Ministro Dias Toffoli considerou sigilo da fonte como uma das garantias mais importantes à liberdade de imprensa
As autoridades públicas no Espírito Santo e seus órgãos de apuração administrativa ou criminal devem se abster de praticar atos que visem responsabilizar jornalistas pela divulgação de suposto esquema de corrupção envolvendo o Departamento de Trânsito (Detran). A decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, divulgada nesta quarta-feira (4), é resultante de pedido da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) na Reclamação (RCL) 47792, envolvendo o portal de notícias Folha do Espírito Santo, editado em Cachoeiro de Itapemirim, sul do Estado.
Na ação, a ABI relata que, após o portal noticiar o conteúdo de um pen drive, obtido de fonte sigilosa, que conteria provas de direcionamento em licitação no Detran no valor de R$ 139 milhões, e parlamentares pedirem investigações, a procuradora-geral de Justiça, Luciana Andrade, havia pedido a instauração de inquérito policial contra os denunciantes. Com a decisão, as investigações ao jornal são anuladas.
O argumento era de que as informações teriam sido obtidas pela imprensa por meio de prova ilícita, sem autorização judicial, caracterizando afronta à inviolabilidade do sigilo das comunicações e à intimidade, protegidos pela Constituição Federal. Segundo a ABI, pelo mesmo motivo, a investigação sobre o suposto esquema de corrupção foi arquivado pela procuradora-geral.
Em junho do ano passado, o relator havia deferido em parte a liminar. Ao analisar o mérito, Dias Toffoli observou que a matéria envolve, de um lado, uma das garantias mais importantes à liberdade de imprensa e, portanto, à própria democracia, que é o sigilo da fonte, previsto expressamente na Constituição Federal (artigo 5º, inciso XIV). De outro, está a inviolabilidade das comunicações (artigo 5º, inciso XII), destinada a proteger os direitos constitucionais à privacidade, intimidade, honra e imagem.
Decidiu o ministro que o “direito fundamental à liberdade de expressão, de informação e de imprensa têm relevância especial na jurisprudência do Supremo”.
Ao analisar os autos, Toffoli concluiu que há plausibilidade na tese da ABI de que nenhum jornalista poderá ser constrangido a revelar o nome de seu informante ou a indicar a fonte de suas informações, nem poderá sofrer qualquer sanção, direta ou indireta, quando se recusar a quebrar esse sigilo de ordem profissional e de estatura constitucional.
O relator concluiu que há iminência de jornalistas serem expostos a procedimentos investigatórios criminais que visem à descoberta da fonte e à criminalização de sua atividade, e lembrou que pelo menos um jornalista já foi convocado para prestar depoimento.
Na decisão, Toffoli também veda que as autoridades estaduais pratiquem atos que visem à responsabilização de parlamentares federais pela recepção, obtenção ou transmissão de informações publicadas em veículos de mídia, sob pena de usurpação de competência do STF.
O ministro levou em consideração a alegação de que a deputada federal Soraya Manato (PTB), que pediu, na Câmara, investigação sobre os fatos relativos ao conteúdo do pen drive (que lhe teria sido entregue, assim como aos jornalistas), poder vir a ser ou já está sendo investigada por autoridade incompetente.
O caso
A reclamação da ABI a favor da Folha do ES e seus jornalistas foi direcionada na defesa da liberdade de imprensa, a partir de provas apontadas, segundo a publicação, como “irrefutáveis de direcionamento e corrupção da licitação do cerco eletrônico do Detran-ES, no valor de R$ 139 milhões”. A prova eletrônica foi entregue ao veículo por fontes, sob sigilo, na sede do jornal.
O Ministério Público do Estado requisitou diretamente inquérito policial contra jornalistas que receberam o pen drive, para apurar “obtenção de prova ilícita”, visando quebrar seus sigilos e identificar suas fontes, o que foi considerada uma violação à liberdade de imprensa, cujo “pilar é a garantia de sigilo das fontes jornalísticas, assegurado na Constituição do Brasil e de todos países democráticos”.