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​A verdade da verdade

Só a história revela a verdade

As relações humanas, que para muitos podem parecer trivial, me parecem ser o grande desafio de nossa vida. Conciliar com o outro – inferno para Sartre – frente à necessidade de convivência do animal político – o “zoon politikon” de Aristóteles – não é simples e, infelizmente, nem mesmo harmonioso.

O outro incomoda, rompe a comodidade minha comigo mesmo. Essa relação consoante, de acordo fácil, passa a enfrentar o confronto, precisa se justificar, ser coerente, pelo menos se apoiar em bases anteriores de compreensão e aceitação, para um mínimo de plausibilidade. Mas também esse conceito é uma construção coletiva o que não garante a concordância geral, mas de uma maioria, que por algum motivo, geralmente apoiado numa relação de poder, se impõe.

Vale refletir que nem sempre a verdade estabelecida significa coerência ou acerto. Na obra de Michel Foucault – A verdade e as formas jurídicas – o filósofo faz um apanhado histórico das formas sociais de se chegar à verdade. Na transcrição de sua oratória, uma vez que essa obra reproduz cinco conferências e uma mesa redonda realizada por ele, aqui no Brasil, em maio de 1973, podemos aprender que a verdade estará sempre ligada às relações de poder, o que acaba, efetivamente, descredenciando qualquer construção coletiva de verdade.

Observe, leitor atento, que essa relação humana cresce para além da relação de um sujeito com o outro e se fortalece ainda mais nas instituições, que são compostas por pessoas, construindo e montando sua estrutura, compondo seus regulamentos e produzindo seu funcionamento, o que potencializa a construção de uma verdade ainda maior por ser institucional, mesmo tendo sido criada para servir às pessoas.

No Brasil desgovernado que vivemos, esse problema é cotidiano e se utiliza de todos os meios possíveis para a tarefa de construção de verdades, indo da utilização das mídias televisivas e seus compromissos, passando pelo ingresso das religiões e, principalmente, das redes sociais nesse tabuleiro.

De resultado temos um país transitando pela contramão dos interesses de sua população e fomentando um acirramento das discordâncias políticas que, a todo momento, leva à divisão e fomento da intolerância. Um exemplo disso está na manutenção de tantas “verdades” criadas, mesmo depois de desmascaradas com a revelação dos arranjos políticos e econômicos que resultaram na prisão de Lula e impeachment da Dilma.

Em suma a verdade nos alcança pronta, sua construção firma-se no processo histórico que atende aos interesses que envolvem as relações de poder e de controle social.
Subordinados à verdade como força moral e jurídica que direciona nossas vidas, comportamentos e, em grande feita, molda ou aponta nosso olhar sobre o mundo e as coisas, nos resta a inquietação e a desconfiança.

A vigília dentre as entrelinhas.

A verdade de que temos um inimigo em comum, que vale morrer por uma causa, que Deus está acima de todos e não ao lado, ou até mesmo de que os bonzinhos vão para o céu e os malvados para o inferno, dentre tantas outras, tanto pode aflorar e resgatar da lama uma ideia velha que se nos apresenta como nova e gera uma energia em movimento de retrocesso, como também pode promover uma grande revolução. Por fim, somente a história revelará, em seu tempo, a intensão utilitária de todas as verdades. Infelizmente quando isso ocorre o estrago já foi feito e, as consequências suportadas são o filho feio, que como sempre não tem pai.

O que vale é a desconfiança, a possibilidade da dúvida, enfim a Filosofia; por que a verdade é uma invenção sem direitos autorais, ninguém assina, mesmo com copyright.

Everaldo Barreto é professor de Filosofia

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