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​Existência, submissão e guerra

Entre o livre arbítrio e o exercício da cidadania, estará sempre a heteronomia?

É tentador vislumbrar o desenvolvimento humano sendo construído, como uma curva ascendente de compreensão e vida no mundo. Entretanto, em termos pragmáticos, percebemos que esse desenvolvimento nem sempre é positivo e, que acima de tudo, todas as vantagens desse processo sempre se esvaem, na crítica posterior dos resultados obtidos.

Em breve passeio pela história da Filosofia ocidental, perceberemos o homem buscando razões para a vida e para vivê-la. Vamos refletir num recorte que vai desde a “libertação” do pensamento mítico e valorização da racionalidade até o existencialismo. A cada fase ou “despertamento”, um novo homem, o mais evoluído, mas só até o próximo espanto.

Por volta do Século VII a.C. os naturalistas pré-socráticos viram a possibilidade de conhecer a natureza. Deixamos de ser reféns dos deuses. O mundo mudou!

A era socrática tenta entender o homem definindo-o como bom e virtuoso, se educado corretamente. Começa-se a moldar, o humano livre, para o exercício da cidadania. Assim, o homem que havia se libertado dos deuses, entra na prisão moral.

Do Século V ao XV, vivemos “o medievo” – o universo e o comportamento humano estariam submetidos ao poder de Deus, exercido por seus representantes na igreja. A prisão moral socrática passa a ter guardiões severos.

Mudaram o mundo!

Em seguida, veio o iluminismo. Pronto, a escuridão acabou! O ser humano, livre das amarras da igreja e achando que já tinha todo o conhecimento possível, desperta. O regulamento da liberdade humana passa a ser construído e, para regulá-la, é fortalecida a instituição Estado, que por meio de seus representantes, define as regras do comportamento do homem: “Deves porque deves!” O homem está dominado!

Por ora, mas não por fim, vivemos o existencialismo, com um mundo novo e o homem dominado, despertamos para o fato de que não existe essência humana. Estamos num deserto de significação, passamos a buscar em nossas atitudes e dias o significado para a experiência da vida, como em Sísifo de A. Camus ou A liberdade de Sartre. Até parece o fim da linha: mundo dominado e homem compreendido, como livre arquiteto de si mesmo.

No curso dessa linha de construção do pensamento, posso perceber que todas as fases apontam para um fortalecimento do homem, descobertas, superações e autossuperações. Seria tudo perfeito, não tivesse sempre sido instrumentos para dominação.

A vontade de poder como marca do humano, justificando a ação ousada de superação de si mesmo – não sem antes vencer o mundo e também superar o outro, seu inferno. O super-homem nietzschiano, melhor traduzido como “o além do homem”, é um ser construindo sua realização na superação.

Parece que chegamos ao alto patamar de compreensão do ser, mas vamos à crítica dos resultados:

O ser em construção de sua essência, se solitário e egoísta, desconectado da vida em comunidade, tende à elaboração de que é muito importante vencer, sempre aliando a isso a possibilidade de subjugar o outro, suprimindo a visão existencialista humanista de que o homem se escolhendo, escolhe para toda a humanidade.

Assim acontecem guerras, os países e seus representantes precisam ser fortes, se sentirem respeitados, se garantirem e, para tal, a garantia é bélica.

Afinal, o que assistimos no conflito Rússia x Ocidente é a medição de força para garantia de autonomia de nações, em que a Ucrânia é “só” um ponto estratégico, uma peça do grande tabuleiro de poder e dominação, maquiado por questões ideológicas.

Em suma, estamos no mais completo deserto de significação nesta construção de mundo pela força, seja ela moral, religiosa ou bélica, e ainda carecemos de mentes iluminadas e, quem sabe, de humildade, para entender a vida e a significação da razão humana e suas sempre fracassadas tentativas de compreensão e dominação do mundo e da vida.

Everaldo Barreto é professor de Filosofia

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