Com um pouco mais de um mês de formada, a Guarda Municipal de Cariacica já se envolveu em um caso de violência contra uma pessoa negra e periférica. No início da tarde dessa terça-feira (1), agentes abordaram o MC e educador social Feijó, no bairro Vasco da Gama, e o agrediram, torcendo seu braço, jogando-o no chão, além de algemá-lo e levá-lo para uma delegacia em Campo Grande, com o argumento de desacato.
A ação dos agentes foi filmada por um amigo de Feijó. No vídeo, o MC fala para a Guarda: “vocês estavam me tirando, passaram por mim em Jardim América quase parando”. Em entrevista a Século Diário, o jovem relatou que tinha sacado dinheiro em um banco nesse bairro e, quando os agentes o viram, reduziram a velocidade da viatura, quase parando, mas prosseguiram. “Acredito que não me abordaram ali porque havia muita gente na rua”, diz.
O MC recorda que, cerca de 500 metros mais para frente, já no bairro Vasco da Gama, encontrou os agentes fora da viatura, que ao avistá-lo, o abordaram. “Fizeram isso de forma ríspida. Mandaram eu encostar no carro, levantar o braço. Mexeram na minha pochete, mas eu falei que eles não podiam fazer isso, que eu tinha que abrir minha pochete e mostrar para eles, e não os guardas abrirem, pois não sabia o que eles poderiam colocar ali”, afirma.
Posteriormente, narra Feijó, um deles começou a torcer seu braço e outro abriu a porta de trás da viatura, fazendo com ficasse assustado e corresse até o restaurante de um amigo, por ser um lugar mais movimentado. Os guardas correram na direção de Feijó, continuando a abordagem violenta na frente do restaurante, dando uma rasteira nele, mas dessa vez a ação foi filmada pelo dono do estabelecimento.
No vídeo, é possível ver o MC no chão, algemado. Ele fala “afrouxa isso aqui, por favor”, referindo-se às algemas, e prossegue dizendo “tá apertado aqui, tá doendo”. Diz ainda: “sou artista, acabei de sacar meu cachê ali, R$ 500,00”. Um agente questiona por qual motivo Feijó tem medo da Guarda, e recebe a seguinte resposta: “porque tenho medo de ser assassinado, vocês são autoridade que mata preto e pobre”.
Ainda na filmagem, um agente afirma que não havia flagrante de nada, mas “agora tem crime de resistência”. A vítima buscou esclarecer a Guarda de que a abordagem foi ilegal, destacando que só poderia ser abordado se fosse suspeito de algo, entretanto, um dos agentes falou: “você não vai ensinar nosso trabalho”.
Posteriormente, Feijó foi levado para a delegacia, em Campo Grande, onde narrou a violência sofrida, sendo encaminhado para o Pronto Atendimento (PA) de Alto Lage para fazer exames e verificar se havia ferimentos. “Cheguei algemado. Pessoas que conheço e estavam lá me viram assim. Um usuário do PA reclamou que era a segunda vez que eles paravam o serviço para atender gente presa, eu fui confundido com um detento”, lamenta Feijó.
O MC retornou para a delegacia, mas ao chegar lá encontrou militantes do Movimento Negro e integrantes do bloco AfroKizomba, do qual faz parte, que souberam do ocorrido por meio do vídeo, que circulou nas redes sociais. “Eu me senti mais seguro por saber que tem pessoas por mim e que não estou sozinho, que não mexeram somente comigo, mas também com muita gente”, diz.
Ele informa que acabou não sendo acusado de nada e que o delegado afirmou tratar-se de um caso de racismo estrutural, causado pela forma como os agentes de segurança pública são treinados, portanto, uma questão institucional, não sendo possível responsabilizar os guardas envolvidos.
“Acho injustiça, mais um caso de agressão, de intolerância, que não dá em nada. Não aconteceu nada pior, porque a Guarda Municipal de Cariacica não tem porte de arma. A Segurança pública tem perseguição contra gente preta, da periferia, trata como inimigo do Estado. Se foram feitos para nos proteger e agem dessa forma, quem vai proteger a gente deles?”, questiona.
Feijó afirma que irá procurar assessoria jurídica para que o caso não fique impune. “Estou com medo de sair de casa. Estou na casa de uma amiga, pois estou com medo de ficar sozinho na minha”, aponta, destacando ainda que fará, nesta quarta-feira (2), exame de corpo de delito.