Comunidades atingidas de Areal e Entrerrios alertam sobre contaminação se espalhar por alagados, até chegar ao mar
Um vazamento de óleo foi identificado na manhã desta terça-feira (15) por moradores de Areal, em Linhares, norte do Estado. O primeiro ponto de contaminação apontado pela comunidade foi uma área de alagado próximo à estrada para a vila de Regência, na foz do Rio Doce. Animais já foram atingidos pelo óleo, ao atravessarem o local. Há temor de que o material se espalhe pelas lagoas e veredas, alcançado o rio Preto e, posteriormente, o Rio Doce, podendo também chegar ao mar.
Acionados por populares, os órgãos ambientais e a Imetame – empresa que adquiriu os chamados “poços maduros” da Petrobras – se dirigiram ao local para atuar na contenção do fluido fóssil. As causas e os prejuízos também estão sendo levantados.
Areal é uma comunidade formada por descendentes de índios botocudos ao norte de Regência, vilarejo que faz limite com a Reserva Biológica (Rebio) de Comboios, ao sul. Próximo a ela, a comunidade de Entrerrios também foi atingida.
“Meus animais passam todo dia para Areal. As vacas já estão com as tetas sujas de óleo, os cavalos também já se sujaram. Falei com a empresa, tem que limpar os animais. Amanhã os bezerros têm que mamar, como vai ser? Vão tomar leite com óleo, com petróleo?”, relata o agricultor e criador Célio Fernandes, de Entrerrios.
Ele acredita que já existam 200 a 300 metros de área alagada contaminada pelo óleo. A vegetação já foi atingida e a correnteza, aponta, está levando a poluição em direção aos rios Preto e Doce. “A empresa de contenção ainda não chegou. Só tem um caminhão sugador da Petrobras, mas não adianta, tem muita água da enchente”, afirma.
Analistas ambientais do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) lotados na Rebio Comboios acompanham os trabalhos da empresa contratada pela Imetame para tentar sugar o óleo da água. E aguardam também as providências do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema), responsável pelo licenciamento ambiental da atividade de exploração de petróleo da Imetame no local.
“Estamos acompanhando os trabalhos para avaliar se houve impacto na zona de amortecimento da reserva e tomar as providências necessárias”, afirma o chefe da Rebio Comboios, Antonio de Padua Almeida. Até o momento, complementa o analista ambiental, não se sabe se o material derramado é petróleo extraído do fundo da terra pelos “cavalinhos” da Imetame ou se é óleo diesel usado no maquinário da empresa no local.
Base Lagoa Parda
Em nota pública, a Imetame Energia informou que o vazamento teve início por volta das 9h desta terça-feira, na Base Lagoa Parda, e que o volume estimado até o momento é de 5 a 7 m³. o produto vazado, afirmou, “foi oriundo de uma linha de injeção de água oleosa”.
As ações de mitigação informadas são: “caminhões sugadores e brigada de emergência da Imetame, atuando na contenção da dispersão do óleo. A empresa Ambipar foi acionada para dar suporte às ações de controle e mitigação”. Além disso, “também está sendo disponibilizado transporte para apoiar a comunidade na realização da travessia na área afetada”.
Já o Iema informou que tem uma equipe de fiscalização no local, “para avaliar os impactos”.
Tragédia anunciada
O risco de vazamentos de óleo e suas terríveis consequências são tratadas de forma pouco humanizada – e, portanto, realista – nos licenciamentos ambientais das atividades de exploração de petróleo. O alerta foi feito em Século Diário em janeiro de 2020 pelo geógrafo Francismar Cunha Ferreira, ao apresentar conclusões de uma pesquisa feita no âmbito de sua tese de doutorado no Laboratório de Estudos Urbano-regionais, das Paisagens e dos Territórios (Laburp) da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), coordenado pelo professor Cláudio Zanotelli.
Inicialmente movido a analisar dados econômicos da atividade porto-petrolífera no Espírito Santo, o geógrafo foi surpreendido com o grau de invisibilidade que as comunidades localizadas nas áreas de interesse para exploração sofrem por parte das empresas que confeccionam os relatórios de impacto ambiental. Um dos mapas produzidos (abaixo) sobrepõe as áreas de exploração de petróleo, as comunidades tradicionais e as áreas de proteção ambiental no litoral capixaba.
“As comunidades ficam sabendo dos empreendimentos pela mídia, não há diálogo. Os empresários negam a existência das comunidades”, destacou Francismar, alertando ainda que “a situação pode ser ainda mais agravada em função da política atual de privatização dos campos onshore da Petrobras”, referindo-se aos campos maduros vendidos pela Petrobras a partir de 2017 em leilões realizados pela Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
“Muitas dessas comunidades têm seus territórios feridos por poços de exploração e produção, pela implantação de gasodutos e oleodutos”, disse. Entre as estruturas instaladas para essas atividades, estão: dezenas de bombas de vareta de sucção (bombas cavalo-de-pau), centenas de quilômetros de gasodutos, sete estações coletoras, três terminais de movimentação de produtos, duas Unidades de Tratamento de Gás (UTGs), duas estações de compressão, uma base de apoio aéreo para embarque e desembarque de trabalhadores para as plataformas no aeroporto de Vitória e apresenta uma Unidade de Operação (UO-ES) da Petrobras. No mar, tem-se mais de 400 km de gasodutos e a presença de sete plataformas de produção de petróleo e gás, sendo seis controladas pela Petrobras e uma pela Shell.
A ONG Federação dos Órgãos de Assistência Social e Educacional (Fase) também já fez vários alertas sobre o passivo socioambiental da atividade petroleira, tendo inclusive organizado protestos durante os leilões, no Rio de Janeiro.
Sociobiodiversidade
Na região do vazamento de óleo da Imetame, há várias outras comunidades tradicionais e importantes pontos de conservação da biodiversidade, incluindo florestas e restingas, com alta biodiversidade e elevado grau de ameaça. No litoral, algumas das mais importantes áreas de desova de tartarugas marinhas.
Inserida na Planície Costeira do Rio Doce, a região ainda tão cobiçada para a exploração petroleira também é alvo de projetos de portos e outras atividades industriais. Simultaneamente, inúmeros estudos, acumulados ao longo de décadas, mostram a necessidade de maior proteção legal dos ecossistemas e toda a diversidade cultural que vive ali. Entre elas, a de um parque natural municipal na restinga arbórea a oeste de Regência.