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Indígenas e quilombolas se unem para cobrar reparação do crime Samarco/Vale-BHP

Jacqueline Moraes, vice-governadora, articula reunião com Casagrande e inclusão da Assessoria Técnica de Degredo na negociação 

Comunidades indígenas e quilombolas capixabas, atingidas pelo crime da Samarco/Vale-BHP, organizam uma assembleia geral conjunta para reivindicar seus direitos no processo de reparação e compensação dos danos socioeconômicos e ambientais. A previsão é de que o grande ato seja realizado ainda neste mês de março. 

“Os indígenas estão unidos com os quilombolas do norte do Estado para rever o processo indenizatório junto às empresas responsáveis. Faremos uma grande assembleia dos povos tradicionais para reivindicar nossos direitos negados”, reforça Douglas Silva, presidente da Associação Indígena Tupiniquim e Guarani (AITG), que envolve as doze aldeias das duas etnias, localizadas em Aracruz.

No centro das reivindicações, a contratação de uma assessoria técnica independente, conforme previsto no Termo de Ajustamento de Conduta da Governança (TAC-Gov) homologado em 2018 e, desde então, descumprido sistematicamente pela Fundação Renova, que ainda centraliza a execução dos programas de reparação e compensação estabelecidos no Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) firmado em 2016 pela União, governos e empresas criminosas. 

“Sem assessoria técnica, a Renova faz o que quer com a gente. Falei isso com o Dr. Mario de Paula [juiz da 12ª Vara Federal, responsável pelo julgamento das ações referentes ao caso]: ‘Fomos negociar com a Renova de joelhos, vendendo nossos direitos por migalhas’. Eu fazia parte da Câmara Técnica dos Povos Tradicionais, vi tudo isso acontecer”, relata Altiane Brandino, o S. Pipi, liderança quilombola na comunidade de São Domingos, em Conceição da Barra. 

Em paralelo à organização da assembleia geral, as comunidades também aguardam realização de uma reunião com o governador Renato Casagrande e as mineradoras. A missão foi assumida pela vice-governadora, Jacqueline Moraes (PSB), em visita às comunidades no dia cinco de fevereiro, ao lado do secretário estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos, Fabrício Machado.

Divulgação/Gov ES

“Nosso compromisso é pautar uma reunião com o governador e as empresas, para ver a possibilidade deles conversarem diretamente com a associação de Degredo, que já conseguiu a compensação de mais de R$ 42 milhões através de negociação direta em Linhares e Aracruz”, afirma a vice-governadora. 

A entidade a que ela se refere é a Associação dos Pescadores e Extrativistas e Remanescentes de Quilombo de Degredo (Asperqd), que tem os moradores da própria comunidade como coordenadores e ocupantes de alguns de seus quadros técnicos. Foi a primeira e até agora a única assessoria técnica contratada no Espírito Santo e tem mostrado a importância da assessoria para a garantia dos direitos dos atingidos.

“Nosso objetivo é sensibilizar as empresas no sentido de dialogar com quem executa mais rápido, que é a associação dos quilombolas de Degredo”, ressalta Jacqueline Moraes, afirmando que a reunião está na pré-agenda do governador para meados de abril.

Assessoria Técnica

A busca, sublinha Douglas Silva, é por isonomia para todos os povos tradicionais atingidos, tendo como referência o trabalho feito em Degredo. Entre as comunidades indígenas, conta, somente um membro de cada família recebeu indenização, ficando de fora todos os demais geradores de renda, ou seja, pessoas com mais de 18 anos, incluindo filhos e cônjuges dos indenizados. 

Outra ausência é em relação a 39 dos 42 impactos do crime da Samarco/Vale-BHP identificados no Estudo do Componente Indígena, contratado pela própria Renova. Até o momento, somente três impactos foram indenizados com o lucro-cessante e auxílio financeiro emergencial (AFE): pesca, agricultura de subsistência e artesanato. 

Pagamentos, acentua o presidente, que só foram feitos mediante aceitação, pelos atingidos, da “quitação geral” dos danos, cláusula apontada como ilegal pelas Defensorias Públicas estaduais e da União (DPES e DPU) e Ministério Público Federal (MPF)

Nesse momento, relata, o Programa Básico Ambiental (PBA), que deveria apontar o detalhamento e a forma de implementação das reparações de todos os 42 impactos, está paralisado, pois a empresa contratada inicialmente pela Renova saiu e a nova empresa tende a ser contratada sem, novamente, ouvir a comunidade. 

“O programa de retomada econômica ainda não foi implementado. Ele deveria substituir o AFE, mas a Renova já cortou”, denuncia. Outros programas, elenca Douglas, estão relacionados aos impactos ambientais, incluindo projetos de criação de peixes e mariscos, restauração da fauna e flora aquática…além de programas para mitigar impactos sociais, como construção de campos de futebol e quadras esportivas, que reduzam o vazio deixado pela impossibilidade de continuar usando os rios que cortam a Terra Indígena, além de projetos na área de saúde. 

A revisão do processo de reparação também precisa restaurar a organização interna das lideranças indígenas. “A Renova comprometeu a organização da Comissão de Caciques. Fez muita pressão e os caciques se viram numa situação de aceitar o que ela colocava ou então não teríamos nada. Os caciques foram obrigados a aceitar”, relata, como testemunha viva do processo, já que integrava a Comissão na época. 

“A Renova está desarticulando todas as organizações indígenas. A comunidade está insatisfeita com a Comissão de Caciques e os caciques explicam que foram pressionados pela Renova”, lamenta. 

‘Vivemos pela graça de Deus’

Em São Domingos e demais comunidades quilombolas de Conceição da Barra e São Mateus, o reconhecimento como atingidos ocorreu somente em 2020 e a implementação das medidas de reparação e compensação sequer aconteceu. 

“A gente vivia da agricultura, do peixe, do caranguejo. Hoje não temos nada, nossa vida virou um terror. Se consegue pegar um peixe, ele tá tudo mole. Rio São Domingos, rio Itaúnas…não temos recurso nenhum, por isso estamos pedindo essa indenização. Conceição da Barra e São Mateus, tudo recebendo, e nós aqui, nada”, suplica S. Pipi. 

A própria água que chega às comunidades quilombolas também está imprópria. “Hoje nem nossa água presta. A gente bebe para sobreviver, porque não tem jeito. Mas ela está com gosto ruim. O brejo morreu, os peixes morreram por falta de oxigenação. A gente joga água na horta e as plantas morrem tudo”, conta. 

“Vivemos com a graça de Deus”, suplica. “E com esse refugo de eucalipto, que a Suzano [ex-Fibria e ex-Aracruz Celulose] ainda perturba a vida da gente”, aponta, referindo-se aos processos de criminalização, por parte da empresa, dos quilombolas que se dedicam à atividade de coleta, queima e venda dos galhos de eucalipto.

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