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‘Perseguições trazem consequências danosas e dolorosas’

Maria Helena Cota, do Policiais Antifascismo, criticou na Assembleia processos contra PMs progressistas abertos no Estado

“Paz sem voz é medo” foi o título da audiência pública realizada nessa sexta-feira (29) na Assembleia Legislativa, que debateu a perseguição a membros do grupo Policiais Antifascismo (PAF). O debate contou com a participação de um dos líderes nacionais do movimento, o delegado carioca Orlando Zaccone, e de dois policiais capixabas que respondem a processos disciplinares por manifestarem suas opiniões políticas, Vinícius Querzone e Vinícius Sousa.

Audiência pública da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Direitos Humanos foi comandada pela deputada Iriny Lopes (PT). Foto: Ana Salles/Ales

Também integrante do PAF, Maria Helena Cota Vasconcelos, escrivã aposentada da Polícia Civil do Espírito Santo, considera que sempre houve policiais antifascismo, porém, recentemente houve a percepção em torno da necessidade de unificar suas lutas diante da conjuntura adversa que se apresenta. A reação a essa organização são as perseguições sucessivas a agentes, que ocorrem não só no Estado mas por todo Brasil.

“Essas perseguições trazem consequências danosas e dolorosas tanto para as instituições policiais como para aqueles que estão sendo investigados. Há casos de depressão e suicídio. Punições como repreensão, prisão e exoneração dos cargos. Alguns desistem da carreira para sobreviver. Policiais brilhantes e valorosos que preferem se afastar das instituições”, declarou.

Ela observou, porém, que só são investigados aqueles que se colocam a favor das políticas públicas, contra a militarização da vida, o encarceramento em massa, o crescimento das medidas punitivas, entre outras medidas. “Aqueles que defendem políticas de armamento, de criminalização de movimentos sociais, são premiados pelo atual governo e muitos dentro das corporação”, relatou. “Embora pensem em nos calar, nós não vamos nos calar”, concluiu a escrivã.

A advogada Juliana Vieira dos Santos, coordenadora da Rede Liberdade, que tem atuado em casos emblemáticos de violações de direitos humanos, entre eles os que envolvem processos a policiais antifascismo, pontua a violência e o autoritarismo como marcas profundas da sociedade brasileira, que persistem até hoje, tendo nas instituições militares uma das mais significativas representações no país.

Ela chamou de “vigilantismo” processos levados a cabo por instituições contra servidores em represália, por considerar que representam ameaças ao atual governo ou gestão, não só no caso de policiais mas também de defensores ambientais, da causa indígena e outros. 

Advogada Juliana Vieira dos Santos, da Rede Liberdade, criticou processos contra policiais. Foto: Ana Salles/Ales

No caso dos policiais militares, ela contabiliza processos administrativos ocorrendo em pelo menos 10 estados diferentes, com base no que considera uma “clara perseguição de policiais alinhados ou simpatizantes do movimento Policiais Antifascismo”. Juliana chama atenção para a origem dos processos, muitos deles a partir do monitoramento “absolutamente ilegal” das redes sociais, incluindo postagens feitas fora do horário de trabalho como supostas provas. “Isso é uma medida de polícia política, é uma grave lesão de preceitos fundamentais. É absolutamente inconstitucional, mas dão origem a processos administrativos”.

Nesses casos, revela a advogada, são pinçadas fotos, frases soltas e uma sequência de materiais que não tem lógica entre si, que são relacionados e enquadrados dentro de algum artigo do Código de Ética da Polícia Militar (PM), geralmente acusando de conspurcar a imagem da corporação, ou confundido como atividade partidária, que é proibida a militares, a participação em manifestações ou em reuniões de movimentos sociais, o que é permitido aos policiais, que têm direitos como liberdade de expressão e de livre associação garantidos pela Constituição.

Ela classifica os processos que vêm sendo conduzidos como “uma excrescência, um absurdo”, como “algo absolutamente surreal”, que não conectam ato com pena e que refletem comportamento incompatíveis com processos democráticos no estado de direito.

Em sua fala, Orlando Zaccone prestou sua solidariedade aos policiais perseguidos que sofrem processo abusivos e falou da necessidade de enfrentar esses acontecimentos com uma estratégia nacional, entendendo que não são casos isolados, mas que fazem parte de uma estrutura que precisa ser modificada.

O delegado destacou a necessidade de se construir a imagem do policial como trabalhador, especialmente em relação à Polícia Militar, onde seus agentes são tratados como “subcidadãos”, tendo proibidos seu direito de greve, de filiação partidária e de sindicalização, e cerceada sua livre manifestação do pensamento. Isso tem origem na relação umbilical da PM com o exército brasileiro.

Delegado Orlando Zaccone defendeu a construção do policial como trabalhador. Foto: Ana Salles/Ales

Zaccone fez referência a escritos do professor Luiz Eduardo Soares, que apontam que policiais nada têm a ver com exércitos, pois são instituições que, no marco da legalidade escrita, são destinadas a garantir direitos e liberdade dos cidadãos. A desmilitarização da PM seria então um passo importante nessa construção do entendimento do policial como trabalhador, de modo a devolver a cidadania plena a esses trabalhadores.

Entretanto, é preciso desmistificar algumas coisas quando se fala em desmilitarização, considera o líder do PAF. Desmilitarizar não significa unificar. É possível ter duas polícias ou até várias operando ao mesmo tempo. “O problema é que a nossa é força auxiliar de reserva do Exército. Basta cortar o cordão umbilical e devolver a Polícia Militar ao comando do governador, porque hoje batem cabeça para dois senhores”, disse.

Isso porque, de acordo com a legislação, embora seja controlado em tese pelos governadores, quem teria a decisão em último caso é o Exército, que pode inclusive não aceitar o comandante geral escolhido para a PM por um governador, o que até hoje não ocorreu desde o restabelecimento do regime democrático, mas que ainda é permitido pela lei e chocaria a sociedade se for adotada em algum momento.

“Precisamos ir a fundo no debate sobre a desmilitarização, precisamente no sentido de devolver a cidadania ao trabalhador da Polícia Militar”, resumiu. 

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