Plenária nacional inédita de indígenas LGBTQIA+ debateu violações e resistência em acampamento em Brasília
Em um ato inédito, indígenas de diversas partes do Brasil realizaram, em Brasília, a primeira plenária LGBTQIA+ na história do Acampamento Terra Livre (ATL). O encontro, realizado nessa segunda-feira (11), discutiu as violações históricas sofridas por esses corpos e as formas de sobrevivência encontradas por essas pessoas.
“É um marco histórico ter uma plenária LGBTQIA+ dentro do Acampamento Terra Livre. Queremos mostrar que nossos cocares coloridos estão presentes em diversas comunidades. A gente, aqui, representa muita luta, muita força, e mostra que devemos, sim, ocupar espaços”, afirma o Tupinikim Alex Sander da Silva, da aldeia Irajá, em Aracruz, norte do Estado.
Um dos objetivos da plenária foi dar visibilidade às temáticas de diversidade sexual e de gênero entre os povos indígenas, entendendo as demandas e lutas que atravessam esses corpos. “É para mostrar o quanto a gente luta, até hoje, para conseguir visibilidade, para adquirir nossos direitos. Pra lembrar também que temos demandas e pautas a serem obtidas”, aponta Alex.
Na busca pela aceitação, os corpos indígenas LGBTQIA+, por vezes, encontram barreiras até mesmo dentro das aldeias. O preconceito e a LGBTfobia acabam fazendo parte da história das pessoas que se assumem dentro da comunidade, fazendo que se sintam estranhos onde antes eram acolhidos.
“Infelizmente, dentro desse processo de colonização, até nós indígenas LGBTQIA+ estamos expostos ao preconceito, ao machismo dentro das comunidades, mas vale ressaltar que somos mais de 305 povos, então há uma diversidade muito grande de local para local”, explica Alex.
Silenciados e invisibilizados
Combater esse sentimento de estranhamento foi um dos objetivos da plenária em Brasília. Para marcar esse momento histórico no Acampamento Terra Livre, foi lançado, também nessa segunda, um manifesto pelo reconhecimento dos indígenas LGBTQIA+ no Brasil. O documento foi lido e entregue para a coordenação executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB).
“Diante do cenário em que os povos indígenas sempre presenciaram desde a invasão de nossas culturas e de nossos corpos, é fundamental olharmos para o passado e nos atentarmos ao contexto violento que assola nossas existências e que roubou de nós e ainda tentam, muito de nossa pluralidade cultural (…) Reafirmamos que sempre estivemos aqui, sempre existimos enquanto indígenas LGBTI+, e lutamos contra essa sociedade que ainda mantém as raízes profundas da colonização”, diz um trecho do documento.
O manifesto lembra a morte do indígena Tupinambá Tibira, assassinado em 1614, por influência da Igreja Católica, em razão da própria orientação sexual. De forma triste e simbólica, o primeiro caso de morte por homofobia documentado no Brasil foi de um indígena.
“Fomos, até o presente momento, silenciados e invisibilizados, mas estamos aqui reunidos para trazer nossas demandas, arrebentar as correntes que nos prendem, trazendo o som dos nossos maracás e tambores para gritar por liberdade e afirmar que nossa luta caminha em consonância com as pautas do movimento indígena como um todo”, declara o manifesto.
Ferramentas de resistência
Apesar das repressões dentro e fora das aldeias, a trajetória de indígenas LGBTQIA+ tem sido de resistência. Uma das maneiras encontradas pelo Tupinikim Alex para promover debates sobre a temática foram as redes sociais. Com um pouco mais de seis mil seguidores em uma delas, Alex utiliza o espaço para discutir as principais pautas que afetam os povos originários e temas que considera importante sobre diversidade sexual.
“A internet é uma das ferramentas que a gente usa para levar informações, levar nossa resistência através das telas (…) É uma maneira de conscientizar essas pessoas e mobilizá-las”, aponta.
É o que também é destacado no manifesto lançado nessa segunda. O texto afirma que, além de combater preconceitos, jovens indígenas LGBTQIA+ produzem informações sobre os territórios, as culturas, a saúde, a educação e as artes.
“[Eles] Sabem do valor fundamental da terra/território para a sobrevivência e a preservação das práticas culturais dos povos indígenas. Sabem também da importância da implantação da discussão sobre gênero e sexualidade nas aldeias, nos territórios”, afirma o documento.
O texto é finalizado reafirmando a necessidade de se formar mais pessoas para propagar informações sobre as pluralidades indígenas. “Entre elas, a discussão sobre identidade de gênero e sexualidade, para participar de movimentos sociais pelo direito à cultura, igualdade, território, como ser indígena e também da comunidade LGBTI+. Por fim, usar todas as ferramentas e instrumentos que eram considerados dos não-indígenas a favor da existência e resistência indígena. Tire seu preconceito do meu caminho que quero passar com o meu cocar”, declara o manifesto.