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‘Oferta de blocos de petróleo e gás no Estado nesta terça-feira é ilegal’

Ação judicial mostra que ANP ignorou leis ambientais federais e parecer contrário do Iema

Leonardo Sá

É ilegal a oferta de dois setores de poços maduros de petróleo e gás localizados no norte do Espírito Santo, cuja sessão pública acontece nesta terça-feira (13), no Rio de Janeiro. A alegação consta em uma ação que será impetrada pelo Instituto Arayara na Justiça Federal, que visa impedir a venda dos blocos localizados no território capixaba. Nos outros estados, onde as fragilidades ambientais e o respeito às comunidades tradicionais também têm sido ignorados pela Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), já há ações em tramitação. 

As ações judiciais são acompanhadas de uma ampla mobilização de várias entidades ambientalistas brasileiras e internacionais – Instituto Arayara, do Observatório do Petróleo e Gás (OPG), da Coalizão Não Fracking Brasil (COESUS), Observatório do Clima (OC), Coalização Gás e Energia e Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas, Povos e Comunidades Tradicionais Extrativistas, Costeiras e Marinhas (Confrem) – que se reunirão em frente ao Hotel Windsor, na Barra da Tijuca, onde acontece, a partir das 9h, a sessão pública do 3º Ciclo da Oferta Permanente de Concessão (OPC). O objetivo é chamar atenção da sociedade para a emergência climática que exige o fim da extração e dos projetos de exploração de petróleo e gás. O evento será híbrido (on-line e presencial), com transmissão ao vivo no perfil da ANP no YouTube.

A OPC é uma nova modalidade de venda de poços de petróleo e gás adotada pela ANP, em função do grande número de blocos não vendidos por meio do modelo anterior, que ocorria em leilões, e costuma apresentar preços muito baixos para a aquisição de poços. Como foi o caso dos poços maduros (que já foram explorados no passado e que perderam produtividade e se tornaram desinteressantes para as grandes empresas, como Petrobras, Shell e Chevron) comprados pela Imetame Energia no final do ano passado, por apenas R$ 20 mil, na Estação de Lagoa Parda, em Linhares, próximo à Foz do Rio Doce. Estação que já apresentou um vazamento de pelo menos sete mil litros de óleo que, segundo moradores locais, atingiu o rio Preto, que deságua no Rio Doce.

Sindipetro/ES

“Essa rodada é um total absurdo, pois o edital liquida blocos que podem ter garantias de ofertas a partir de R$ 10 mil. Estão loteando o nosso subsolo a preço de banana, em plena crise climática,” argumenta o engenheiro Juliano Bueno de Araújo, diretor técnico do Instituto Arayara, sobre a rodada da ANP.

Nessa fase da Oferta Permanente, a licitação para concessão de contratos oferta 379 blocos exploratórios para concessões localizados em dez estados brasileiros: Rio Grande do Norte, Alagoas, Sergipe, Ceará, Bahia, Espírito Santo, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, sendo que 32 dessas áreas estão localizadas em alto-mar (offshore) e 347 blocos terrestres.

No Espírito Santo, são ofertados apenas poços terrestres maduros. Além de ferir a legislação ambiental federal, incluindo a Lei da Mata Atlântica, a ANP também ignora um parecer contrário emitido pelo Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) ainda em 2018, apontando a impossibilidade de colocar tais blocos à venda, por estarem localizados sobre zonas de amortecimento de unidades de conservação e territórios de comunidades quilombolas.

“O caso do Espírito Santo é bem sério. Houve uma falha grave da ANP, que ignorou a existência de fragilidades ambientais e sociais da região”, afirma John Wurdig, coordenador técnico do Instituto Arayara.

A Lei da Mata Atlântica, por exemplo, explica o ambientalista, exige uma série de medidas que precisam ser tomadas, como um licenciamento ambiental que inclui a produção de Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA-Rima). Já o parecer do Iema destaca a proximidade com a Área de Proteção Ambiental (APA) de Conceição da Barra, a Floresta Nacional (Flona) do Rio Preto e o Parque Estadual de Itaúnas, três unidades de conservação no norte do Estado que protegem diversas espécies ameaçadas de extinção, como a onça-parda, o gato-do-mato e o ouriço-preto. 

“A Nota Técnica nº 5/2018 do Iema indica a sobreposição dos blocos SES-T-290, SES-T-291, SES-T-304, SES-T-331, SES-T-334, com terrenos quilombolas e com a zona de amortecimento do Parque Estadual de Itaúnas; e dos blocos SES-T-318, SES-T-352, SES-T-353 com terrenos quilombolas. Os blocos SES-T-290 e SES-T-291 também se sobrepõem às áreas prioritárias de conservação do Estado do Espírito Santo, em Conceição da Barra”, destaca o Instituto Arayara.

