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A Cultura de Vitória grita: ‘Nós vamos reivindicar o que é nosso’

Artistas e mobilizadores culturais foram às ruas protestar contra desmonte e descaso da gestão Pazolini

Leonardo Sá

Ao som de tambores e música, que se misturavam com palavras de ordem, artistas e articuladores culturais de Vitória ocuparam a entrada da sede da prefeitura nessa terça-feira (15), denunciando o desmonte e descaso com as políticas do setor no município. A manifestação saiu do bairro Jesus de Nazareth, com uma caminhada até a sede do Executivo, em Bento Ferreira. “Nós vamos reivindicar o que é nosso”, avisavam os manifestantes.

O “Grito da Cultura”, nome dado ao ato, teve também o objetivo de entregar uma carta à gestão de Lorenzo Pazolini (Republicanos), cobrando pendências urgentes, como a Lei Rubem Braga, o fechamento de equipamentos de atendimento à juventude, e a falta de interesse do município em investimentos no setor

“Nossa cidade virou pelo avesso desde que o atual prefeito foi eleito. Hoje, o nosso grito é pela cultura, pelas comunidades que são atingidas direta ou indiretamente com essa falta de política pública (…) Nós, fazedores de cultura, entendemos que a arte salva vidas, que a cultura salva vidas, então precisamos, sim, nos manifestar e mostrar cada vez mais nosso repúdio dessa gestão”, ressaltou a mobilizadora Crislayne Zeferina.

Leonardo Sá

Vestido de palhaço, o conselheiro de cultura, Carlitos Cachoeira, entrou na sede da prefeitura para tentar protocolar a carta, mas seguranças informaram que os funcionários do setor já tinham ido embora. O documento foi protocolado online.

Carlitos ocupa a cadeira circense no Conselho Municipal de Cultura e percebe esse descaso de perto. Uma das reivindicações do colegiado é o esclarecimento sobre a Lei Rubem Braga, que enfrenta entraves na gestão Pazolini. “É a lei de 2019 que está sendo executada agora, enquanto isso, ficou 2020, 2021, já estamos em 2022, e nada!”.

Leonardo Sá

Uma liminar da Justiça já determinou que o município retome os procedimentos da lei de incentivo, prosseguindo com a execução dos projetos relativos ao edital de 2020, além de alocar recursos e planejar a publicação do edital da edição 2021. Carlos afirma que o caso vai ser pauta da próxima reunião do conselho, no dia 22 de março, já que o processo parou na Procuradoria do município.

“Infelizmente, o gestor [secretário de cultura Luciano Gagno] não aparece nas reuniões, ele está fugindo (…) O conselho é fiscalizador e deliberativo, mas eles não acatam nossas decisões, nossos questionamentos. Ultimamente, estão apresentando um projeto já pronto e a gente só vai ali dar crítica, mas falam que não pode ter nenhuma alteração substancial, então somos só um quadro de exposição”, denuncia.

No caso da Lei Rubem Braga, a decisão da Justiça veio após a Associação Brasileira de Juristas Pela Democracia (ABJD) entrar com uma Ação Civil Pública (ACP) contra a Prefeitura de Vitória e a estagnação do projeto. Em fevereiro, o município até assinou os Termos de Incentivo para repasse financeiro de convocados em 2020, mas o lançamento de um novo edital, alvo da ação judicial, ainda segue sem previsão.

Leonardo Sá

Os protestos na tarde desta terça-feira também mostraram que os artistas clamam por políticas de juventude, que, segundo eles, parou no tempo. Um dos exemplos é a Casa da Juventude de São Pedro. Após a prefeitura decidir não renovar o termo de colaboração com o Instituto de Desenvolvimento Social Bem Brasil, responsável por atender mais de 150 jovens no local, as atividades passaram a ser desenvolvidas por servidores da Secretaria de Cidadania, Direitos Humanos e Trabalho (Semcid).

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“Eles fecharam a casa por um dia e, a partir disso, nós começamos a gritar, mostramos resistência, e aí colocaram pessoas sem instrução política para dentro da Casa da Juventude. Você percebe que há uma dificuldade de entender essa pauta. Hoje, a gente tem um coordenador de juventude que, se você perguntar sobre o Plano Municipal De Juventude, ele não sabe dizer, porque não está familiarizado com a pauta”, aponta Crislayne Zeferina.

Sofia Iothi, de 16 anos, é escritora, poetisa e integrante do movimento Slam. Ela conta que, por atuar em escolas, percebe a dificuldade de levar a cultura da periferia para esses ambientes. A artista também denuncia o sucateamento de espaços voltados para a cultura, como o Núcleo Afro Odomodê, que é uma preocupação dos artistas durante a gestão Pazolini.

“Cada dia, a gente vê que está com menos verba. É um núcleo para a juventude preta. É um núcleo que fala sobre a gente. Eu, como mulher preta, me sentia muito fortalecida naquele espaço. Aí os eventos foram diminuindo, nós vimos os cortes. Não precisa estar dentro da organização para você perceber. Eu já estive lá dentro e a gente vê esse sucateamento”, ressalta. 

