Ativista Crislayne Zeferina fala dos obstáculos enfrentados por pessoas negras em disputas eleitorais
“Nós vivemos em um período escravocrata por muito tempo, então, enquanto muitas pessoas não-negras tomavam o ‘leite ninho’ político, a gente ainda estava tentando tomar o leite. A política sempre foi fomentada nos corpos brancos, para essas pessoas serem engajadas politicamente a ocuparem espaços de poder”, contextualiza Crislayne Zeferina, ativista do Território do Bem, em Vitória, sobre as barreiras encontradas por pessoas negras para consolidar projetos eleitorais.
Pré-candidata a deputada federal pela Rede Sustentabilidade, ela lembra que os negros, hoje, até exercem a liderança comunitária em esferas informais, mas enfrentam obstáculos ao tentar ocupar cargos em espaços institucionais.
Um desses entraves é a dinâmica interna dos próprios partidos. Para candidatos negros, o problema já começa na pré-campanha, que, por vezes, nem consegue ser realizada de forma efetiva. “Muitas das pessoas não-negras já têm um recurso, uma articulação política que consegue estar à frente, por exemplo, fazendo pré-campanha. A gente não tem essa vantagem (…) Se fizer uma análise, você vê que várias pessoas já estão fazendo pré-campanha e, nós, negros, estamos estudando, cuidando de casa, cuidando de filho e tentando ainda, de alguma forma, se inserir nesses debates e no meio político, para mostrar a nossa cara enquanto pré-candidatura”, aponta.
Rosemberg Moraes Caitano, integrante do Conselho Municipal de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Comppir) de Cariacica, também acredita que falta iniciativa dos partidos para assumir a bandeira do Movimento Negro. “Por mais que o partido tenha secretariado, comissão afro, ele não discute a pauta. Além disso, o movimento negro ainda não sentou pra discutir um projeto independente de bandeira politica. Discute-se o racismo ainda dentro de uma estrutura racista, dentro do racismo institucional dos partidos”, enfatiza.
Quando a desigualdade racial se soma à desigualdade de gênero, os entraves são ainda maiores. Crislayne ressalta que a trajetória política não é incentivada para mulheres pretas. “Existe uma negação dos nossos corpos nos espaços de poder, que é resultado de um racismo estrutural e institucional que existe no Brasil, mas que não é falado. Quantas mulheres negras são formadas politicamente dentro dos partidos para serem a nova cara do Brasil? Um exemplo disso é Benedita da Silva nunca ter sido candidata à presidência do nosso Brasil”, afirma.
A vereadora de Vila Velha Patrícia Crizanto (PSB), também pré-candidata a deputada estadual, aponta a falta de representatividade como um dos entraves. “A pessoa negra, muitas vezes, nem sabe que pode e deve ocupar aquele espaço. Outro ponto é o próprio racismo, que faz com que não vejam a capacidade de negros e negras e não apoiem suas candidaturas”, reforça.
As dificuldades enfrentadas para chegar a um cargo político se refletem nos números. A vereadora destaca dados que mostram a sub-representação de pessoas negras no Congresso. “Por mais que as leis garantam a igualdade entre os povos, o racismo é um processo histórico que modela a sociedade até hoje. Uma prova disso é o contraste explícito entre o perfil da população brasileira e sua representatividade no Congresso Nacional. Enquanto a maior parte dos habitantes é negra (54%), quase todos (96%) os parlamentares são brancos”, ressalta Crizanto.
Conferência
Esse foi um dos temas discutidos na conferência regional da Nova Frente Negra Brasileira, realizada de forma remota no dia 15. Além do Espírito Santo, os encontros foram realizados no Rio de Janeiro e em São Paulo, com o objetivo de preparar a construção de um programa nacional para candidaturas negras do Brasil.
Na conferência, foram escolhidos dois delegados para participar do encontro nacional que será realizado em São Paulo. Representando o Espírito Santo, irá a integrante do Coletivo Beco Ana Paula Miguel e o conselheiro Rosemberg Moraes Caitano.
A Nova Frente é um coletivo formado por pessoas negras ativistas de diversos setores, com o interesse em comum de pensar e discutir as possibilidades de transformação da realidade social, econômica e política das populações negras do Brasil. As conferências regionais são realizadas em parceria com a Fundação Friedrich Ebert.
“Extremamente feliz de ver essa juventude com sangue novo discutindo esse tema com tanta maturidade (…), começar a discutir já é um grande passo para que a situação mude e um dia a gente consiga eleger uma pessoa negra a nível de estado, mas isso vai exigir uma postura não só dos movimentos, mas de todos, porque nós [pessoas negras] somos a maioria e não conseguimos eleger ninguém”, declara Rosemberg.
Em Vitória, a novidade das eleições de 2020 foi o projeto Política na Raça, que tinha como objetivo viabilizar o debate étnico-racial nos pleitos municipais. Os organizadores realizaram entrevistas com pré-candidatos, fomentando e dando visibilidade à pauta racial por meio de transmissões ao vivo. Uma das participantes foi a vereadora Camila Valadão (Psol), primeira mulher negra eleita na Câmara de Vitória.
Crislayne Zeferina acredita que iniciativas de engajamento a candidaturas pretas partiu de uma necessidade observada por quem mais sofre com a falta de acesso a esses espaços. “Isso foi se criando a partir do momento em que nós fomos percebendo que, se não estivéssemos nessas esferas de poder, não conseguiríamos políticas públicas, principalmente para o nosso povo. (…) Nós giramos a economia brasileira, mas não fazemos parte dessa economia”, reitera.