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Criança autista tenta suicídio por sofrer bulling na escola

Menino está internado em Vila Velha. Ele ingeriu 45 comprimidos de Depakeni e disse para a mãe que “agora poderia descansar”

Uma criança autista de dez anos tentou suicídio na tarde dessa quinta-feira (24), após uma semana de intenso sofrimento por bulling sofrido na escola. Ao chegar em casa depois da aula, o menino tomou banho, como a mãe pediu, e então ingeriu 45 comprimidos de Depakeni, medicamento controlado que ele faz uso à dose de uma pílula por dia. Em seguida, disse para a mãe: “Agora você pode descansar e eu também”. 

O caso aconteceu na Serra, de onde a criança foi levada até uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA). “Em quinze minutos ele já estava na UPA sendo atendido. A médica disse que essa rapidez foi muito importante para salvar a vida do meu filho”, conta a mãe J.N, identificada aqui pelas iniciais. “Eu quero morrer, não aguento mais, não aguento mais a escola, ninguém gosta de mim, ninguém me ama” foram frases ditas dentro da unidade de saúde, relata. 

Depois, a família foi levada para um hospital público de Vitória, onde passaram a noite, na enfermaria. Na manhã desta sexta-feira (26), conseguiram transferência para outra unidade pública, em Vila Velha, onde o tratamento será continuado com profissionais de neuropediatria e neuropsiquiatria. 

Muito abalada, J.N conta que, horas antes do ocorrido, a pedagoga da escola municipal de ensino fundamental onde seu filho estuda havia ligado para ela dizendo que o menino estava muito agitado e agressivo e recomendando mais atenção sobre seu comportamento quando chegasse em casa. 

“Ele estava reclamando de bulling na escola há duas semanas. Converso com ele todos os dias. falo: ‘calma, paciência, é assim mesmo’. Na quinta-feira passada [17] eu entrei em contato com a pedagoga pedindo ajuda. Ela me acolheu, conversou comigo. Depois fizemos uma reunião na terça-feira [22] com todos os pais de filhos com deficiência. Saí muito satisfeita, confiante que seria um bom ano na escola para o meu filho, como foram os outros”, conta. Dois dias depois, no entanto, a tragédia. 

“Ele estava muito nervoso a semana inteira. E na quinta-feira, surtou na escola. Algum aluno disse que ele é burro, ou feio. A pedagoga pegou ele, tentou acalmar, mas ela disse que ele estava muito nervoso, dizendo que não aguentava mais e que ia se matar”. 

J.N diz que o filho sempre escutou muitas piadas em outras escolas. Pelo autismo e pelas manchas que tem na pele, cicatrizes de uma queimadura que quase o matou aos nove meses de idade. “Queimadinho” é um apelido que o filho sempre ouviu muito. “Eu sempre falo para ele: ‘quando te chamarem assim, diz que você é um milagre’. Porque ele é um milagre! Ele quase morreu com nove meses. E agora de novo”, emociona-se a mãe.

Ela conta que o filho tem diagnóstico de autismo, deficiência intelectual, Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) e Transtorno Opositor Desafiador (TOD). Os medicamentos diários incluem Sertralina, Risperidona, Ritalina e Depakeni. 

Um dia após o pedido de socorro à pedagoga da escola, na última sexta-feira (18), ela havia feito uma consulta com a até então neuropediatra do filho, no Hospital Infantil de Vitória, que alertou sobre retrocesso no quadro de saúde dele e o risco de surtos, e pediu para que a mãe também cuidasse de si, porque sabia como estava sendo difícil para ela lidar sozinha com aquela situação. A médica informou também que seu contrato de trabalho havia sido encerrado e que ela não iria mais atendê-lo ali. 

Logo após a consulta, J.N se dirigiu ao Palácio Anchieta para participar da reunião entre o coletivo Mães Eficientes Somos Nós, o governador Renato Casagrande (PSB) e os secretários de Estado da Saúde e da Educação, Nésio Fernandes e Vitor de Angelo

Não reunião, a mãe relatou o desespero de não ter um profissional na escola que amparasse seu filho nas atividades sociais e pedagógicos, e também não ter os médicos especializados que o filho e ela mesma precisam. “Com o governador, eu disse o que a psiquiatra me falou, do agravamento do meu filho, da necessidade de eu ter acompanhamento médico também. É muito problema para mim, vou surtar uma hora também”, chora. 

Na gravação da reunião, disponibilizada nas redes sociais do coletivo, que também publicou o caso da tentativa de suicídio, como mais um protesto e alerta, é possível ouvir sua súplica sobre as demandas de saúde da família: “Governador, como é que eu vou fazer? Eu não tenho renda nenhuma, vivo do BPC [Benefício de Prestação Continuada] do meu filho! Ele está sem médico! O que eu vou fazer quando os remédios do meu filho acabarem? Quando as nossas crianças surtam dentro de casa, a gente não tem pra onde correr. Vocês não sabem como é doloroso ver uma criança gritando querendo chamar atenção e você não ter o que fazer”. 

Na escola, a mãe conta que o filho não precisa de cuidador, porque consegue ir sozinho ao banheiro e se alimentar. Mas precisa de uma professora que o auxilie nas atividades e também a lidar com o bulling. No campo da saúde, além dos especialistas, o precisa de terapia continuada, para apoiar seu desenvolvimento cognitivo. “Ele só toma os medicamentos, mas não faz terapia, não tem psicólogo”. 

Ela própria, complementa, também precisa de ajuda. “Eu preciso de médico, psicólogo, terapeuta, uma rede de apoio, para saber lidar melhor com essa situação toda”, roga. 

Ao lado do filho, no hospital, J.N conta que o estado é estável e que o risco de parada cardiorrespiratória e morte está sendo reduzido. A fé em dias melhores a mantém de pé. Dias melhores para sua família e de tantas outras mães de crianças com deficiência. “Tem muitas mães em situação muito pior que a minha. A gente precisa de ajuda”, pede.

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