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‘Vale-feira’ valoriza agroecologia e gera saúde e economia ao consumidor

Família de Manoelita participa do programa em Montanha. Agricultores pedem adesão de mais municípios e do Estado

O “vale-feira” é reconhecidamente uma importante medida para fortalecer a agricultura familiar e incentivar, junto aos consumidores, o acesso a alimentos frescos, saudáveis e com preço justo. Em vários estados, municípios têm implementado programas nesse sentido com sucesso, distribuindo valores semanais mensais aos servidores públicos, garantindo uma renda que circula dentro do município, beneficiando a todos. 

No Espírito Santo, o pioneiro foi Muqui, no sul do Estado, em 2003. Depois vieram outros, em várias regiões, como Cachoeiro de Itapemirim, Iconha e Anchieta, também no sul, Montanha, Nova Venécia e Vila Pavão, no norte e noroeste, além de Santa Leopoldina e Venda Nova do Imigrante, na região serrana. 

Manoelita Alves Peruchi é uma das agricultoras capixabas beneficiadas pelo “vale-feira”, vendendo seus produtos na feira agroecológica de Montanha. Professora aposentada, teve sua história de vida toda ligada à agricultura familiar, pois mesmo durante o período em que lecionou, em escolas do campo, continuou morando na roça, na propriedade da família. Após encerrar as atividades do magistério, decidiu assumir os cuidados com o sítio. 

A primeira medida foi substituir o pasto por café e, em seguida, pelo pomar e lavoura de raízes. Fez cursos diversos, para aprender a produzir queijos e outros produtos da agroindústria. Hoje, o cardápio de Manoelita inclui batata-doce, aipim, beterraba, cenoura, frutas cítricas, banana, seriguela e acerola. Tudo agroecológico. 

A adesão ao “vale-feira”, que em Montanha foi criado em 2009, aconteceu logo no início da experiência na feira. “É muito vantajoso. Quem recebe o vale vai comprar na feira, mesmo. Pra gente, que trabalha na feira, é muito bom. E para o cliente, também. Na verdade, para todos, porque é um dinheiro que fica dentro do município, fortalece toda a economia”, testemunha. 

Extensionista do Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper) em Montanha, Fabio Morais tem a mesma percepção. O programa beneficia os servidores municipais com renda de até um salário mínimo. São vales de R$ 12 por semana, totalizando R$ 48 a R$ 60 por mês. O valor, pondera, poderia ser maior, de pelo menos R$ 100 por mês para cada servidor, mas mesmo essa atual medida já produz um efeito positivo significativo. “Movimenta mais de 60 mil/mês no município”. 

Manoelita calcula que o “vale-feira” já corresponde a cerca de um terço dos seus clientes da feira. “Aumentaram as vendas”, constata. Além da venda direta, ela também fornece seus produtos orgânicos e certificados para duas empresas que abastecem mercados e lojas da Grande Vitória, a Bom Fruto e a Agrai (antiga Raiz Capixaba). O crescimento da agroecologia, avalia, é uma tendência, felizmente. 

Agroecologia e justiça social

A união entre o “vale-feira” e a agroecologia também é uma realidade em Muqui, onde a medida se iniciou nas terras capixabas. “Aconteceu durante a participação do município no Programa Fome Zero, lançado no primeiro ano do primeiro mandato do presidente Lula”, informa o engenheiro agrônomo José Arcanjo Nunes, um dos responsáveis pela implementação do programa, na época como consultor em Agroecologia para o município.

“Participei de todo o processo. Em 2002 criamos a Feira da Agricultura Familiar e em 2003 veio o tíquete-feira, que fortaleceu muita a feira e os feirantes. Isso potencializou as agroindústrias que se adequaram às legislações para estarem também na feira”, relata.

A partir dessa experiência, conta Arcanjo, Muqui criou mais dois projetos de distribuição de renda. O primeiro, a Compra de Alimentos da Agricultura Familiar Local, com distribuição dos produtos para organizações que trabalhavam com assistência social, como creches, abrigo de idosos, hospital e famílias com dificuldades financeiras para comprar comida. “Deu tão certo que o governo do Estado passou a financiar o projeto e acabou criando o CDA – Compra Direta Local da Agricultura Familiar, financiando essa compra em vários municípios capixabas”. 

O segundo foi a Compra Direta Local de Sementes Crioulas. “Os agricultores do município já estavam produzindo suas próprias sementes de milho. A prefeitura iniciou então a compra dessas sementes e distribuía para as associações comunitárias e assentados da reforma agrária. Esse projeto deu muito certo também, daí o MDS [Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à fome] e a Conab [Companhia Nacional de Abastecimento] começaram a comprar sementes dos produtores de Muqui”.

Santa Maria de Jetibá apoia

Atualmente, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santa Maria de Jetibá, na região central serrana, pleiteia a implementação do “vale-feira” pela prefeitura e também pelo governo do Estado, já que as hortaliças, verduras e ovos de granja dos produtores locais, a maioria deles de origem pomerana, são comercializados fortemente na região metropolitana. O município também é o maior produtor de alimentos orgânicos do Estado e um dos maiores do país.

A prefeitura, conta o presidente do sindicato, Egnaldo Andreatta, já afirmou que apoia a iniciativa. Em reunião realizada na última semana, a secretária de Agropecuária de Santa Maria de Jetibá, Rafaela Tesch, juntamente com servidores da secretaria, Câmara de Vereadores e Sindicato dos Trabalhadores Rurais, se reuniram para discutir o assunto, resultando na manifestação de apoio da Secretaria e do próprio prefeito, Hilário Roepke (PSB). 

“O ‘vale-feira’ é um ótimo recurso para trazer ainda mais clientes para a feira, possibilitando maior desenvolvimento econômico e até a abertura, num futuro próximo, de outros pontos de feira no município”, vislumbra o presidente do sindicato, com base na estimativa de aproximadamente 1,5 mil servidores públicos municipais potencialmente beneficiários do programa. 

No âmbito do governo do Estado, o pedido foi enviado à Secretaria de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Pesca (Seag) e ao gabinete do governador Renato Casagrande (PSB), mas ainda não teve retorno. 

Atravessadores encarecem os alimentos

Em ambas instâncias, municipal e estadual, o objetivo é o mesmo, afirma Egnaldo. “Incentivar as feiras livres, entregando o alimento diretamente na mão do consumidor, retirando todos os atravessadores que compram do agricultor e levam para supermercados e outras lojas. A feira livre é a única ligação direta entre o campo e a cidade”. 

Essa relação direta é fundamental para que os preços praticados sejam mais justos para ambos os lados. No final de março, já dentro da mobilização do sindicato para expansão das feiras e implementação dos ‘vales-feiras’, a entidade publicou em suas redes sociais uma reflexão sobre a atual alta dos preços dos alimentos. 

“Muitas das vezes os consumidores das grandes cidades podem pensar que os agricultores estão ganhando dinheiro e ficando rico, mas na verdade, em muitos dos casos, continuam tendo dificuldades para tirar o custo de produção de suas lavouras. Sendo assim, mais uma vez, é plausível dizer que ainda existe um caminho longo entre aquilo que o consumidor paga e aquilo que o agricultor recebe pelos seus produtos. E quanto menor for este caminho dos produtos, melhor será para o campo e a cidade”.

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