Contrassenso climático

Participante de mobilizações anteriores contrárias aos leilões de poços maduros e uma das idealizadoras da Campanha Nem Um Poço a Mais, a Federação dos Órgãos de Assistência Social e Educacional (Fase) alerta para a contradição desse novo conjunto de ofertas da ANP e a falta de posicionamento do governo do Estado, que procurou se destacar na liderança dos governadores brasileiros em favor do clima durante a 26ª Conferência das Nações Unidas para a Mudança Climática (COP-26), ocorrida na Suécia em novembro passado

“É um contrassenso que, num momento que se debate a redução de emissões de gases de efeito estufa e a busca de outras fontes de energias não fósseis, a ANP coloque à venda mais todos esses blocos. E o governo não toma qualquer atitude para impedir esse atraso, muito pelo contrário. A economia capixaba hoje tem como maior expectativa a exploração de petróleo. Ainda”, critica o coordenador estadual da Fase/ES, Marcelo Calazans. “Novamente, quem vai comprar esses poços são empresas de médio porte sem expertise na indústria petroleira, o que significa promessa de novos vazamentos, como o que ocorreu em Linhares”, lamenta.

O fato também é destacado pela entidade internacional. “A recente publicação do IPCC [Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas] enviou uma mensagem decisiva de que devemos agir imediatamente para evitar os impactos climáticos provocados pelas atividades de extração de petróleo e gás natural. Vários blocos disponíveis no leilão poderão causar danos em áreas protegidas e prioritárias para a conservação da biodiversidade brasileira. O risco de investir nessa atividade é enorme e tem consequências duradouras”, expõe a Arayara, referindo-se à última parte do Sexto Relatório de Avaliação do IPCC, lançada no dia quatro de abril.

Desmonte ambiental

O Instituto Arayara destaca ainda que a intensificação da oferta de blocos e áreas tem sido viabilizada também pelo desmonte das normas infralegais na pasta ambiental, a exemplo da Portaria MMA Nº 275, de 5 de abril de 2019. A medida destituiu o grupo de trabalho responsável por analisar a sensibilidade ambiental das bacias sedimentares antes dos leilões dos blocos de petróleo e gás. O grupo era composto por especialistas do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) e do Ministério do Meio Ambiente (MMA), que recomendavam quais blocos eram passíveis de ir a leilão e posteriormente adentrar um processo de licenciamento. 

A portaria faz com que a decisão fique a cargo apenas do presidente do Ibama, fazendo com que seja muito mais política do que técnica. Resulta que áreas altamente sensíveis aos acidentes por vazamento, aos impactos da prospecção e ao trânsito de embarcações, como os recifes de corais, áreas de reprodução de cetáceos e ecossistemas de água doce (bacias sedimentares terrestres da Amazônia), se tornam passíveis de serem leiloadas.

Novas regras

A Oferta Permanente é a principal modalidade de licitação de áreas para exploração e produção de petróleo e gás natural no país. Nessa configuração, há ofertas contínuas localizadas em quaisquer bacias terrestres ou marítimas. Até o ano passado, ela era realizada exclusivamente em regime de contratação por concessão. Agora, será realizado o terceiro ciclo de forma diferente dos demais, onde as definições dos parâmetros poderão ser adotadas para cada campo ou bloco.

Para o edital da Rodada Permanente, já foram realizados dois ciclos de oferta. O primeiro deles encerrou em 29 de setembro de 2021, com a assinatura de 45 contratos para concessão de 45 áreas de exploração e produção de petróleo e gás natural que totalizam 16.878 km² nas Bacias de Parnaíba, Potiguar, Recôncavo, Sergipe-Alagoas e Espírito Santo, onde o SES-T6AM da área Lagoa Parda Sul foi vendido por R$ 20.159,00 para a empresa Imetame Energia Ltda.

Já em relação ao segundo Ciclo da Oferta Permanente, a ANP, em 28 de junho de 2021, realizou a assinatura dos 18 contratos de concessão, relativos a 17 blocos exploratórios e uma área com acumulações marginais, que juntos somam uma área territorial de 20.149 km² nas bacias do Amazonas, Campos, Espírito Santo, Paraná, Potiguar, Tucano e Solimões que foram arrematadas por sete empresas: Shell Brasil Petróleo Ltda., Eneva S.A., Enauta Energia S.A., Imetame Energia Ltda., Energy Paranã Ltda., Potiguar E&P S.A. e Petroborn Óleo e Gás S.A.


Moradores denunciam novo vazamento da Imetame em Linhares

Iema ainda não divulgou dados sobre o fato nem os resultados das investigações sobre vazamento de fevereiro


https://www.seculodiario.com.br/meio-ambiente/moradores-denunciam-novo-vazamento-da-imetame-em-linhares

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