Leonardo Sá

Problemas de gestão para gestão

Presente no ato, o ex-vereador de Vitória Roberto Martins (Rede) disse que os problemas com a gestão da cultura em Vitória começaram na gestão anterior da prefeitura, comandada por Luciano Rezende (Cidadania), e continuam durante a gestão Pazolini. Para o munícipe, que também é professor, a falta de valorização da cultura é uma perda não só para os artistas, mas para toda a cidade.

“Vitória perde a sua alma. Porque a cultura alimenta a nossa alma. Alguém já disse que não só de pão viverá o homem, né, e na pandemia ficou mais do que nunca demonstrado o quanto nós dependemos da cultura. A gente fica muito triste quando vê um teatro como o Carlos Gomes fechado, quando vê os nossos artistas desamparados, sem emprego, quando vê a prefeitura perdendo verba estadual que poderia ser transferida para esses artistas”, pontua.

Esta foi outra pauta da manifestação. Articuladores culturais não engoliram o fato de a Capital do Estado ter ficado de fora do Programa de Coinvestimento Cultural (Fundo a Fundo), criado pela Secretaria de Cultura do Espírito Santo (Secult). Vitória não está entre os municípios aprovados para receber o investimento do Executivo Estadual, que dobra o valor dos recursos destinados à cultura nas cidades capixabas.

Leonardo Sá

“Segundo eles, teve falta de documentação, mas que documentações são essas? É a pergunta que a gente faz, porque o município sempre esteve apto a receber recursos do Estado. É realmente falta de documentação ou é uma briga política? E, se é uma briga política, por que o povo tem que estar no meio dessa briga?”, questiona Crislayne Zeferina.

A vereadora Karla Coser (PT) protocolou um pedido de informação questionando os motivos que fizeram a Capital ficar de fora do programa. Presente no ato, ela destacou que esse dinheiro é fundamental para quem vive de cultura na cidade de Vitória. “
O pedido da cidade de Vitória, o grito, é por socorro. A cultura passou por dois anos dificílimos por conta da pandemia, está precisando se reinventar nesse momento, e a prefeitura tem que se antecipar a esses problemas e criar soluções”, enfatiza.

Para Camila Valadão (Psol), falta planejamento. A vereadora destaca a falta de um Plano Municipal de Cultura que chegue nas periferias e nos equipamentos culturais já instalados no município.

“A pergunta é, qual o plano da gestão de Pazolini para a cultura de Vitória? São ações isoladas, pontuais, de pintura de muro em um ou outro lugar? Defendemos que Vitória tenha uma política de cultura permanente, com ações, iniciativas e objetivos. Vitória tem artistas completamente capacitados e qualificados para executar, em parceria com o poder público, um plano de cultura que amplie o acesso da cultura à população da nossa cidade”, enfatiza.

Leonardo Sá

Carta conta com 60 organizações

A carta protocolada na prefeitura elenca sete preocupações mais críticas para os fazedores de cultura em Vitória. O documento, assinado por 60 organizações capixabas, exige a escolha de gestores com conhecimento do setor, reivindica o cumprimento integral da Lei Rubem Braga, pede a investigação do edital de artes visuais da Lei Aldir Blanc, questiona a não adesão ao programa Fundo a Fundo, defende a criação de uma comissão de organização do Carnaval, grita pelo fim da repressão a manifestações culturais, e cobra garantias de reabertura de equipamentos de juventude fechados. 

O Edital de Artes Visuais, citado na carta, é o 004/2021, da Lei Aldir Blanc. Em novembro do ano passado, artistas de Vitória denunciaram irregularidades no certame, voltado para uma proposta de Intervenção Artístico-Urbana na Capital. Foram apontadas imprecisões no processo avaliativo e até alteração das notas de uma das equipes por parte do secretário Luciano Gagno.

Leonardo Sá

“Num ato sem precedentes no município e questionado pela maior parte da classe artística e pelo Conselho Municipal de Política Cultural, o secretário de Cultura, Luciano Gagno, interferiu na avaliação dos jurados, o que acarretou modificação do resultado final do edital de R$ 192 mil para Artes Visuais da Lei Aldir Blanc/2021. Essa ação, ainda não explicada de forma convincente, abala a credibilidade da secretaria e da prefeitura para outros editais. O movimento exige investigação, transparência e explicações oficiais para a sociedade sobre o ocorrido neste processo”, dizem os artistas na carta.

O ato desta terça-feira também teve o apoio de integrantes do Movimento Nacional de Luta Pela Moradia. A entidade luta pelo direito dos moradores da ocupação Chico Prego, no Morro do Romão, e teme que a prefeitura tente desocupar a área de forma ilegal.

Leonardo Sá

A despeito de uma gestão que parece não se preocupar com demandas básicas da cidade, há quem ainda acredite no potencial da cultura de transformação. Isaías Santana, um dos fundadores do bloco AfroKizomba, segue acreditando na dança, seja no protesto ou no Carnaval. “Qualquer governo, de qualquer esfera, que não preza pela cultura, não preza pela história nem preza pela vida do seu povo. O descaso que existe hoje com a questão cultural no município de Vitória, que deveria ser exemplo, porque é a Capital, é inadmissível, mas a cultura é maior”.

Confira mais fotos do protesto ‘Grito por Cultura’

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