associações, sindicatos, cooperativas e outras organizações parceiras, como o Levante da Juventude, Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), Movimento Camponês Popular (MCP).
Para ajudar
O encontro final dos estudantes está marcado para os dias 24 a 27 de março de 2022, na Cidade de Goiás, onde haverá um seminário contando a história do Pronera e da Turma Fidel Castro. Quem quiser colaborar pode fazer doações de qualquer valor. Seguem os dados:
Nome: Pollyanna Ferreira da Silva Xavier
Instituição: Banco do Brasil
Agência: 0277-1
Conta Poupança: 510021399-6
PIX: 00446951102
Contato da equipe de formatura: (62) 99987-7563 – Kaio Samuel.