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Guerra judicial de meio bilhão ameaça unidade de conservação em Jacarenema

Empresas, Estado, Município e MP divergem sobre implementação da reserva estadual e do parque municipal

O interesse público e o meio ambiente devem prevalecer em detrimento do interesse privado. Mas na guerra judicial instalada sobre a implementação do parque municipal (Decreto Municipal nº 033/03) e da reserva estadual (Lei Estadual nº 5.427/97) de Jacarenema, em Vila Velha, o Judiciário capixaba tem tomado decisões que, mais do que atrasar, causam verdadeira ameaça ao processo de proteção da área, que abriga um dos principais remanescentes de restinga da cidade, além do manguezal da foz do rio Jucu. 

Cerca de duas dezenas de ações de indenização por desapropriação de terreno tramitam no Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), totalizando meio bilhão de reais. Entre eles, dois que somam R$ 400 milhões, requeridos pelas empresas Itaparica Ltda e M.N. Santos Ltda, da família Oliveira Santos, como indenizações relativas a áreas dentro da reserva. 

Conforme demonstram os autos dos processos, disponíveis para consulta pública no TJES, a Prefeitura já fez os depósitos em juízo relativos a áreas do parque, mas os desembargadores não permitem a imissão de posse do município, sob a justificativa de que há discordância dos expropriados sobre os valores pagos. 

A postura demonstra que os membros da Corte têm priorizado o aspecto econômico da disputa, ao invés da proteção legal e efetiva de Jacarenema. Há margem jurídica para inverter a prioridade. A discussão sobre os valores finais de indenização pode se dar no transcorrer do processo sem prejudicar a titulação das glebas em favor do município. A posse regular dos terrenos é pré-condição para que as ações de implementação da unidade de conservação possam avançar. 

Acordo

A Prefeitura de Vila Velha está disposta a assinar um acordo com o Ministério Público Estadual (MPES) – ação civil pública nº 0001834 – 75.2016.8.08.0035, em curso na Quarta Câmara Cível do Tribunal – que estabelece as diretrizes de uso e ocupação da Zona de Amortecimento (ZA) e as fontes de recursos financeiros necessários para a construção das estruturas físicas (centro de educação ambiental e posto de fiscalização) do parque.

Arquivo SD

A reunião em que a proposta foi aceita, ainda informalmente, pelo município, aconteceu em setembro passado, na presença dos promotores de Justiça Nícia Regina Sampaio e Gustavo Senna Miranda, dos secretários municipais de Governo, de Desenvolvimento Urbano e de Meio Ambiente de Vila Velha, Maria do Carmo Neves Novaes, Milena Ferrari e Ricardo Klippel Borgo, respectivamente; do procurador-geral do município, Vitor Soares Silvares; e de representantes do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Espírito Santo (Sinduscon-ES). 

O acordo fixa que 60% dos recursos obtidos no licenciamento ambiental de empreendimentos localizados na zona de amortecimento (ZA) do parque sejam destinados à implantação, manutenção e administração da unidade de conservação, cabendo ao Sinduscon e à Associação das Empresas do Mercado Imobiliário do Espírito Santo (Ademi-ES) a tarefa de dar “plena cientificação aos seus associados” sobre o percentual destinado ao parque. 

As estruturas estão previstas para ocupar seis lotes situados no bairro Santa Paula, cujas desapropriações judiciais já foram pagas em juízo, porém, cassadas pelo TJES. E, sem a imissão de posse do município, o acordo não pode ser implementado, pois os empreendimentos instalados na zona de amortecimento do parque não podem ser regularizados, o que por sua vez, impede a provisão dos recursos necessários ao financiamento das estruturas de implementação da unidade de conservação. A corrida por regularização tem inclusive apoio dos empreendimentos já regulares, principalmente no bairro da Barra do Jucu. 

Mosaico de UCs

Todo esse imbróglio judicial, conduzido pela Corte sem a devida priorização do bem comum e ambiental, tem o agravante de ações paralelas movidas, tanto pela família Oliveira Santos – que além da indenização milionária ao Estado, referente à Reserva Estadual, também requerendo a extinção do parque municipal – quanto pelo governo do Estado.

O executivo estadual também foi convidado pelo órgão ministerial para assinar um acordo semelhante ao aceito pela prefeitura, referente à Reserva Ecológica Estadual, no âmbito de uma segunda ação civil pública, impetrada simultaneamente pelo MPES em 2016. 

Em abril de 2017, o juiz da Vara da Fazenda Pública Estadual, Registros Públicos e Meio Ambiente de Vila Velha, Aldary Nunes Junior, emitiu as sentenças, determinado que o Estado do Espírito Santo e o Município de Vila Velha promovessem, em conjunto, a implantação efetiva das unidades de conservação.

PMVV

Em seu despacho, o magistrado afirma que a reserva estadual não se confunde com o parque municipal e que, juntos, os dois formam “um conjunto de unidades de conservação em parte sobrepostas e em parte justapostas, de categorias distintas”.

Aldary Nunes Junior propôs que o conjunto pudesse compor um mosaico de unidades de conservação. Assim, além das obrigações relacionadas às suas respectivas unidades de conservação, Estado e município deveriam apresentar proposta ao Ministério do Meio Ambiente (MMA) para reconhecimento do mosaico e consequente “efetivação de uma gestão integrada e participativa do conjunto”. 

Evasões de responsabilidade

Passados mais de quatro anos sem medidas efetivas de cumprimento das sentenças, a proposta de acordo surge como solução para o caso. Diferentemente da Prefeitura, no entanto, o Estado se manifestou contrariamente à proposta e ainda impetrou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) extinguindo a reserva, alegando ter sido criada pelo Poder Legislativo, o que é inconstitucional. 

Nos autos dos processos em curso, a ADI aparenta chegar como uma resposta da PGE às ações de indenização milionárias impetradas pelos Oliveira Santos e acatadas pelo TJES. O que se vê é que, ao invés de se somar aos esforços municipais de defesa fundiária do território de Jacarenema, o Estado decide por tentar eximir-se de qualquer responsabilidade sobre a questão, segundo uma evasão sutil da União, que declinou de afirmar os terrenos de Marinha em processos de desapropriação, atitude que poderia imediatamente reduzir os valores possíveis de reivindicação pelos entes privados. 

Enquanto isso, Jacarenema segue ameaçada. Ecossistemas frágeis e fundamentais para a saúde ambiental da região, especialmente dos bairros adjacentes, continuam vulneráveis a invasões, ocupações irregulares, lançamento de lixo, queimadas e caças. 

Simbolismo

A região costeira ao sul de Vila Velha já é marcada por um dos mais trágicos crimes relacionados à proteção do meio ambiente do Espírito Santo, que foi o assassinato do biólogo e ambientalista Paulo Vinha, em 1993. Denunciante audaz da extração ilegal de areia na restinga a leste da Rodovia do Sol e de outras ações predatórias movidas por empresas da região dentro da área do então Parque Estadual de Setiba (decreto nº 2.993-N de 1990), Paulo Vinha foi feito mártir e transformado em ícone na defesa da natureza. Anos mais tarde, a área que ele defendeu com a própria vida foi rebatizada com seu nome (Lei nº 4.903 de 1994). 

A proteção legal e efetiva de Jacarenema é também uma forma de honrar essa história e essa deve ser a perspectiva principal a nortear as decisões tomadas por cada um dos entes envolvidos na guerra judicial em curso.

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