Advogado das médicas afastadas aponta incapacidade da Central de Vagas e de outros entes em garantir internação
“Por que seguraram a vaga? Filho de quem é esse paciente?” O questionamento é um dos tantos feitos pelo advogado Jovacy Peter Filho, que defende as médicas plantonistas do Hospital Estadual Infantil e Maternidade Alzir Bernardino Alves (Himaba), em Vila Velha, afastadas pela Secretaria de Saúde (Sesa) após responsabilizá-las pela não internação hospitalar do adolescente Kevinn Belo Tomé da Silva, morto na manhã do último sábado (30) dentro de uma ambulância vinda de Cachoeiro de Itapemirim, sul do Estado, após ficar mais de quatro horas aguardando um leito de UTI, na porta do hospital.
Em entrevista a Século Diário nesta terça-feira (3), Jovacy afirma que as médicas não conseguiram autorização para internar o adolescente no leito de Unidade de Tratamento Intensiva (UTI) que estava vago quando ele chegou, mas não revelou quem teria tomado essa decisão, nem por qual motivo.
Concordando em parte com a posição do secretário de Estado da Saúde, Nésio Fernandes, Jovacy diz que havia sim uma vaga reservada para Kevinn em Vila Velha, porém não no setor adequado. A guia enviada pelo hospital de Cachoeiro era para internação em enfermaria, sendo que, ao chegar no Himaba, ele já havia sofrido duas paradas cardíacas no caminho e estava intubado, em estado gravíssimo. A necessidade era para um leito de UTI ou de Emergência, desde que contasse com respirador e outros equipamentos necessários ao atendimento de Kevinn.
A primeira medida tomada pelas médicas para solicitar o leito foi acionar o Núcleo de Regulação e Internação de Urgência (Central de Vagas) da Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), sendo acompanhadas por um servidor administrativo do hospital. “A Central respondeu que não poderiam ocupar aquela vaga no Himaba porque ela estava reservada para um paciente vindo de um hospital privado em São Mateus”, conta o advogado. “Ele é de alguma família com grande influência política?”, provoca o advogado.
A partir dessa primeira posição, as plantonistas pediram que a Central encontrasse então uma vaga de UTI em outro hospital, mantendo-o no respirador da ambulância, que é equipada com UTI móvel. Durante as quatro horas seguintes, as médicas continuaram acompanhando o pedido de vaga em algum hospital, sem sucesso, até que o adolescente faleceu, ainda dentro da ambulância, pouco antes de chegar à família a notícia de que um leito finalmente havia sido disponibilizado, em outro hospital. E o paciente de hospital privado de São Mateus, para quem a vaga do Himaba estava reservada, só chegaria depois do óbito.
Jovacy ressalta que o médico responsável pela remoção de Kevinn só poderia entregar o paciente para outro leito também com respirador. O rapaz não poderia ser tirado do equipamento e levado para um leito comum de Enfermaria ou mesmo de Emergência.
Naquele momento, no entanto, o Himaba não dispunha de nenhuma das duas opções, já que o leito de UTI continuava reservado e a Emergência tinha apenas cinco respiradores para oito pacientes que deles precisavam.
“Minutos antes do Kevinn, o último leito de Emergência com respirador foi ocupado por um bebê que estava cianótico (sem oxigenação, já com cor arroxeada) e que havia convulsionado. “São decisões que os profissionais têm que tomar em segundos. Elas já haviam internado o bebê e decidiram manter Kevinn na ambulância, que tinha UTI móvel. Em nenhum momento o Kevinn deixou de ter o atendimento de um profissional de saúde. O médico da remoção o acompanhava todo o tempo”, conta. Ainda assim, prossegue, a busca por leito hospitalar continuava, pois o atendimento em hospital tem mais qualidade, por contar, via de regra, com equipes mais experientes e mais equipamentos.
O advogado salienta também que elas não eram as únicas médicas de plantão no Himaba naquele momento e que não tinham o poder de impedir a entrada dele na UTI. “São quase 70 leitos de enfermaria, mais a equipe de Emergência e a equipe de UTI”, informa.
Corresponsabilidades
A partir do relato da defesa das médicas, algumas perguntas emergem. Por que a Central de Vagas não conseguiu garantir nenhuma vaga de UTI, nem no Himaba, nem em outro hospital, ao longo de mais de quatro horas? Que outros profissionais e setores, além das médicas plantonistas e da Central de Vagas, são responsáveis por garantir que um paciente vindo de um hospital do interior e que tem seu quadro agravado durante a viagem, seja efetivamente internado em um leito que atenda às suas necessidades? O hospital de origem? O médico que acompanhou a remoção do paciente dentro da ambulância? Outros profissionais de nível hierárquico superior ao das médicas plantonistas no Himaba?
Investigação policial
Em nota, a Polícia Civil do Espírito Santo informou que “duas ocorrências foram registradas para apuração da morte do adolescente Kevinn Belo Tomé da Silva. Uma por parte da família da vítima e outra pela direção do Himaba. Imediatamente após o registro, a Delegacia Regional de Vitória deu início às diligências, com acompanhamento de perto do delegado-geral, José Darcy Arruda. Ainda no sábado, o diretor do Hospital prestou depoimento, assim como outras duas funcionárias. No domingo, a Polícia Civil coletou o depoimento da enfermeira chefe que estava de plantão no dia do fato e da médica que compunha a equipe da ambulância em que o menino estava. A Polícia Civil também recolheu documentos e imagens de videomonitoramento”.
A PCE-ES afirma ainda que “a investigação segue em andamento na Divisão Especializada de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) de Vila Velha. As médicas que estavam no plantão já foram identificadas e prestarão depoimento em momento oportuno. Para que a apuração seja preservada, nenhuma outra informação será repassada”.