Nota do Conselho Nacional de Educação expõe contradição entre as visões política e científica no Brasil e no ES
“O retorno presencial às aulas e atividades educacionais deve ser a prioridade do país em relação à educação nacional de todos os níveis, considerando os déficits de aprendizado constatados desde o ano de 2020. No entanto, é absolutamente necessário adotar providências, ainda que temporárias e de curto prazo, para garantir a segurança das comunidades escolares, estudantes, professores e funcionários, suas famílias e do conjunto da sociedade inclusiva”.
Essa é, textualmente, a principal recomendação feita na Nota de Esclarecimento do Conselho Nacional de Educação (CNE), assinada pela presidente do colegiado, Maria Helena Guimarães de Castro, na última quinta-feira (27).
A abertura do texto ressalta que a motivação para a produção da Nota está no “acirramento da Pandemia da Covid-19” que, no tocante ao “fluxo do calendário escolar do ano de 2022”, enseja a implementação de “ações preventivas ao aceleramento rápido da nova onda de contágio”, afirmando que “deve ser oferecido atendimento remoto aos estudantes de grupo de risco ou que testem positivo para a Covid- 19”.
O comunicado é direcionado a todos “os sistemas e redes de ensino, bem como às instituições públicas e particulares, de todos os níveis, etapas e modalidades de ensino que tenham necessidade de reorganizar as atividades escolares, acadêmicas ou de aprendizagem em face da possibilidade de suspensão temporária das atividades escolares ou acadêmicas”.
A nota diz que “os sistemas de ensino estabelecerão critérios para a tomada de decisão acerca da necessidade de suspensão temporária da presencialidade” e que, a partir desses critérios, “nas localidades onde a intensidade do contágio da Covid-19 for classificada em nível elevado pelas autoridades sanitárias competentes (…) [os sistemas e redes de ensino] poderão decidir pelo adiamento da volta às aulas ou pela continuidade de oferta de aprendizado remoto, até que seja constatada a queda de contágio e a consequente normalização do atendimento dos serviços de saúde, especialmente no que tange ao tratamento dos casos de Covid-19”.
O CNE destaca ainda a necessidade de serem “especificamente planejadas as atividades das escolas indígenas, quilombolas, do campo e de ribeirinhos, considerando suas características próprias, o respeito a suas culturas e políticas de superação, das dificuldades de acesso, bem como as de jovens e adultos em situação de privação de liberdade, atendidas a legislação e normas pertinentes”.
Encerrando as recomendações, o Conselho reafirma “a necessidade premente de retorno à presencialidade das atividades de aprendizado (…) bem como a permanente obrigação [dos sistemas, redes e instituições públicas ou particulares de ensino] de zelarem pela segurança e manutenção da saúde da comunidade escolar e do conjunto da sociedade inclusiva”.
Comentando as recomendações em sua conta no Twitter na noite de sexta-feira (28), o secretário de Estado da Educação, Vitor de Angelo, disse considerar “muito sensata a nota de esclarecimento do Conselho Nacional de Educação sobre o ano letivo de 2022. O CNE reforça a possibilidade de atividades remotas, quando necessárias, em função da pandemia. Mas recomenda o retorno urgente às atividades presenciais”.
Horas antes, na tarde de quinta-feira, o secretário de Estado da Saúde, Nésio Fernandes, havia tuitado que “até os poucos países que adotaram acertadamente a ‘estratégia Covid zero’ caminham para atualizar suas políticas, após ampla cobertura. Os indicadores de pressão assistencial e mortalidade é que determinam a necessidade de amplo fechamento das atividades sociais e econômicas”, em meio a uma série de postagens defendendo a reabertura do ano letivo no dia três de fevereiro, 100% presencial para 100% dos estudantes do ensino fundamental e médio.
“Covidários escolares”
Numa análise sobre a “segurança e prioridade” enfatizadas na Nota do CNE, oposta a dos gestores públicos capixabas, o médico e neurocientista Miguel Nicolelis ironizou a postura enviesada dos políticos brasileiros: “Virou mantra: tem que abrir escolas de qualquer forma. Mesmo que se transformem em covidários”, disparou.
E, dialogando com a citação feita pelo secretário de saúde aos países que foram mais restritivos em relação a medidas qualificadas para atividades econômicas e sociais, o cientista, um dos 100 brasileiros mais influentes do mundo, disse que “ninguém cita o que está acontecendo no Reino Unido e outros países europeus onde abertura das escolas mandou dezenas de milhares de crianças de volta para casa infectadas”.
