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Associações da Foz do Rio Doce repudiam ‘ato covarde’ de mineradoras e Renova

Em carta de repúdio, atingidos do crime da Samarco/Vale-BHP pedem pagamento do AFE e contratação de assessoria técnica

“As pessoas e famílias que vivem e dependem do Rio Doce, das lagoas e outros corpos hídricos da Foz do Rio Doce, vêm por meio desse repudiar com veemência o ato covarde das empresas Samarco, Vale e a australiana BHP, que através da Fundação Renova e sem apresentar nenhuma alternativa de renda ou resposta oficial da recuperação do nosso rio, está cortando o AFE [Auxílio Financeiro Emergencial] e agora exigindo documentos que não existem, como a lista do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), para que os ribeirinhos e pescadores possam comprovar sua existência enquanto profissionais, as perdas de renda, fazendo o recadastramento dos mesmos”. 

Esse é um dos trechos da Carta de Repúdio assinada por oito organizações sociais da Foz do Rio Doce e encaminhada aos órgãos de Justiça que tratam da defesa dos direitos dos atingidos pelo crime da Samarco/Vale-BHP em 2015 – Defensorias Públicas do Espírito Santo e da União (DPES e DPU) e Ministérios Públicos Federal e Estadual (MPF/ES e MPES) –, ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que coordena o processo de repactuação junto com os estados do Espírito Santo e Minas Gerais; ao Comitê Interfederativo (CIF), responsável por aprovar e fiscalizar as ações e programas de compensação e reparação dos danos socioambientais da tragédia; e à 12ª Vara Federal de Minas Gerais. 

No documento, as associações ressaltam que a decisão de fazer um novo corte no pagamento do AFE – já houve um há um ano e, antes, outras tentativas de reduzir os pagamentos aos atingidos – está em curso desde novembro passado, “durante a pandemia e as férias do Judiciário”. Dinheiro, acentuam, que é “a única renda, hoje, de muitas famílias que dependiam diretamente do Rio Doce”. 

A situação ficou ainda mais trágica após três enchentes seguidas sofridas na região durante este verão, “depois de seis anos sem a recuperação do Rio Doce”. Águas “que trazem à tona todo o rejeito de minério que está no fundo e nas margens da calha do Rio Doce, deixando nossas casas, quintais e terras cheios de minério, peixes contaminados, sem laudos que comprovem a qualidade da água dos peixes”, descrevem. 

Sem alternativa

“Estamos sendo esmagados, estão nos tratando como bandidos, exigindo documentos que não existem, de famílias que não têm outra alternativa de renda. Principalmente os pescadores mais velhos estão sendo mais prejudicados. Tem pescador passando necessidade sem poder trabalhar e agora sem o auxílio financeiro”, relata Andrea Aparecida Anchieta, pescadora profissional em Povoação e presidente da Associação de Turismo de Povoação do Rio Doce Condutores Sumaré, uma das entidades que assina a Carta de Repúdio ao lado da Associação de Pescadores de Regência (Asper), Associação Comercial e Agroindustrial de Regência (ACR), Associação de Moradores de Regência (Amor), Associação dos Moradores e Amigos de Povoação, Associação dos Pescadores e Assemelhados de Povoação (APAP), Associação Cultural de Povoação e Comissão de Atingidos de Povoação. 

A suspensão dos pagamentos está sendo feito mediante a exigência de novos documentos, como “Declaração de Imposto de Renda (de quem sempre foi isento de declarar ou que não tinha o conhecimento em fazer tal declaração), Nota fiscal e documentos contábeis de antes de 2015, para ribeirinhos, agricultores, pescadores e comerciantes das comunidades ribeirinhas que sempre trabalharam informalmente dentro de um arranjo produtivo da economia de base comunitária”.

Exigências que não são direcionadas “não a quem tem denúncia de fraude”, mas sim de “atingidos que continuam no Programa de Indenização Mediada (PIM), aprovado pelo Conselho Interfederativo (CIF)”. 

No PIM, os pagamentos são definidos por grupos produtivos e dispensam presença de advogados. Os valores de indenizações e AFE, explica a Carta, foram aprovados em 2018/2019 pelo CIF a partir da Matriz de Danos com base nas informações que foram levadas por estudos e entrevistas nos anos 2016 e 2017 pela Fundação Renova, onde “seus técnicos visitaram nossas casas, mediram nossas terras, lacraram nossas embarcações e redes, fotografaram nossos materiais de pesca (barco, remo, motor, rede, anzol, freezer, isopor) além dos documentos que tínhamos”.

Contraditoriamente, acentuam as organizações signatárias, “durante a pandemia, a Fundação Renova criou junto aos advogados as Comissões de Atingidos e o Sistema Novel – para acordo pela Justiça – para quem não possuía documentos comprobatórios, que segue pagando milhares de pessoas sem comprovação da atividade, sem laudo, ou outro tipo de visita e comprovação de atividade”. 

Nesse período de proliferação das novas comissões de atingidos – denunciadas como fraudulentas pelo MPF – “nós passamos a pandemia inteira recebendo ligações, assédio moral e abordagem da Fundação Renova para aderirmos a este sistema [Novel]”. 

Reivindicações 

São oito pontos reivindicados: restabelecimento do pagamento do AFE; retomada do pagamento dos valores de indenização correspondentes às perdas do Lucro Cessante de 2021 dos distintos grupos produtivos, sem cláusula de quitação total e definitiva; volta do programa “Pescador de Fato”, para auxílio e indenização dos pescadores não profissionais; indenização das pessoas da cadeia produtiva da pesca; designação de três juízes em regime de colegiado para desafogar os milhares de processos que foram concentrados na 12ª Vara, garantindo a Justiça; criação de uma Ouvidoria ligada aos órgãos públicos (CIF e Judiciário) para receber e rever acordos já assinados, garantindo os direitos dos verdadeiros atingidos, penalizando os oportunistas; respostas sobre a qualidade da água, do pescado produzido e consumido pelos ribeirinhos e os impactos à nossa saúde; contratação das Assessorias Técnicas dos atingidos e não de comissões de advogados que só se preocupam na indenização e suas comissões. 

“Se tivéssemos assessoria técnica teria mais respaldo e força pra exigir nossos direitos. A maioria de nós não sabe nem ler”, observa Andrea.

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