Empresa vencedora de edital é criticada por executar projeto de muralismo sem dialogo com a comunidade
A Associação de Moradores do Centro (Amacentro) divulgou, nessa quinta-feira (17), uma nota de protesto na qual demonstra sua insatisfação com “a série de atropelos” envolvendo um projeto de muralismo oriundo do Edital de Chamamento Público nº 004/2021, de Intervenção Artístico-Urbana da Lei Aldir Blanc, nas linguagens Grafite e Pintura Mural, promovido pela Secretaria Municipal de Cultura (Semec).
O projeto, que prevê o valor de R$ 192 mil para a intervenção em cerca de 2 mil m² de muros, é executado pela empresa Cores Que Acolhem Produções Culturais, Projetos e Consultoria Eireli.
Segundo a Amacentro, a primeira reunião aberta com a comunidade sobre esclarecimentos a respeito do que estava previsto no edital foi em primeiro de dezembro de 2021. “Na ocasião, ao invés de articular quais seriam os próximos passos, apresentar o cronograma das reuniões com os moradores e escutar suas sugestões (principalmente para a pintura na escadaria da Igreja do Rosário), a empresa apresentou um formulário de pesquisa com uma listagem previamente definida e que já estava sendo executada e sem identificação de localidade das pessoas que preencheram o referido questionário”, diz a nota.
Na mesma reunião, os representantes da Amacentro conta que fizeram uma série de pedidos e recomendações, entre eles, revisão da metodologia de pesquisa, com reavaliação do formulário e sua listagem de temas, se possível, sem repetir imagens de bens históricos que já existem no Centro; enfoque maior nos moradores do Centro; e consulta a especialistas em história, artes, patrimônio e outras áreas, como previsto no edital. Também foram solicitadas a apresentação prévia dos croquis para sugestões e aprovação; inclusão de moradores na equipe de pintura; e não priorização das crianças, em detrimento à participação de artistas na realização das pinturas.
“Até a presente data, nada do que foi firmado nesta reunião foi levado em conta e a empresa, de iniciativa intempestiva, começou as pinturas, ao menos em alguns painéis na Rua Graciano Neves, e não há qualquer indicação de que haverá acolhimento da opinião dos moradores”.
A Amacentro recorda que “esses atropelos vêm na sequência de uma sucessão de equívocos”. Um deles o fato de o formato do edital ter sido questionado no Conselho Municipal de Política Cultural, mas sem acolhida do secretário municipal de Cultura, Luciano Gagno. “Ainda, e mais grave, foi questionado que o resultado final foi alterado pelo mesmo secretário, passando por cima da avaliação da banca de seleção, dando o prêmio ao Cores que Acolhem, que havia ficado em segundo lugar e entrado com recursos”, pontua na nota.
A entidade diz reafirmar sua posição de diálogo com a empresa. “Solicitamos a apresentação dos croquis, assim como dos especialistas em História e Cultura envolvidos na formulação de todo o projeto que será realizado em nossa comunidade, pois julgamos parte do diálogo necessário previsto no edital em seu tópico ‘6.1 c’. Entendemos que o trabalho deva ser realizado por artistas com experiência comprovada em Grafite e/ou Pintura Mural”, defende.
Polêmica
A primeira polêmica envolvendo o Edital de Chamamento Público nº 004/2021 foi em setembro passado,
quando o Sindicato dos Artistas Plásticos Profissionais do Espírito Santo se queixou de as artes visuais não terem sido contempladas de forma ampla. Na ocasião chegou a ser organizado um abaixo-assinado online para que o edital fosse revisto e, também, como forma de alertar a gestão municipal sobre como conduzir os próximos editais no que diz respeito ao segmento dos artistas plásticos.
O questionamento, na época, considerou que o edital contemplava somente a arte de rua.
Dois meses depois, artistas de Vitória, em uma página criada nas redes sociais, apontaram falhas no processo de construção, pleito e avaliação do certame, destacando problemas como imprecisões no processo avaliativo e até alteração das notas de uma das equipes por parte do secretário Luciano Gagno.
De acordo com as denúncias, uma equipe com 39 artistas foi a vencedora inicial do certame, mas teria sido colocada em segundo lugar após uma avaliação do gestor da pasta. Questionada pela equipe que tinha vencido inicialmente, a prefeitura alegou que Luciano Gagno teria feito a reavaliação das notas após analisar o portfólio das duas concorrentes, mesmo com o grupo escolhido fora dos objetivos do edital. A equipe selecionada pelo secretário também teria se inscrito fora do prazo previsto, como apontam as publicações.
O resultado final foi publicado no Diário Oficial no dia 16 de novembro, reavaliando a nota da equipe que estava em segundo lugar em mais de nove pontos, sem nenhuma explicação sobre os critérios de mudança. “A nota da concorrente foi reavaliada para 80 pontos, vencendo o certame, e a nossa nota permaneceu a mesma da primeira avaliação”, relataram os artistas.
“O secretário se sobrepõe à comissão julgadora na análise final, alterando a nota da concorrente com base na análise dos portfólios dos artistas que fazem parte daquela equipe (…) Respeitamos a trajetória artística dos envolvidos, no entanto, trata-se de portfólios de ilustração e design, e outro de pintura em telas. Nenhum dos artistas apresentou nenhuma experiência com o objeto do edital”, destacaram na ocasião.
O certame previa uma contemplação única de R$ 192 mil, o que desde o início era apontado como um equívoco, por descumprir o principal propósito da Lei Aldir Blanc, que é dar assistência aos artistas durante a pandemia do coronavírus.
“Se tratando de uma lei emergencial, criada em um contexto pandêmico, onde toda a classe artística foi afetada, a ideia principal dessa lei é amparar os artistas que estão com seu meio de sustento comprometido. Em uma análise inicial, consideramos que apenas uma premiação com esse valor não democratiza o recurso”, acrescentaram nas redes sociais.
Foi com o intuito de distribuir esse valor que o coletivo que tinha ganhado o certame decidiu reunir 39 artistas para concorrer ao edital. De acordo com as denúncias, o recurso encaminhado pela equipe concorrente, escolhida por Gagno, estava cercado de ataques. “Um dos nossos integrantes mandou um áudio e trechos dos recursos do concorrente em grupos de graffiti, contando sobre os desleais ataques e o que estávamos passando, nós e a rede de artistas articulados pelo projeto”, pontuaram.
Antes dos ataques da empresa concorrente, o coletivo estava com 78,48 pontos, enquanto a outra 71,65, uma diferença de sete pontos. “Dois dias antes da divulgação do resultado no Diário Oficial, recebemos uma ligação direta do gabinete da Secretaria de Cultura nos parabenizando por ter ganho o edital e convidando para participar de uma solenidade e assinar o termo de compromisso. Ficamos no aguardo da comunicação oficial”.