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Ministério Público abre inquérito para investigar mortes de bebês na Serra

Hospital Municipal Materno Infantil foi inaugurado há pouco mais de um mês e ainda não tem UTI pediátrica

O que provocou as mortes de pelo menos quatro bebês ocorridas dentro do Hospital Municipal Materno Infantil (HMMI) da Serra nos últimos trinta dias? Houve negligência? Responder a essas e outras perguntas é o objetivo do inquérito civil aberto pelo Ministério Público do Espírito Santo (MPES). 

Assinada pelo promotor de Justiça Pablo Drews Bittencourt Costa, a portaria de instauração da investigação – Inquérito Civil 3ª PJCSE Nº 002/2022 – faz solicitações à Vigilância Sanitária Estadual, à Secretaria Municipal de Saúde, aos conselhos regionais de Medicina e de Enfermagem (CRM-ES e Coren-ES) e à instituição gestora do hospitalar, a Santa Casa de Misericórdia. 

À Vigilância, o órgão ministerial pede que seja realizada uma vistoria no hospital, no prazo de trinta dias. Aos conselhos de classe, que façam fiscalizações na unidade hospitalar, “para verificar irregularidades no funcionamento do serviço, inclusive, se houve falha nos respectivos atendimentos pelas equipes médica e de enfermagem”.

À Prefeitura e à Santa Casa, a solicitação é de envio de informações sobre as providências adotadas por ambas “diante dos óbitos ocorridos em curto período de funcionamento do hospital”.

Divulgação

Emergência

Uma das vítimas da tragédia é a jovem Ana Caroline Matias Bruno, de 22 anos, que perdeu seu primeiro filho dentro do HMMI, na manhã do dia 10 de março. Ela conta que procurou o hospital numa terça-feira, dia oito de março, seguindo o encaminhamento feito pela médica que lhe fazia o pré-natal. “Eu sentia muita pressão na virilha, sem dor, mas a médica me encaminhou para internação, para que eu pudesse ter acompanhamento médico já dentro da maternidade. Mas eles me mandaram para casa”, relata Ana Caroline. 

Na madrugada de quarta para quinta-feira (9 e 10), já com cólicas, muita dor nas costas e pressão alta, ela voltou ao hospital e foi então aceita para fazer a triagem prévia à internação. “Às quatro da manhã eu já tinha feito a triagem e o médico pediu internação, porque tudo indicava que o parto seria normal e rápido”, conta. 

No entanto, antes de seguir para a sala de parto, ela ficou numa sala com outras gestantes e somente às 8h30 uma equipe foi até ela novamente, para dar prosseguimento ao monitoramento da sua pressão e dos batimentos cardíacos, mas o aparelho, conta, estava quebrado. 

“Quando foram ouvir o coração do bebê de novo, não dava para escutar, só ouvia o cordão umbilical e a minha artéria. Daí a médica pediu um ultrassom. O médico do ultrassom falou que meu bebê era muito pequeno para o tempo de gestação, de 38 semanas, mas eu respondi que os exames até então eram todos normais, não mostravam nenhuma alteração. Fui para uma cesárea de emergência. Não deu tempo nem da minha acompanhante chegar. Quando ele nasceu, levaram ele de mim, eu perguntava se estava tudo bem, diziam que sim. Só depois que o anestesista me disse que o bebê tinha falecido, que estavam tentando reanimá-lo há 15 minutos. Perguntei o que tinha acontecido e ele não sabia dizer. Foi só quando minha acompanhante chegou, que me disseram que ele tinha mesmo falecido”. 

Ana Caroline teve alta no dia seguinte, 11 de março, e no documento da alta consta que o bebê teve “sofrimento fetal agudo”, o que indica, ressalta a mãe, que o registro do hospital é de que o problema de saúde que o levou a óbito ocorreu repentinamente. O prontuário do parto, no entanto, ela ainda não recebeu. A expectativa é de buscar o documento nesta sexta-feira (1), vinte dias após a alta hospitalar. 

Impotência 

“A médica que me atendeu depois me perguntou da placenta, se tinham me entregado ou guardado, para poder fazer alguns exames. Eu não sei, não me disseram nada. No dia que eu recebi alta, a assistente social não sabia o procedimento que tinha que fazer para pegar meu prontuário, falou que precisava mandar um email para a coordenadora dela. Ficamos esperando duas horas e nada. Eu tive que fazer uma declaração por extenso para pedir o prontuário. Minha prima levou para mim, mas eles disseram que tinha que ser eu mesma. Ela explicou que eu estava de resguardo, pediu, e deixaram ela entregar. Mas para ir lá buscar, só eu posso, nem minha mãe pode pegar”, conta. 

O sentimento que fica, afirma Ana Caroline, é de impotência e profunda tristeza. “Acho muita negligência da parte deles. Minha caderneta de pré-natal está toda perfeita, todos os exames, tudo certo. Quando eu cheguei de madrugada no hospital, só tinha eu, não era o caso de estar lotado, de não ter profissional para me atender. Poderiam ter tido um acompanhamento bem feito”, lamenta. 

A mãe também percebe a contradição entre toda a propaganda feita em cima do hospital e a realidade. “Uma maternidade com tanta mídia em cima, falando tão bem. Na televisão fala que é a melhor maternidade, maravilhosa, melhor estrutura, mas não tem nada disso. Se o recém-nascido tiver que ficar internado, não tem Utin [Unidade de Tratamento Intensivo Neonatal]. Só tem Utin no Jayme, mas eu não recebi encaminhamento de gestação de alto risco, então não podia ir para lá”. 

Propaganda x realidade

O HMMI iniciou suas atividades de maternidade no último dia 19 de fevereiro, no bairro Colina de Laranjeiras, meses após ter sido inaugurado, em abril de 2021, para receber pacientes com Covid-19, sob responsabilidade da Secretaria Estadual de Saúde (Sesa). As gestões municipais da Serra, alternadas entre o atual prefeito, Sérgio Vidigal (PDT), e o antecessor, Audifax Barcelos (Rede), já protagonizaram inúmeras disputas públicas para receberem os “louros” pela grande obra, sonhada há anos pela população serrana”. O mesmo ocorre entre parlamentares com base no municípios, no que se refere a emendas destinadas à unidade.

O hospital, segundo a prefeitura, conta com 50 leitos para alojamento de gestantes e puérperas de risco habitual; Centro Obstétrico com três salas cirúrgicas e sete quartos PPP (de Pré-Parto, Parto e Pós-Parto); exames de imagem e laboratoriais e sala de vacina. Além disso, um cartório civil funcionará no local para fazer o registro dos bebês.

Operando em sua totalidade, a partir de abril/maio deste ano, a capacidade mensal passa para 638 internações obstétricas de risco habitual e 255 de risco alto, além de 51 internações de cirurgia pediátrica; 128 internações de ginecologia clínica e cirúrgica; 55 internações em Unidade de Terapia Neonatal (Utin); 51 internações de Tratamento Intermediário Neonatal Convencional (Ucinco); 26 internações em Unidades de Tratamento Intermediário Neonatal Prematuro (Ucinca), ou leito-canguru; 51 internações em Unidade de Terapia Intensiva Adulta (UTI); isso sem contar com as 3.240 consultas de pronto-socorro e 2.304 consultas em ambulatório de especialidades.

A área do hospital totaliza 16 mil metros quadrados, distribuída em três pavimentos, com assistência materno infantil e serviços de apoio diagnóstico e terapêutico. 

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