Com Psol à esquerda e candidatura de Audifax ao centro, aliança gera dificuldades para ambos os lados
O Diretório Nacional do Psol ratificou, nessa segunda-feira (18), a formalização da federação partidária com a Rede Sustentabilidade, confirmando que os partidos seguirão juntos nas eleições de 2022, numa aliança que durará ao menos por mais quatro anos, de acordo com a legislação. A decisão gerou um incômodo de ambas as partes no Espírito Santo.
A Rede é comandada, no Estado, pelo ex-prefeito da Serra Audifax Barcelos, que tem proximidade com o ex-governador Paulo Hartung (sem partido), arqui-inimigo do novo parceiro de federação. Já o Psol capixaba é comandado pela oposição interna do partido, que foi contra o acordo com a Rede Sustentabilidade. Embora a nível nacional os dirigentes tenham conseguido conduzir diálogos amistosos e avançar, com base nas boas relações dos partidos no Congresso Nacional na oposição ao presidente Jair Bolsonaro (PL), em vários estados o diálogo é difícil, e o Espírito Santo é um dos locais que o nó ainda precisa ser desatado.
Nos bastidores, lideranças da Rede reclamam do retraso das conversas e da falta de vontade de diálogo do Psol capixaba para dar a construção de estratégias conjuntas para as eleições, cujas articulações já caminham a passos largos no Estado, enquanto os dirigentes psolistas ainda ganhavam tempo aguardando o desfecho da decisão oficial do partido, embora o resultado já parecia sinalizado pela conjuntura interna. Cedo ou tarde, as conversas terão que acontecer, mas o que parece é que a animosidade será recíproca.
O que está dado é que a prioridade da Rede é a candidatura ao governo de Audifax, que aliás, seria a única do partido a governador no país, o que poderia aumentar o investimento político e financeiro da sigla que tem como referência a ex-senadora Marina Silva. Porém, para se viabilizar de fato no Espírito Santo, Audifax busca parcerias com outros partidos. O campo da centro-esquerda já está minado, com o PSB e PDT em torno da reeleição de Renato Casagrande (PSB), e o PT indefinido sobre a candidatura do senador Fabiano Contarato ao governo, que depende ainda dos diálogos locais e nacionais com os socialistas.
Depois de tentar o MDB, o diálogo seria agora com o PSD, que tem como pré-candidato o prefeito de Linhares, Guerino Zanon, aliado de Hartung. Ainda há a possibilidade de acordo com o deputado e presidente da Assembleia Legislativa Erick Musso (Republicanos), para uma candidatura unificada de oposição a Casagrande. Quando se discute majoritárias, há três grandes trunfos em jogo: o governo, a vaga de vice e a candidatura ao Senado.
Em tese, Audifa, é o que teria maior estatura eleitoral, por ter sido prefeito do maior colégio eleitoral do Estado, a Serra, e deputado federal. Nas pesquisas já realizadas, porém, Guerino, que tem reduto eleitoral principalmente na região norte, não fica muito distante de Audifax. Erick Musso, político jovem de Aracruz, enfrenta o desafio de ainda não ser muito conhecido a nível estadual, embora venha intensificando os giros pelos municípios do Espírito Santo.
O certo é que qualquer dessas articulações vai desagradar e até constranger o Psol do Espírito Santo, já que o partido tradicionalmente manteve alianças sempre muito restritas ao campo da esquerda e extrema-esquerda. De parte da Rede, que quer construir uma frente mais ampla em torno de Audifax, a presença do Psol e suas bandeiras mais radicais à esquerda torna-se também um problema.
Na disputa pelo Senado, o Psol apresentou pré-candidatura de Gilbertinho Campos, que foi candidato à prefeitura de Vitória e ficou em nono lugar, com menos de 1% da votação. Com possível esvaziamento de sua militância no apoio à provável candidatura de Audifax, os psolistas querem garantir esta candidatura majoritária para ajudar a impulsionar a votação do partido nas outras casas legislativas. Mas, ao contrário do cenário nacional, no Espírito Santo a Rede tem maioria nas decisões da federação. Por isso, conta com a candidatura do Senado para negociar alianças, parecendo pouco disposta a ceder para um candidato sem grande densidade eleitoral.
Para o Psol, a prioridade no Estado é a eleição de Camila Valadão, vereadora da Capital, como deputada estadual. Para isso, a federação com a Rede pode inclusive ajudar. Se sozinho o partido precisava de uma votação recorde da candidata e outras candidaturas que pudessem somar para a legenda atingir o coeficiente, com a federação, parece certa a conquista de ao menos uma cadeira, com a possibilidade de duas para o bloco partidário.
Nesse sentido, abre-se uma disputa na federação pela maior votação para a Assembleia Legislativa entre Camila Valadão e Fábio Duarte, da Rede, que foi derrotado no segundo turno para a prefeitura da Serra em 2020, e deve vir colado à candidatura de Audifax ao governo, caso esta de fato se viabilize. Outros candidatos devem correr por fora, com chances reduzidas, mas com chapa completa para somar votos e tentar até uma terceira vaga, o que até o momento é apontado como pouco provável.
