MST reforça pautas da reforma agrária durante ocupação do Incra e audiência com Fabrício Fardin
No terceiro dia da Jornada Nacional de Lutas em Defesa da Reforma Agrária no Espírito Santo, nesta sexta-feira (29), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) realizou uma ocupação na sede estadual do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra-ES) e foi recebido pelo atual superintendente, o engenheiro agrônomo e servidor do Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal (Idaf) Fabrício Fardin, nomeado em julho do ano passado.
A Jornada deste ano tem como lema “por terra, teto e pão!” e teve início nessa quarta-feira (27). No Incra, o objetivo foi recuperar o papel essencial que a autarquia federal tem em relação ao compromisso constitucional do país com a reforma agrária, descrito no Capítulo III, Título VII, da Constituição Federal de 1988.
A audiência com o gestor capixaba do Incra teve início pela manhã e se estendeu por toda a tarde, período em que ele pode se atualizar das pautas prioritárias para a implementação da reforma agrária no Estado e assentamento das cerca de mil famílias acampadas.
Criado em 1970, o Incra, tem, ainda hoje, a reforma agrária como sua principal finalidade. Em sua página oficial na internet, a autarquia assume como missão “implementar a política de reforma agrária e realizar o ordenamento fundiário nacional, contribuindo para o desenvolvimento rural sustentável” e, como visão de futuro, “ser referência internacional de soluções de inclusão social”.
“Apresentamos nossa pauta de obtenção [aquisição de terras para assentar famílias acampadas] e desenvolvimento [ações de estruturação dos assentamentos já criados]. A demanda é antiga e nós já sabíamos que o Incra está sem recursos humanos e financeiros para as duas pautas. Mas se o superintendente quer fazer alguma coisa sobre assentamento, ele precisa participar da Mesa de Resolução de Conflitos [coordenada pela Secretaria de Estado de Direitos Humanos – SEDH com reuniões mensais] e negociar com o governo do Estado e a Suzano as terras que já estão disponíveis para a reforma agrária”, argumenta Marco Antonio Carolino, da direção nacional do MST-ES.
Durante a audiência, o movimento ressaltou duas áreas no norte do Estado que foram acordadas diretamente com a então Fibria (atual Suzano e ex-Aracruz Celulose) em 2019 e várias outras áreas patrimoniais que o governo do Estado já afirmou, na última reunião da Mesa, no final de março, ter interesse em destinar à reforma agrária por meio de permuta.
“O superintendente se comprometeu a retomar a participação na Mesa. Também sugerimos que ele busque recursos para obtenção de terras junto à bancada federal, em Brasília”, relatou Carolino. “Perguntamos se ele não pretende deixar nenhum legado de reforma agrária no Estado. Porque vai ser desmoralizante para ele, ter áreas para assentamento, tanto do governo do Estado como do acordo com a Suzano, e ele não deixar nenhum legado. Vai ser mais um superintendente sem fazer nenhum assentamento? Há dez anos o Espírito Santo não cria assentamento. Nesse período, já passaram pelo Incra mais de dez superintendentes”, critica.
As duas áreas acordadas com a então Fibria estão ocupadas por famílias: o acampamento Egídio Brunetto, entre Linhares e Aracruz; e o Agnaldo Pereira Prates, em Montanha, ambos com mil hectares, e com 150 e 120 famílias acampadas, respectivamente.
Ainda sobre a criação de novos assentamentos, o MST cobrou que o Incra emita um parecer, por meio de sua Procuradoria, sobre 14 áreas judicializadas e reivindicadas para reforma agrária, e que faça o cadastramento de todas as famílias acampadas, com visitas in loco.
Desenvolvimento econômico, social e ambiental
A pauta de Desenvolvimento, relata Carolino, tem demandas nas áreas econômica, social e ambiental dos assentamentos já estabelecidos. Inclui políticas públicas e assessoria técnica para habitação; criação de um Fundo para financiar atividades para mulheres e jovens; retomada de linhas de crédito via Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf); fomento à comercialização de alimentos via Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e Compra Direta de Alimentos (CDA); apoio às famílias endividadas devido à seca de 2014 a 2017, com renegociação das dívidas; e políticas públicas de reflorestamento dos assentamentos, com espécies frutíferas e nativas da Mata Atlântica, para combater a escassez hídrica e os efeitos das mudanças climáticas.
Direito de uso
A pauta mais polêmica durante a longa audiência com o superintendente, reporta Carolino, foi sobre a titulação individual de terras que vem sendo promovida pelo governo de Jair Bolsonaro (PL), que contraria a orientação prioritária dada pela legislação federal e defendida pelos movimentos sociais, que é a manutenção do sistema de Concessão de Direito Real de Uso (CDRU).
“O argumento deles [governo federal e Incra] é tão pequeno! Falam que com os títulos as famílias têm acesso às políticas públicas. É mentira. Há um esvaziamento geral de políticas públicas de fomento à produção, à moradia, alimentação, educação, saúde…para todo mundo, não só para os assentados da reforma agrária. Fomos duros com eles: ‘tem que mudar essa narrativa e parar de criar fake news paras as famílias. Primeiro que o Incra não tem nenhum assentamento legalizado no Espírito Santo para titular”, pontuou o líder sem terra.
“A nossa defesa é pela CDRU, onde a terra continua sendo da União, pública e coletiva. E que nunca pode ser vendida, voltar a ser propriedade privada. Sem políticas públicas, as famílias com título voltam a ficar endividadas e acabam vendendo a terra sob pressão dos especuladores ou perdendo para os bancos, que entram com processo judicial e vendem em leilão. O título de domínio significa a reconcentração da terra nas mãos de fazendeiros, de empresas, do capital”, explica Carolino.