Na sequência da postagem, disse que “mais de 450 mil crianças [cerca de 5% do total] faltaram as aulas em 20 de janeiro na Inglaterra. Mais de três quartos destas por terem se infectado com COVID nas escolas. Em quase um quarto das escolas, mais de 15% dos professores não conseguiram ir trabalhar por estarem infectados por Covid”. Ausência que pode parecer pequena, ressaltou, mas que “foi em apenas um dia! E a previsão é que continue aumentando!”. No Brasil, alertou, “o cenário será muito pior”.
Na mesma linha de alerta, a doutora em Epidemiologia, professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e pesquisadora da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, Ethel Maciel, chamou atenção para “as ferramentas para o controle da pandemia” disponíveis no Brasil, mas que carecem de implementação: “teste na saliva no SUS [Sistema Único de Saúde] para crianças; PFF2 para trabalhadores da educação e outros serviços essenciais; medicamentos efetivos para tratamento da covid e acessíveis no SUS; Autotestes no SUS; Vacinas para todos com campanhas efetivas para adesão; Ampliação de testagem no SUS- Antígeno e PCR”.
Ao analisar o conteúdo da Nota do CNE, a doutora em Educação e professora da Ufes, onde coordena o Laboratório de Gestão da Educação Básica (Lagebes), Gilda Cardoso, afirma que “a questão é como os sistemas e as escolas estão garantindo não só a presença, mas a segurança e manutenção da saúde da comunidade escolar. É disso que trata a nota do CNE. É prioridade retomar o presencial, desde que garantida a segurança das pessoas”.
Quais são os indicadores de segurança?
Sobre o fato de que o Conselho delega aos sistemas de ensino a definição dos indicadores que irão embasar a identificação de cenários críticos que exigem restrição às aulas presenciais, Gilda ressalta a necessidade de que o governo do Estado torne públicos esses indicadores. Citando o twitter do secretário de saúde, a educadora pergunta a partir de quais percentuais de “pressão assistencial e mortalidade” será acesa a luz amarela ou vermelha?
“Tem uma argumentação muito rasa que as crianças já estão socializando nas férias, sem aulas. Sim, e os casos de Covid pediátrica aumentaram. A pergunta que fica é: com o contato diário e em espaços inadequados, com 100% dos alunos esses casos de Covid pediátrica não tendem a aumentar? E no caso dos professores, a imunização completa, inclusive com dose de reforço, não garante que estejam livres de se contaminar. Embora o número de óbitos e hospitalização tenha diminuído, as sequelas de qualquer Covid variam de organismo. Parece que agora a ômicron virou ‘gripezinha’. E não se compara bares, shopping, colônia de férias, praça com escola”, ponderou a coordenadora do Lagebes.
E sublinhou: “a saúde de cada criança, de cada docente, de cada funcionário (terceirizado ou não) no ambiente escolar que é uma instituição de responsabilidade dos poderes públicos (federal, estadual e municipal) é de responsabilidade desses poderes”.
Sobre prioridade da Educação, Gilda Cardoso é taxativa: “É com investimento em infraestrutura e foco em prioridades que se faz uma boa gestão. O problema não é escola aberta ou fechada. O problema e reduzir o debate a isso!”. Entre o discurso e a fala, infelizmente está havendo uma grande distância: “se o governo quisesse realmente as escolas abertas com segurança em fevereiro, conforme o planejado, deveria ter sido mais criterioso em dezembro e janeiro ao liberar festas, bares, aglomerações em praias e turismo”.
Passaporte vacinal
Entre as famílias associadas à Associação dos Pais de Alunos do Espírito Santo (Assopaes), as manifestações predominantes são no sentido de aguardar o prazo de quinze dias após a segunda dose da criança ou do adolescente para o início das aulas presenciais. É nesse sentido que a entidade está oficiando as secretarias municipais e Estadual de Saúde e as promotorias do Ministério Público Estadual (MPES), para que incidam sobre o governo do Estado de forma a permitir que as famílias procedam essa medida de segurança.
A Portaria nº 20-R, da Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), publicada em edição extra do Diário Oficial de sexta-feira (28), definiu o dia 15 de março como a data em que começará a ser cobrado o passaporte vacinal das idades pediátricas, conforme Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19 (PNO), exigindo a primeira dose desse público.
Como e quando voltar às aulas em 2022 no Espírito Santo?
https://www.seculodiario.com.br/educacao/como-e-quando-voltar-as-aulas-em-2022-no-espirito-santo