O juiz Fernando Antonio Lira Rangel, da 5ª Vara da Fazenda Pública Estadual, Municipal, Registros Públicos, Meio Ambiente e Saúde de Vitória, condenou o Governo do Estado a indenizar os familiares do detento Leonardo Silva Gonçalves, mulher transgênero cujo nome social era Aline, morta por espancamento no Presídio Estadual de Vila Velha (PEVV II), em maio de 2020. Entretanto, o advogado Antônio Fernando Moreira, que atua no caso, irá recorrer para aumentar o valor da indenização por danos morais para cada um dos autores.
O advogado considera a indenização “irrisória” diante do tamanho da violência sofrida pela vítima no cárcere. Ele explica que, em casos considerados menos violentos, o Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) tem estabelecido entre R$ 40 mil e R$ 50 mil, mas para a família de Aline, foi estipulado R$ 15 mil. O valor pleiteado por meio da ação foi de R$ 100 mil.
Além da indenização por danos morais, foi estabelecido que o Estado deve indenizar a genitora com 2/3 de R$ 1.175,00 até a data em que a vítima completaria 25 anos e com 1/3 desse mesmo montante até a data em que completaria 76 anos ou até a morte da beneficiária.
Quando ocorreu a morte, a administração do presídio informou o ocorrido à mãe da vítima. Entretanto, relatou a advogada Paloma Garsiglia, o corpo foi encaminhado para o Serviço de Verificação de Óbito (SVO), que afirmou que a causa da morte foi natural, e não para o Departamento Médico Legal (DML). “Se informaram inicialmente que ela havia sido assassinada, deveriam ter encaminhado o corpo para o DML, que é para onde são levados os casos de suspeita de morte violenta”, explicou.
Diante disso, a advogada orientou a família a pedir autópsia. Após registrar Boletim de Ocorrência (BO) na Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), os familiares, por meio de um laudo, foram informados de que Aline sofreu traumatismo encefálico e tinha marcas pelo corpo. A vítima era acusada de homicídio, mas estava pendente de julgamento de recurso, não tendo tido uma condenação definitiva.
Em sua decisão, o juiz afirmou entender que “as condutas adotadas pelos agentes para verificar o que havia ocorrido, tal como a tentativa de prestar socorro, não são suficientes para afastar o nexo causal decorrente da clara falha estatal em prover a segurança e a integridade física do custodiado”.
O magistrado prossegue dizendo que “a tese da defesa no sentido de que o homicídio praticado por terceiro tem o condão de romper o nexo de causalidade, também não merece prosperar, posto que, conforme já apontado, o requerido responde, de forma objetiva, pelo dever de guarda do interno, tendo falhado na referida obrigação”.
O juiz também destaca que, na época do assassinato, o estabelecimento penal contava com 1,4 mil apenados, mas sua estrutura era projetada para 672, fator prejudicial à vigilância e ao tratamento penal adequado”. E salienta que, conforme relatos dos envolvidos, a vítima foi espancada por outros detentos “por, possivelmente, estar devendo marmita, ou então, por ter determinada orientação sexual”. Diz ainda que, em um contexto de encarceramento, podem surgir “situações onde haja conflitos entre os presos, dando azo a ataques de uns contra a vida de outros”.
Assim, segundo a decisão judicial, é importante a atuação do Estado, “pois sem os cuidados necessários, visando garantir a integridade física desses presos, a incidência de determinados atos pode ensejar consequências extremas, como a do caso em decomposição”. No homicídio em questão, destaca, “a história dos autos revela que o Estado não foi capaz de garantir a integridade do preso Leonardo Silva Gonçalves, dever que lhe competia”.
Violência
Em uma tentativa de recorrer à Justiça, o advogado Antônio Fernando Moreira ratifica em sua petição a defesa de que os danos morais devem ser de R$ 100 mil para cada um dos autores. Ele justifica isso com base na violência sofrida pela vítima, como ser obrigada a lavar roupas dos demais presos, levar chineladas amarrada de cabeça para baixo, ser privada de alimentação e ser impedida de sair para banho de sol.
Além disso, o advogado afirma se tratar de “crime de ódio, devido à orientação sexual e de gênero de Leonardo [Aline], considerado indigno de conviver com heterossexuais e espancado/linchado até a morte”.
Antônio Fernando Moreira narra em sua petição que a vítima foi morta por sete pessoas. Entre elas, detentos heterossexuais “insatisfeitos em estar na cela com pessoas de opção sexual diversa”.
Consta ainda na petição que havia “tratativa anterior entre todos, incluindo a vítima, em castigar o interno que cometesse algum erro no convívio intra cela”, mas que “não há nos relatos qualquer indicativo que os heterossexuais tenham sido castigados”.
O documento segue relatando que, “ao vender uma marmita que devia ao interno Harisson Zanetti Rocha, foi [a vítima] severamente castigado por todos os presos da cela após uma votação em que definiu seu castigo por meio de agressão física”.