Política Nacional de Atingidos por Barragens avança no Senado, mas no Estado, PL deve continuar parado em 2022
O Espírito Santo nada contra a maré no tocante aos direitos das comunidades impactadas por barragens e deve manter paralisado, em 2022, o projeto de lei que cria a Política Estadual de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PEAB), apresentado em 2021 na Assembleia Legislativa. A avaliação é do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), que aponta desinteresse do governador Renato Casagrande (PSB) em aprovar a proposta, liderando a maioria dos deputados da Casa nesse sentido.
A postura é contrária ao movimento que ocorre em Brasília e em alguns estados da federação, visto que a aprovação da política nacional sobre o tema (PNAB) está mais perto do que nunca, considerando os mais de trinta anos de luta das comunidades que começaram a se organizar antes da fundação do MAB, ainda na década de 1970, na bacia do Rio Uruguai e em decorrência dos alagamentos para a hidrelétrica de Itaipu.
Nessa quarta-feira (6), o PL nº 2788/2019, que institui a PNAB, foi aprovado pela Comissão de Meio Ambiente do Senado, seguindo para a Comissão de Serviços de Infraestrutura e depois para o plenário da Casa. “A aprovação do PL institui um marco normativo que fixa os direitos das populações atingidas por barragens, tema invisibilizado na legislação brasileira atual”, comemorou o MAB em suas redes sociais.
No Espírito Santo, infelizmente, a avaliação da organização é oposta. “Casagrande não vai aprovar a PEAB, ele está discutindo duplicação da BR-262 com o dinheiro da repactuação, com o dinheiro dos atingidos. Tendo a PEAB, como a gente está propondo, forçaria um dialogar com a gente sobre a aplicação do recurso, que ele não quer. É fato. Acho até que depois que ele conseguir definição sobre o dinheiro do acordo, pode sinalizar a pauta da PEAB. Mas agora ele não quer controle social, não quer a participação popular que a lei garante, sobre o dinheiro da repactuação. Esse é o grande embate com o governo do Estado nesse momento”, expõe Heider Boza, da coordenação estadual do MAB/ES.
O coordenador lembra que a proposta de PEAB foi apresentada aos deputados durante audiência pública realizada em agosto passado, que contou ainda com a distribuição de 2,4 toneladas de peixes pelo Sindicato dos Pescadores e Marisqueiros do Espírito Santo (Sindpesmes). Na ocasião, no entanto, a Casa Civil do governo não compareceu. “Depois, deputados como Iriny Lopes [PT], o Hudson Leal (Republicanos), Freitas (PSB) e Gandini (Cidadania), tentaram diálogo com Casagrande, mas ele não sinalizou a pauta”, conta Heider Boza.
“A perspectiva de aprovação no governo Casagrande é zero. A bancada da Assembleia não vai votar, porque está junto com o governo. E, se votar, ele não vai sancionar”, afirma.
Especificidades estaduais
A proposta capixaba segue o modelo da mineira, que já foi aprovada, e traz avanços em relação à proposta nacional. Tendência semelhante é a da política do Maranhão, aprovada pelos deputados da também nessa quarta-feira, e que tende a ser sancionada pelo governador, Carlos Brandão (PSB), sob impacto do rompimento da barragem da Equinox Gold, em março passado.
A lei mineira e a proposta capixaba, ressalta Heider, garantem a assessoria técnica aos atingidos, uma demanda específica do Rio Doce, que vem sendo absolutamente negada pela Fundação Renova.
Essa garantia das particularidades dos estados precisa continuar sendo aprovada pelas respectivas leis estaduais, salienta o coordenador do MAB/ES, que cita as diferentes realidades do território brasileiro: “tem a barragem de rejeitos, a de hidrelétrica, tem o açude, o atingido do rio, do mar, o rural, o urbano…A lei nacional vai balizar que a gente avance nos estados com as leis, atendendo às especificidades de cada um”.
E, para isso, a aprovação da lei nacional é fundamental. “Essa lei nacional está muito aquém do que a gente considera ideal. Para nós, ela deveria considerar o que está na nossa palavra de ordem: ‘distribuição de riqueza e o controle popular’. Então tem os fundos, os comitês gestores, o estado assumindo responsabilidade pelos reassentamentos rurais e urbanos, cadastramentos, de política indenizatória e compensatória, reestruturação produtiva…a Lei hoje não é tudo isso, mas é razoável e enxuta”, avalia.
‘Sete razões’
Em sua página na internet, o MAB destacou, recentemente, “sete razões” para aprovar a PNAB, em artigo do advogado Leandro Gaspar Scalabrin, do Coletivo de Direitos Humanos do MAB. Razões que se conectam em um efeito cascata.
Primeiro, porque “o padrão vigente de implantação de barragens tem propiciado de maneira recorrente graves violações de direitos humanos, cujas consequências acabam por acentuar as já graves desigualdades sociais, traduzindo-se em situações de miséria e desestruturação social, familiar e individual”, conforme reconhecido no relatório da Comissão Especial “Atingidos por Barragens”, do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, em 2011.
Segundo, que essas graves violações de direitos humanos ocorrem em grande medida pela ausência de um marco legal focado na proteção do atingido. Terceiro, que somente as empresas do setor de energia e da mineração possuem um marco regulatório próprio, “extremamente normatizado, compreende garantias contratuais (30 anos de concessão) licitadas e fontes de financiamentos públicas e privadas (até mesmo a venda de debentures)”.
Em quarto, essa assimetria de garantias, “a inexistência de marco legal, institucional e de financiamento, e a falta de transparência” fazem com que “o povo pague a conta dos custos socioambientais” e “os custos dos projetos de investimento não são ‘internalizados’ nos mesmos, mas socializados”.
Quinto, porque essa “não internalização dos custos incentiva a repetição das violações de direitos e dos desastres. Enquanto for mais barato reparar do que impedir/mitigar, haverá estímulo a repetição”.
Em sexto, a PNAB deve ser aprovada “porque é dever do Estado assegurar a não repetição das violações/desastres”.
Sétimo, “porque todos atingidos são iguais perante a lei…Ou melhor, deveriam ser”. Afinal, “porque os atingidos pela Samarco não possuem os mesmos direitos que os atingidos pela Vale? Por que os atingidos pela Equinox Gold não possuem os mesmos direitos dos atingidos da Hydro? Os atingidos pela Casan (SC) e os atingidos pela CAR na Bahia? Pela Eletronorte ou pela Engie (ex Suez, ex Tractebel)?”, questiona o autor.
A resposta, ele mesmo dá: “isso ocorre porque hoje os direitos dos atingidos são fruto de conquistas sociais, em cada caso, em cada projeto, em cada estado, a depender da força e organização dos movimentos populares, suas alianças com as instituições do Estado, grupos e forças sociais…os termos de acordo, TACs, ACPs, e mitigações que conseguem estabelecer no licenciamento ambiental”.