No âmbito nacional, a federação ainda carece de nomes viáveis para deputados federais, podendo não conseguir eleger ninguém, contribuindo apenas com a soma de votos para superar a cláusula de barreira, que parece desafio bastante tranquilo com a junção das duas agremiações.
Lideranças nacionais enxergam convergências
Voltando ao âmbito nacional e interno das siglas, se bem a votação no diretório da Rede foi consensual a favor da federação no último dia 12 de março, no Psol foi diferente. Depois de aprovado pela Nacional no dia 30 de março, a federação foi aprovada com 62% dos votos da direção e oposição do restante.
A realidade é que a Rede precisa mais da federação do que o Psol para garantir sua sobrevivência. Em crescimento nos últimos anos, os psolistas cresceram em 59% sua votação para deputado federal em 2018, conseguindo superar a cláusula de barreira, com 1,8% dos votos nacionais para este cargo, que é o parâmetro de medição. Em 2022, no entanto, o sarrafo sobe e é preciso alcançar 2% do total de votos, contra 1,5% da última eleição nacional. Não parece tarefa improvável para o Psol, que terá candidaturas fortes a deputado federal como a do líder Guilherme Boulos em São Paulo. Porém, a federação garante segurança de superação do desafio para ambas siglas.
Há quatro anos, a Rede Sustentabilidade passou longe de conseguir atingir a cláusula, ficando sem tempo de propaganda gratuita em rádio e TV e nem verba do fundo partidário. Se o Psol, que superou por pouco as exigências, teve cerca 2,78 milhões de votos, a Rede chegou a pouco mais de 816 mil para deputado federal. Ao todo 11 partidos ficaram prejudicados por não atingirem a cláusula, sendo que alguns se fundiram para alcançá-la, como foi o caso de PCdoB e PPL e Podemos e PHS, tendo os segundos sendo incorporados aos primeiros em cada caso.
Ainda assim, as federações foram implementadas por meio da Lei 14.208/2021 para permitir que dois ou mais partidos se unam, mantendo suas identidades próprias, mas somando votos como nas antigas coligações e tendo obrigação de atuação conjunta. Precisam registrar estatuto e pontos programáticos comuns no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A aliança deve permanecer por quatro anos tanto na atuação conjunta parlamentar como nas eleições de 2024, embora os partidos sigam com autonomia.
Segundo o Psol, existem “pontos de convergência entre o ecossocialismo e o socialismo radicalmente democrático defendidos pelo Psol e o sustentabilismo progressista encampado pela Rede Sustentabilidade”.
Entre os pontos definidos em comum pelas legendas, estão a defesa da educação pública, universal e de qualidade em todos os níveis; a democratização dos sistemas de comunicação; o respeito aos direitos humanos; a universalização e melhoria dos serviços de saúde; a defesa dos direitos dos animais; a reforma urbana; o incentivo a pequenos produtores e à agricultura familiar; a revisão da matriz energética; o fortalecimento da economia popular; o enfrentamento à violência policial; e o controle social sobre a política de mineração.
PT, PCdoB e PV ainda não definem candidatura ao governo
Também nessa segunda-feira, PT, PCdoB e PV registraram o estatuto e o programa de aliança, chamada de Federação Brasil da Esperança, que terá Lula como candidato à presidência da República, com apoio já fechado com o PSB e em busca de novas alianças.
“A FE Brasil surge desafiada por uma grande responsabilidade: atuar como força decisiva para libertar nosso país do desastroso governo da extrema da direita. Tendo em vista essa gigantesca tarefa, a Federação terá que, em torno da liderança da ex-presidente Lula, agregar, reunir e mobilizar amplas forças políticas, sociais, econômicas e culturais para que o povo e a democracia sejam vitoriosos nas eleições de outubro”, diz a nota conjunta dos partidos da federação, que também chama atenção para a tarefa simultânea de eleger grandes bancadas federais progressistas para o Congresso Nacional e as Assembleias Legislativas, além de governadores.
No Espírito Santo, uma questão central é a definição da candidatura para governador. O PT vem de trocas de farpas com o PSB e coloca a candidatura de Contarato como prioridade. Agora, com a federação, o diálogo ganha amplitude. A decisão deixa de ser do partido e passa para a federação, que terá sua direção composta por critérios que darão ao PT maior número de representantes, mas com possibilidade de ter que negociar com os outros federados.
A possibilidade de que o PT apoie Casagrande à reeleição se faz possível se houver pressão nacional da direção do partido, que coloca como condição que o atual governador apoie formalmente Lula para a presidência, algo que Casagrande tem fugido para evitar desagradar a ampla base de apoio de partidos centro e centro-direita que vem construindo para sua reeleição.
Se retirada a candidatura de Contarato, não haveria maiores problemas para apoio a Casagrande, exceto o fato de desagradar parte da base petista. O PV, entretanto, tem sido aliado do governador e tem preferência por seguir apoiando-o, embora seu poder de decisão na federação seja reduzido. Já o PCdoB se equilibra entre boas relações tanto com o governo como o PT, e pode pender para um ou outro lado, conforme avancem os diálogos.