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Ciganos de Cariacica ganham cadeira no Conselho de Igualdade Racial

Ireny Maria de Jesus irá representar a comunidade cigana, que ocupa assento no conselho pela primeira vez

O Conselho Municipal de Igualdade Racial de Cariacica conta, pela primeira vez, com representação da comunidade cigana. Moradora há um ano e meio na comunidade cigana do bairro Moxuara, a dona de casa Ireny Maria de Jesus assumiu uma cadeira no conselho, em uma gestão que começou no final de janeiro e terá duração de dois anos. Além da comunidade do Moxuara, a cidade conta ainda com as dos bairros Bubu, Campo Verde e Santo Antônio.

Elizabeth Nader

Ao todo, são 13 famílias ciganas. A inclusão da representação desse povo se deu após realização do “Mapeamento dos Povos e Comunidades Tradicionais do Município de Cariacica”, feito por meio da Gerência de Igualdade Racial da prefeitura, um trabalho colaborativo que envolveu pesquisadores do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade Federal do Espírito Santo (Neab-Ufes), representantes de movimentos sociais e lideranças do município.

O Mapeamento aponta que existem em Cariacica pelo menos 10.950 pessoas pertencentes a alguma comunidade tradicional. Os dados consideram ciganos, povos de matrizes africanas, pescadores e marisqueiros. Ireny acredita que sua representação no conselho pode auxiliar a comunidade cigana na concretização de direitos. “A gente vai ter mais liberdade para correr atrás das necessidades do nosso povo, como o acesso à saúde”, diz.

Ela relata que ainda existe muito preconceito contra os ciganos. “Quando a gente vai vestido de cigano nos lugares, todo mundo olha atravessado. Quando a pessoa volta para o mesmo lugar, mas com uma vestimenta diferente, é tratada de outra forma”, afirma.

Outra história narrada por ela foi sobre o dia em que esteve no supermercado e, no caixa, ouviu de uma pessoa que o dinheiro que utilizava para pagar as compras era “dos outros”, insinuando que era roubado. “Eu fingi que não ouvi. Às vezes é melhor ignorar”, recorda.

A dona de casa destaca que, em Cariacica, a principal dificuldade no acesso à saúde é em relação aos serviços odontológicos. No que diz respeito às demais áreas da saúde, ela afirma que hoje, em virtude do trabalho da Gerência de Igualdade Racial, que tem sensibilizado os equipamentos públicos em relação ao atendimento da comunidade cigana e buscado garantir seus direitos, a situação já diferente.
“Me conhecem, tratam bem, me dão um abraço, mas é preciso lutar para que isso não mude e avance mais”, afirma. Ireny manifesta ter se sentido surpresa ao ser escolhida para compor o conselho. “Essa surpresa se chama valorização. Ela é acolhedora, sabe receber, pontua as coisas com exatidão. Os ciganos precisam ter representação para trabalhar a política apropriada para a comunidade. Ela, mais do que ninguém, pode falar de que forma vive e do que precisa”, considera o gerente de Igualdade Racial de Cariacica, Sandro Cabral.
Além de Cariacica, somente Vila Velha e o Governo do Estado têm Conselho de Igualdade Racial.
Mapeamento
O “Mapeamento dos Povos e Comunidades Tradicionais do Município de Cariacica” foi realizado entre 23 de janeiro de 2020 a 26 de março de 2021, dividido em duas partes. Primeiro, os pesquisadores se propuseram a localizar os povos tradicionais do município, identificando como estão distribuídos no território e conhecendo a trajetória de vida das lideranças, suas narrativas e o seu quantitativo.
Em seguida, foi feito um levantamento socioeconômico dessas comunidades, analisando aspectos como Moradia; Trabalho, Emprego e Renda; e Política Assistencial Pública e Saúde.

Segundo o pesquisador da Universidade Federal do Estado (Ufes) e mestre em Ciências Políticas, Iljorvanio Silva Ribeiro, os resultados encontrados, a partir de entrevistas feitas com 290 pessoas, impactam diretamente na condição de sobrevivência desses povos e de sua reprodução cultural. É o caso dos povos ciganos identificados no município.

“Foram identificadas condições de abandono e de invisibilidade com que essas famílias sobrevivem, há décadas, em relação ao poder público como, por exemplo, inacessibilidades aos direitos básicos como o de saúde, alimentação e de cidadania. A escassez de alimentos nas barracas é uma realidade cotidiana para muitos deles e se acentuou durante o período da pandemia do coronavírus”, aponta.
Já entre os povos de matriz africana, o que se identifica é o aumento da violência sofrida tanto dentro quanto fora das comunidades e territórios. As violações relatadas também incluem situações de discriminação e intolerância religiosa.

“Essa mesma violência pode ser traduzida em inúmeros casos narrados pelos entrevistados no que tange aos muitos ‘não acessos’ sofridos cotidianamente por esses povos: não acesso às políticas de incentivo cultural, não acesso aos recursos naturais do território que ocupam e do qual dependem para sua reprodução cultural (como cachoeiras, rios, praças e matas), não acesso ao direito de registrar os seus centros ou terreiros, e outros tantos ‘não acessos”, declara.

A falta de acesso também se estende às demais comunidades mapeadas. Os relatos dos 89 pescadores e marisqueiros do município que participaram das entrevistas revelaram um contexto de marginalização dessas comunidades, privadas de serviços de infraestrutura básicos como rede elétrica residencial, água encanada, pavimentação de ruas, rede coletora de esgoto, iluminação pública de qualidade e serviço de coleta de lixo eficaz.
Iljorvanio enfatiza que o descaso com a natureza também tem um impacto direto na vida desses grupos que dependem dela para sobreviver. “A transformação dos rios em canais receptores de esgoto doméstico, a poluição das marés e as frequentes invasões imobiliárias nas áreas de manguezais constituem-se como ameaças diárias ao exercício cultural dessas comunidades”.
Além desses três grupos registrados e entrevistados, o mapeamento identificou uma comunidade com 150 famílias de pomeranos, concentrados próximos aos bairros Itapemirim e Santa Cecília, e duas famílias remanescentes de quilombos, na região de Roda D’água, área rural de Cariacica. “Devido à pandemia, a idade avançada das lideranças e a condição de saúde fragilizada com que se encontravam, optou-se por pesquisá-las em momento mais oportuno pós- pandemia”, explica o pesquisador.

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