Professora teria insistido em chamar aluna pelo nome de registro, mesmo com nome social na chamada do curso
Uma aluna da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) denuncia ter sofrido transfobia por parte de uma professora do curso de Ciências Biológicas. Dani Araújo, do campus de Alegre, sul do Estado, diz ter sido chamada, mais de uma vez, pelo nome de registro, mesmo tendo o nome social constando na chamada.
“A Ufes me dá esse direito. Quando eu cheguei na sala, ela já estava me notando, ficava me olhando. Na hora da chamada, ela chamou Dani Araújo, mas, no meio da turma toda, falou: ‘seu nome é Dani Araújo, mas acho que no email está Daniel Araújo (…) Depois ela simplesmente quis sair como a vítima da situação. Começou a falar meu nome morto e o nome do outro menino trans que tem aqui, na frente das pessoas”, relata.
A denúncia é contra a professora Gisele Rodrigues Moreira. Dani explica que, no Portal do Aluno, e em outras plataformas de informação da Ufes, o nome social já está registrado, mas no email institucional, a retificação ainda não foi feita. “Ela não fez isso de boa-fé. Poderia me chamar em um canto, como todos os professores fizeram. E não é a primeira vez que ela faz isso com uma pessoa trans na instituição. Eu fui procurar por ela, para tentar conversar, ela conversou, mas me tratou com um descaso, um deboche, me tratou como se eu não fosse nada”, conta.
A aluna diz que, apesar de perceber a transfobia em situações burocráticas da vida acadêmica, nunca tinha passado por um caso de tanta exposição. Na Ufes, o direito ao nome social é garantido pela Resolução nº 23/2014, do Conselho Universitário.
“Todos os professores sempre me respeitaram. Até no Earte [Ensino-Aprendizagem Remoto Temporário e Emergencial], que nosso email fica exposto, nunca me fizeram passar por essa situação (…) Na hora eu não entendi nada. Fiquei travada, congelada. Eu me senti muito triste. Despertou gatilhos gigantescos em mim. Fui para o laboratório e comecei a chorar lá mesmo”, afirma.
Procurada por Século Diário, a Ufes informou que “a direção do Centro de Ciências Agrárias e Engenharias (CCAE) que tomou providências para esclarecer os fatos, encaminhando um pedido de informações sobre o ocorrido ao Departamento no qual a professora está lotada”.
O caso relatado pela estudante de Alegre não é o primeiro, nem se restringe ao Espírito Santo. Em julho do ano passado, uma pesquisa da Coletiva Intertransvestigênere Xica Manicongo, de estudantes da Universidade de São Paulo (USP), constatou que 52% dos 88 estudantes que se identificam como transexuais, travestis, transvestigêneres e não-binários já passaram por um caso de transfobia na instituição paulista, com relatos de situações constrangedoras e dificuldade de aceitação do nome social.
Dani ingressou na Ufes em 2016, antes de iniciar a transição de gênero. Ela relata que, após a transição, os entraves na vida acadêmica aumentaram. “Antes, eu conseguia bolsa, conseguia as coisas (…) Agora, quando a gente vai conversar com um professor para iniciação científica, ou qualquer outro tipo de coisa, você percebe os olhares. Uns falam que não tem, aí quando você vai ver, tem outra pessoa no lugar. Depois da transição, as coisas pioraram bastante pra mim”, ressalta.
Para pessoas trans, as dificuldades são vivenciadas desde o momento de ingresso no Ensino Superior. Uma pesquisa do Grupo de Estudos Multidisciplinar da Ação Afirmativa (Gemaa), vinculado à Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), constatou que o púbico representa apenas 0,3% dos alunos de universidades federais brasileiras. O estudo foi feito com base na 5ª Pesquisa Nacional de Perfil Socioeconômico e Cultural dos Estudantes de Graduação das Instituições Federais de Ensino Superior Brasileiras, de 2018.
Uma das propostas para tentar amenizar essa falta de acesso são as políticas afirmativas para pessoas trans que, no caso da Ufes, só são realizadas nos cursos de pós-graduação em Ciências Sociais e de pós-graduação em Comunicação e Territorialidades. Em 2021, movimentos sociais da instituição, como o Núcleo de Estudos Afro-Brasilerios (Neab), defenderam a ampliação de ações para inclusão de pessoas trans, bem como a inclusão de negros, indígenas, e pessoas com deficiência nos cursos de mestrado e doutorado.